Descobertas pegadas de menino Neandertal com 80 mil anos que caçava nas dunas do Algarve

J.M. Galán / Nature


Reconstituição do local das pegadas de Monte Clérigo, gerado por ferramentas de IA, segundo as orientações fornecidas e ilustrações finais de J.M. Galán.

Uma equipa de investigadores liderada pelo paleontólogo português Carlos Neto de Carvalho descobriu as primeiras pegadas de neandertais na costa sudoeste de Portugal, nos sítios de Monte Clérigo e Praia do Telheiro. Estes humanos ancestrais caminhavam pelas dunas e caçavam em família.

Um novo estudo, conduzido por uma equipa internacional de investigadores e publicado no início deste mês na Scientific Reports, confirma a presença de neandertais no Algarve, e revela detalhes fascinantes sobre a sua dieta, comportamento social e adaptação aos ecossistemas costeiros.

A investigação foi liderada pelo paleontólogo Carlos Neto de Carvalho, investigador do Instituto Dom Luiz  / FCUL (IDL) e coordenador científico do Geopark Naturtejo.

O estudo contou ainda com a participação de Mário Cachão, professor de Ciências e investigador no IDL, bem como de investigadores de instituições em Portugal, Espanha, Gibraltar, Itália, Dinamarca e China.

No decorrer da pesquisa, a equipa identificou pegadas de neandertais na costa sudoeste de Portugal, nos sítios de Monte Clérigo (Aljezur) e Praia do Telheiro (Vila do Bispo), que datam de cerca de 82.000 a 78.000 anos atrás.

Estas pegadas, preservadas em arenitos fossilizados, mostram como estes humanos ancestrais caminhavam pelas dunas, caçavam e interagiam com o seu ambiente, diz o LBV.

Em Monte Clérigo, os investigadores identificaram várias pegadas pertencentes a pelo menos três indivíduos: um adulto, uma criança entre os 7 e 9 anos e uma criança pequena com menos de 2 anos.

As pegadas mostram como os neandertais navegavam nas paisagens dunares, sugerindo planeamento de rotas e o uso destes ambientes para caça, explicam os aurores do estudo.

Uma das pegadas mais impressionantes é a de uma criança pequena que mostra um pé ainda não totalmente desenvolvido, sem o arco característico dos humanos modernos. Isto corresponde ao que se conhece sobre o crescimento dos neandertais, que era semelhante ao nosso na primeira infância.

Na Praia do Telheiro, foi encontrada uma única pegada, provavelmente de um adolescente ou de uma jovem mulher. Embora não existam pegadas adicionais neste sítio, a sua presença confirma que os neandertais habitaram estas áreas costeiras durante o Pleistocénico.

de Carvalho, C.N., Cachão, M., Cunha, P.P., Belo, J. et al / Nature Scientific Reports

Pegadas de hominídeos do Pleistocénico em depósitos costeiros

Estes registos mostram que os neandertais viviam perto do mar e aproveitavam os recursos que este oferecia, embora a análise dos restos faunísticos em sítios costeiros da Península Ibérica revele que a sua dieta se centrava principalmente em grandes herbívoros como cervos, cavalos e auroques, bem como lebres.

A presença constante destes mamíferos destaca o seu papel como fontes alimentares fiáveis, independentemente dos vários ambientes que os neandertais habitavam, nota o estudo.

Também consumiam animais de habitats próximos, como moluscos e peixes, indicando uma estratégia alimentar flexível adaptada ao que encontravam em cada local.

Os investigadores usaram um método chamado “análise de redes” para estudar as relações entre neandertais e outras espécies.

Descobriram que os cavalos eram um recurso-chave, pois aparecem em quase todos os sítios analisados; no entanto, animais como hipopótamos ou porcos-espinhos eram muito menos comuns na sua dieta, provavelmente porque eram mais difíceis de caçar ou menos abundantes.

Vida familiar e caça nas dunas

As pegadas em Monte Clérigo revelam que os neandertais viviam em pequenos grupos familiares.

A presença de pegadas de crianças junto às de adultos indica que os membros mais jovens acompanhavam os adultos nas suas atividades diárias, possivelmente aprendendo desde cedo como sobreviver num ambiente desafiante.

Além disso, as pegadas de animais encontradas no mesmo sítio, como as de cervos, sugerem que os neandertais usavam as dunas para caçar. Num dos trilhos, por exemplo, há evidências de interação entre pegadas humanas e de cervídeos, sugerindo perseguição ou emboscada, nota a FCUL em comunicado.

As dunas, com o seu terreno irregular e vegetação escassa, eram locais ideais para perseguir presas, explica o estudo. Isto alinha-se com outros sítios, como Matalascañas em Espanha, onde foram encontradas pegadas de neandertais junto com ferramentas de pedra e restos de animais caçados.

O estudo adiciona novas peças ao puzzle da vida dos neandertais e reforça a ideia de que eram muito mais adaptáveis do que se pensava anteriormente, aproveitando os recursos costeiros e variando a sua dieta dependendo da disponibilidade de alimentos.

As pegadas são também uma evidência direta da sua presença numa altura em que os níveis do mar eram mais baixos e as costas mais expostas.

A subida dos níveis do mar após a última glaciação tornou mais difícil a preservação e deteção de evidências de neandertais na costa atlântica, nota o estudo. Por isso, cada nova descoberta é especialmente valiosa.

Os sítios costeiros da Península Ibérica mostram que os neandertais não apenas sobreviveram, mas prosperaram nestes ambientes, aproveitando uma dieta variada e recursos previsíveis, concluem os investigadores.

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.