/

Um aperto de mão que nunca existiu deixou o “pai da bomba de hidrogénio” a chorar

2

Conferência do Projeto Manhattan, em Los Alamos, com J. Robert Oppenheimer (terceiro da segunda fila, da esq. para a dir.) e Edward Teller (primeiro da fila da frente)

Uma cena quase insignificante do filme “Oppenheimer”, de Cristopher Nolan, conta a história de uma das rivalidades mais curiosas da história da física.

Viu o filme “Oppenheimer“? Se sim, pode ou não lembrar-se, no meio de um complicado enredo, de uma personagem chamada Edward Teller. Na verdade, os curiosos por física devem conhecê-lo por “pai da bomba de hidrogénio”.

Foi um indivíduo controverso, com muitas ideias (algumas nunca concretizadas). Teller foi um físico húngaro que se mudou para os EUA na década de 1930 e trabalhou com J. Robert Oppenheimer (interpretado no filme por Cillian Murphy) na construção da bomba atómica no famoso Projeto Manhattan.

No filme de Christopher Nolan, em que grande parte da ação se passa no planalto de Los Alamos, no Novo México, onde se realizavam os estudos da bomba atómica  coordenados por Oppenheimer, há várias cenas que mostram a divergência entre os dois físicos.

Designado para trabalhar nos cálculos de uma bomba de implosão, Teller (no filme, o ator Benny Safdie) ficou “obcecado” com o potencial de uma “super” bomba termonuclear, que acabaria por se transformar na bomba de hidrogénio, relembra a Vanity Fair.

Oppenheimer ficou tão frustrado com a falta de cooperação de Teller no seu projeto que chegou a dizer a um amigo: “Deus nos proteja do inimigo externo e dos húngaros internos”.

Convencido de que Oppenheimer estava a trabalhar para bloquear o desenvolvimento da bomba H (que acabou por desenvolver em Los Alamos, mesmo sem o apoio de Oppenheimer), Teller disse entretanto ao FBI que “faria tudo o que fosse possível” para que o trabalho governamental de Oppenheimer terminasse.

Mais tarde, em 1954, já quase 10 anos volvidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, marcado pela explosão das bombas atómicas de Hiroshima e Nagazaki, Oppenheimer foi alvo de uma audiência de segurança sobre as consequências do seu trabalho (é sobre este episódio que se debruça a parte final do filme).

Esta audiência terminou com a perda da autorização de segurança do “pai da bomba atómica” e encerrou o papel de Oppenheimer no governo e na política, considerando-o uma ameaça à segurança nacional e rompendo a sua posição como conselheiro nos círculos de poder de Washington.

Na altura, a mando de um inimigo de longa data de Oppenheimer, Lewis Strauss, que sempre suspeitara do diretor do projeto de Los Alamos por acreditar nas suas ligações ao comunismo, Teller testemunhou contra o criador da bomba atómica.

No filme, é possível ver, no final da audiência, o criador da bomba H dirigir-se a Oppenheimer e dizer “lamento”.

Quase uma década depois, em 1963 (menos de duas semanas após o assassinato de John F. Kennedy), Oppenheimer e a sua mulher, Kitty (interpretada pela atriz Emily Blunt), visitaram a Casa Branca, recorda a Britannica. Nessa altura, o físico já não era renegado socialmente, e o seu trabalho era reconhecido por todo o país como serviço público.

O presidente Lyndon B. Johnson atribuiu, nessa ocasião, a Oppenheimer o conceituado prémio Enrico Fermi da Comissão de Energia Atómica. Na sala, estava presente Edward Teller, considerado por muitos um traidor do Projeto Manhattan.

Segundo escrevem Kai Bird e Martin J. Sherwin em American Prometheus, obra que serviu de base ao filme de Nolan, “toda a gente assistiu com uma tensão crescente ao confronto entre os dois homens. Com a mulher Kitty ao seu lado, de cara fechada, Oppenheimer sorriu e apertou a mão de Teller”.

O episódio é quase narrado por Albert Einstein, numa sobreposição de duas cenas: a da Casa Branca e uma em que Oppenheimer conversa com o pai da Teoria da Relatividade. “Agora é a sua vez de lidar com as consequências do seu feito”, diz Einstein ao físico.”Dar-lhe-ão palmadinhas nas costas, dir-lhe-ão que tudo está perdoado”.

 

View this post on Instagram

 

A post shared by The Film Zone (@thefilmzone)

E é nesse momento em que vemos o aperto de mão entre Oppenheimer e Teller. Mas há um pormenor na breve cena: a mulher do físico, Kitty, recusa-se a perdoar ao húngaro, e não lhe aperta a mão.

Perante a rejeição, Teller ficou desgostoso. Segundo a investigação realizada pelos autores da obra, o “pai da bomba de hidrogénio” ficou tão triste e com um sentimento de culpa tão grande que foi para casa chorar.

Edward Teller é um símbolo da rejeição da bomba atómica e de todos os obstáculos que Oppenheimer encontrou em Los Alamos. Mas, não obstante o seu carácter controverso, foi um importante físico, e acabou mesmo por ser um dos primeiros cientistas de sempre a alertar para as alterações climáticas.

Antes de morrer, continuava a afirmar que teria na mesma discursado contra o físico e disse à revista American Heritage“Oppenheimer era um bom amigo, um grande e sábio homem que via o mundo de uma forma tola. Infelizmente, a história provou que era assim”.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

2 Comments

  1. Questões do falar português: “recusa-se a perdoar o húngaro”

    Em português (pelo menos na variante em que se fala e escreve em Portugal) não se perdoa “o húngaro”. Em Portugal, perdoa-se “ao húngaro”.
    De facto a ideia completa é: “não se perdoa o pecado ao húngaro” (com uma pequena ajuda do chatgpt):

    E, já agora explico porque é que é “ao húngaro” e não “o húngaro”:

    perdoa – Verbo. É o predicado da oração, expressando a ação realizada pelo sujeito.

    o – Artigo definido: função de determinante do substantivo “pecado”, indicando que se refere a um pecado específico.

    pecado – Substantivo comum: é o complemento directo, ou seja, aquilo que, neste caso, não é perdoado.

    ao – Preposição + artigo definido: contracção da preposição “a” com o artigo definido “o”, introduzindo o complemento indireto da oração. A preposição “a” indica a quem a ação de “perdoar” (ou não perdoar) é direcionada.

    húngaro – Substantivo comum: função de complemento indireto, ou seja, é o destinatário da ação de “não perdoar”. Ele refere-se à pessoa de nacionalidade húngara, a quem é atribuído o pecado.

    Sim, sou um chato, mas detesto ler textos mal escritos.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.