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Como nos tornamos menos dependentes de eletricidade (e de Espanha)?

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Brais Lorenzo / EPA

Uma “IA energética” custaria mais do que a reposição da energia em caso de apagão. Mas o que acontecia se ficássemos mais tempo às escuras?

Os portugueses ficaram surpreendidos esta segunda feira: já não nos lembrávamos da abismal quantidade de coisas que usamos no dia a dia que dependem da luz.

Ao ZAP, foram chegando vários testemunhos de pessoas que não conseguiam chegar a casa devido à falha do metro, ou que viviam no 11º andar e tiveram de subir a pé, ou que compraram rádios a pilhas porque eram a única alternativa para ouvir notícias. Ou até que foram surpreendidas a meio de tarefas banais como esticar o cabelo, passar uma sopa ou… fazer uma notícia. Coisas de que nem nos lembramos que precisamos de luz para fazer.

E pode ter ficado estupefacto ao perceber que várias infraestruturas não tinham qualquer alternativa — até os supermercados fecharam em grande parte por falta de geradores.

À CNN, o especialista Jorge Vasconcelos assegura que até existiriam métodos para sermos menos dependentes da luz — “tecnicamente é possível“, diz — mas essas não compensam.

Isto porque “não há memória” de um apagão como este, que acontece “para aí de 40 em 40 anos”. Substituir os sistemas energéticos seria demasiado caro. O que seria preciso? Uma “adaptação dos sistemas elétricos, com uma digitalização”.

Ou seja, seira necessário aplicar uma espécie de IA à eletricidade: “significa recolher muita informação do sistema elétrico, das redes, dos sistemas centrais, dos pontos críticos, e ter capacidade de processar informação, para poder antecipar eventos potencialmente disruptivos e acionar mecanismos que permitam evitar situações”.

Se parece complicado, é porque é — e os custos não compensariam uma situação como esta, que se resolveu em horas. A alternativa simples como “penso rápido” — geradores.

Dependência energética?

E o problema é mais profundo do que a falta de alternativas, e muito se ouviu pela rua “porque é que somos tão dependentes do que acontece em França ou em Espanha”?

Parece um desabafo sem muita ponderação, mas esta questão tem alguma verdade, e de facto já em 2022 o diretor-geral da Energia previra um risco de apagão, e garantira que o sistema elétrico de Portugal funcionava “sobre brasas”. Porquê?

Portugal já foi um grande exportador de eletricidade, mas atualmente importa 30% da eletricidade que usa. Trazê-la de Espanha é mais barato. Em 2022, isto correspondeu a 1.659 milhões de euros. O país até é pioneiro nas energias renováveis, mas estas também têm limitações (quando não há vento, as eólicas não funcionam, e os painéis solares estão inativos à noite).

O mesmo diretor-geral de energia defendia em 2022 um regresso ao período em que Portugal consumia a sua energia, e exportava. Falou numa situação “inconcebível e revoltante”, na qual Portugal era dependente de Espanha apenas por “interesses de grupos” económicos.

O ex-ministro da Energia, Luís Mira Amaral também criticou a dependência de Espanha, questionando o encerramento em Portugal das centrais a carvão. “Em Portugal, só duas centrais tinham capacidade de ‘black start’. Acho uma vergonha, num país destes, ter havido às 11:30 um apagão e depois levamos tanto tempo para repor a normalidade da rede”, disse à SIC.

No entanto, segundo o primeiro-ministro, Luís Montenegro, este apagão nada teve que ver com dependência de energia do nosso país, cita o Sapo24.

Nós temos capacidade para produzir e distribuir energia, mas nós temos uma ligação com Espanha. À hora a que este evento aconteceu, é verdade que nós, por razões financeiras, estávamos a importar energia de Espanha porque estava a um preço mais competitivo, mas mesmo que assim não fosse o apagão em Espanha teria provocado o mesmo efeito, a mesma consequência em Portugal”, disse Montenegro.

O papel das barragens

E o que “safou” a situação por cá foram mesmo as centrais de Castelo de Bode e da Tapada do Outeiro. A primeira é uma central hidroelétrica, e a segunda a gás natural.

Estas permitem um serviço de black start, que realiza um arranque autónomo sem o apoio de tensão de rede. Este sistema é particularmente útil aos portugueses quando não há possibilidade de colaboração energética com Espanha.

E enquanto Espanha conta com a ajuda das redes francesa e marroquina, a única  interligação internacional portuguesa é com Espanha — que só ficou disponível para ajudar os portugueses ao final da tarde.

Assim, ainda que a energia das barragens e outras centrais não seja a primária, é a que pode fazer Portugal subsistir sem energia externa em casos de emergência.

Quanto tempo aguentaríamos sem luz até ao colapso?

Depende do que estamos a falar. Em casa, durante alguns dias podíamos fazer uso de algumas baterias que funcionassem como “power banks”, mas estas seriam limitadas. Não se esqueça de que a comida também não acabaria tão facilmente: os hipermercados têm grandes armazéns.

Quanto à comida que esteja no frigorífico, a o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) explica que os alimentos no frigorífico aguentam 4 horas até deixarem de ser consumíveis, e o que tiver no congelador não se estraga durante 24 horas. Não precisa, portanto, de desperdiçar o que tinha no congelador — se ainda estiverem congelados, os alimentos estão bons para consumo.

Mas no que toca a produtos farmacêuticos, por exemplo, o caos poderia instalar-se em alguns dias — os geradores existem, mas vão falhando. Mesmo sem energia, os sistemas de refrigeração subsistem ainda algumas horas, mas depois disso é impossível garantir que estejam adequados para consumo.

É claro que, num cenário exageradamente negativo, a nossa sociedade poderia arranjar meios para viver várias semanas sem luz, mas seria muito difícil.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

1 Comment

  1. As centrais nucleares de última geração – algumas das quais nem urânio utilizam – são perfeitamente seguras e causam poucos problemas de resíduos. Mas a ignorânia quase generalizada faz com que se rejeite essa solução. Talvez um dia tenhamos um governo com mais engenheiros do que advogados e talvez então se saiba o que fazer.

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