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Parem de objetificar as ninfas! Elas são mais do que figuras sensuais

Museu Metropolitano de Arte

Acteon, tendo visto acidentalmente a deusa Diana e as suas ninfas a banharem-se, começa a transformar-se num veado

As ninfas gregas e romanas não eram apenas espíritos sensuais da natureza. Também tinham outras funções importantes na sociedade e natureza.

Seria possível estar verdadeiramente sozinho nos bosques da Grécia ou Roma antigas? De acordo com os mitos, o mundo antigo estava repleto de animais selvagens, monstros aterrorizantes e divindades.

Entre elas estavam as ninfas: figuras femininas semi-divinas que personificavam elementos do mundo natural.

Em Portugal, graças a’Os Lusíadas, tendemos a pensar nas ninfas como objetos de erotismo, recompensa e celebração.

Luís Vaz de Camões relata, no Canto IX, que os navegadores portugueses foram recebidos na Ilha dos Amores pelas ninfas com celebraram os feitos heroicos dos lusitanos, elevando-os um estado de quase imortalidade.

Mas muito cuidado com as objetificações… na realidade, as ninfas oferecem-nos muito mais do que apenas histórias de espíritos sensuais da natureza. Podem revelar a forma como os povos antigos pensavam o seu mundo e se relacionavam com a sua paisagem através da mitologia.

Personificação de elementos da natureza

A ninfa era uma categoria muito vasta no mito. Englobava quase todas as mulheres e raparigas semi-divinas do mito, incluindo algumas deusas. A deusa do mar Tétis e o rio do submundo Estige eram ambas ninfas do mar e deusas.

Na arte e na literatura, as ninfas eram geralmente retratadas como mulheres jovensooi e excecionalmente belas. A palavra “ninfa” em grego antigo podia mesmo ser usada para significar “rapariga jovem” ou “mulher solteira” quando aplicada a mulheres mortais.

Apesar desta ligação etimológica, muitas ninfas eram casadas, mães ou deuses. Anfitrite era a esposa de Poseidon, e a sua irmã Metis, a personificação da sabedoria, foi a primeira esposa de Zeus, de acordo com a Teogonia de Hesíodo. Maia era a mãe de Hermes, o deus mensageiro.

O que une todas as ninfas é a sua ligação com o mundo natural. As ninfas personificavam tipicamente elementos da natureza, como massas de água, montanhas, florestas, o clima ou plantas específicas.

A ninfa Daphne

Uma das ninfas mais emblemáticas foi Daphne (ou Laurel, em latim). Segundo o poeta romano Ovídio, no seu poema “Metamorfoses”, Daphne era uma ninfa de uma beleza estonteante que vivia na floresta.

Daphne tinha escolhido seguir os passos de Artemis (Diana), a deusa da caça, sendo caçadora e abstendo-se do sexo e do casamento. Mas a sua beleza viria a ser a sua ruína.

Um dia, o deus Apolo viu Daphne e tentou imediatamente persegui-la. Daphne não se sentiu à vontade e fugiu pela floresta. Apolo perseguiu-a e quase a apanhou.

Mas o pai de Daphne, Peneus, um deus do rio, salvou a sua filha transformando-a num loureiro.

Como muitas ninfas, o mito de Daphne era uma história de origem da árvore que lhe deu o nome e do seu significado para o deus Apolo.

Mas a sua história também seguia um dos tropos mais comuns nos mitos das ninfas – o tropo de uma ninfa transformada no seu homónimo depois de fugir de uma divindade masculina.

Ninfas diferentes para árvores, água, montanhas, estrelas

Havia até nomes especiais para diferentes tipos de ninfas.

Daphne era uma dríade, ou ninfa das árvores. Oreads (ninfas das montanhas) são referidas na Ilíada de Homero. Havia três tipos diferentes de ninfas da água: as oceanídeas e as nereídeas de água salgada e as náiades de água doce.

As ninfas viviam no mundo selvagem. Estes lugares selvagens podiam ser perigosos, mas também continham recursos naturais preciosos que as ninfas personificavam, como árvores especiais e nascentes.

As ninfas da primavera personificavam um dos recursos mais preciosos de todos: a água doce.

Era difícil encontrar água doce no mundo antigo, especialmente em locais sem infra-estruturas humanas. As cidades eram frequentemente construídas à volta de nascentes.

A ninfa Arethusa era a personificação da nascente Arethusa, na Sicília. Atualmente, é possível visitar a Fonte de Arethusa na atual Siracusa.

Para onde quer que se olhasse na paisagem antiga, havia ninfas – mesmo no céu.

As Plêiades e as Híades eram dois conjuntos de filhas do deus Atlas que acabaram por se transformar em estrelas.

Os seus mitos deram origem a dois conjuntos de constelações que eram utilizadas para navegação e adivinhação.

As constelações das Plêiades e das Híades eram visíveis a olho nu e ainda hoje podem ser vistas.

Não objetifique as ninfas!

Embora os mitos possam parecer uma história de ficção contada às crianças, os mitos das ninfas mostram que o mito antigo é inseparável da paisagem antiga e dos povos antigos.

O mundo natural estava imbuído de uma presença divina dos deuses que o criaram fisicamente – Gaia (Terra) era literalmente o solo sob os pés. As ninfas faziam parte desta presença divina.

Esta presença divina trazia consigo uma dádiva muito especial: o dom da inspiração.

Alguns escritores (como Platão) referiam-se a este tipo de inspiração natural como sendo “tomado pelas ninfas” (νυμφόληπτος ou nympholeptus).

Estar presente na natureza e em locais com ninfas poderia trazer inspiração divina para filósofos, poetas e artistas.

Já sabe: se alguma vez se encontrar sozinho num bosque grego, poderá encontrar-te inspirado e em boa companhia – desde que se mantenha respeitoso e, claro, não objetifique as ninfas!

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