A Academia Sueca, abalada por um escândalo que envolve fugas de informação e abusos sexuais que fez sair cinco membros, poderá não atribuir este ano o prémio Nobel da Literatura.
Em declarações à televisão SVT, o presidente da Fundação Nobel, Carl-Henrik Heldin, falava depois de a rádio pública SR ter noticiado que várias pessoas do Comité Nobel e da Academia Sueca consideram que o prémio não deve ser concedido este ano, para dar tempo à instituição para cicatrizar as feridas e recuperar a confiança da opinião pública.
Assim, seriam outorgados dois prémios de Literatura em 2019, um dos quais correspondente ao ano anterior, de acordo com uma ideia apoiada por Peter Englund, um dos membros que abandonou a academia.
“Estamos no meio de uma discussão, não vou dizer nada sobre isso, mas dentro de pouco tempo será explicado o que vai acontecer nesse ponto (a eleição do vencedor deste ano)”, disse à emissora Anders Olsson, secretário permanente interino da academia fundada em 1786.
Por sua vez, Per Wästberg, outro membro da academia, disse à SVT que só daqui a um par de semanas se poderá dar uma resposta definitiva sobre a questão.
O diretor da instituição, Göran Malmqvist, desmentiu, em contrapartida, à edição digital do diário Dagens Nyheter, que o prémio não vá ser entregue e, embora admitindo que houve uma proposta nesse sentido, considerou-a descartada e garantiu que seria “horrível” se tal acontecesse.
No entanto, a decisão sobre o prémio deverá ser tomada por todos os membros da academia, sendo o papel principal desempenhado pelo secretário permanente.
O Nobel da Literatura, atualmente no valor de nove milhões de coroas suecas (863 mil euros) foi, tal como os das restantes categorias, sete vezes não atribuído durante as guerras mundiais do século passado – em 1914 e 1918, em 1935, e depois em 1940, 1941, 1942 e 1943 – mas nunca por outros motivos.
O escândalo rebentou em novembro, quando o jornal Dagens Nyheter publicou a denúncia anónima de 18 mulheres de abusos e agressões sexuais contra o dramaturgo Jean-Claude Arnault, ligado à academia através do seu clube literário e marido de um dos seus membros, Katarina Frostenson.
A academia cortou todas as ligações a Arnault e encomendou uma auditoria independente sobre as suas relações com a instituição, mas divergências internas quanto às medidas a adotar desencadearam demissões, acusações e saídas de cinco membros, entre os quais a secretária permanente em exercício, Sara Danius, e Katarina Frostenson.
Na passada quinta-feira, os membros que continuam a ocupar as suas cadeiras na academia decidiram divulgar os resultados dessa auditoria e entregá-los às autoridades, além de anunciar reformas.
O relatório rejeita que Arnault tenha influenciado decisões sobre prémios e subsídios, embora o apoio económico que recebeu viole as regras de imparcialidade, pelo facto de a sua mulher ser coproprietária da empresa que geria o clube literário; e confirma que a confidencialidade sobre o vencedor do Nobel foi diversas vezes violada.
De entre as mudanças no funcionamento da instituição, destaca-se a reforma dos estatutos proposta pelo rei Carlos XVI Gustavo, patrono da academia, para permitir a verdadeira renúncia dos seus membros, por desejo próprio ou após dois anos sem participarem ativamente, e a possibilidade de serem substituídos.
Até agora, as renúncias são simbólicas, porque a pertença à academia é vitalícia e só são eleitos novos membros quando vaga alguma cadeira por morte do respetivo ocupante.
Estas últimas cinco saídas (somadas à ausência de duas autoras que há vários anos boicotam a instituição, por outros motivos) deixaram a instituição com apenas 11 dos 18 assentos ocupados, menos um que os necessários para eleger novos membros e tomar decisões, como as relativas ao Nobel.
// Lusa