João Relvas / LUSA

Gouveia e Melo
Almirante lembrou que as legislativas são mais importantes do que as presidenciais – enquanto se distanciava do Chega.
O almirante na reserva Henrique Gouveia e Melo rejeitou “emprestar a farda a extremos” e voltou a rejeitar a tese de que apenas “políticos de carreira” podem participar na política.
“Há que também ter cuidado com a ideia de que na política só políticos experientes, entre aspas, ou de carreira, podem fazer política, porque isso é a negação da própria abertura de uma sistema que deve ser aberto para incorporar não só conhecimento como ideias diversas”, defendeu o antigo chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).
Gouveia e Melo falava na apresentação do livro “Os Políticos São Todos Iguais! Assalto à democracia pelo culto do vídeo populismo”, do jornalista Gustavo Sampaio, que se debruça sobre a ascensão do partido Chega, liderado por André Ventura.
O militar na reserva – que até hoje nunca assumiu publicamente uma candidatura às presidenciais de janeiro de 2026 – sustentou que, se um determinado sistema se desenvolve “dentro de uma elite ou oligarquia, essa oligarquia com o tempo vai cristalizando”, levando a “uma autocracia”, e defendeu a importância de incorporar no sistema democrático “pessoas que vêm de fora”.
Gouveia e Melo sustentou que “a força da democracia” tem origem na diversidade de vozes e que essa diversidade “não pode ter castas”.
Durante a apresentação, o autor Gustavo Sampaio confessou que durante a elaboração do livro chegou a pensar se o surgimento de uma figura como Gouveia e Melo, fora do sistema político, pudesse ser a “componente de autoridade” que faltava ao projeto do partido Chega.
O antigo CEMA começou por dizer que “já não tem farda” mas garantiu, mais à frente, que não pretende “emprestar” a sua farda, no sentido figurado, nem a sua “autoridade, a nenhum extremismo“, que acusou de não ter soluções, apenas utopias, voltando a posicionar-se “no centro” do espetro político.
“A certa altura do meu percurso, ainda eu usava farda, alguém propagou a ideia de que eu era autoritário e que, sendo autoritário, era necessariamente de direita e era necessariamente um populista. A minha resposta a essa acusação é que, enquanto militar, só seria autoritário quando o tempo, a urgência ou a necessidade o exigissem, porque nós somos muito hierarquizados, mas a nossa verdadeira autoridade, que foi usada, por exemplo, no processo de vacinação, é uma autoridade consentida”, argumentou.
Na ótica de Gouveia e Melo, que vincou as diferenças entre os conceitos de autoridade e autoritarismo, “o verdadeiro sentido da autoridade é que as pessoas aceitem uma determinada ordem porque essa ordem, neste caso até a ordem democrática, confere capacidade ao grupo para atingir um determinado objetivo”.
Numa intervenção na qual se distanciou de várias posições assumidas pelo partido liderado por André Ventura, como a castração química ou a prisão perpétua, apesar de não o mencionar de forma direta, Gouveia e Melo salientou que os partidos tradicionais “têm que tocar nos assuntos que preocupam as pessoas”, sendo a imigração um deles.
“Esse assunto tem que ser debatido. E, se for debatido, se calhar esvaziamos as tais soluções simples e rápidas que nos são propostas pelos extremos”, defendeu, discordando que exista uma relação de causalidade entre imigração e insegurança.
Gouveia e Melo fez ainda questão de sublinhar que “a maior parte dos ditadores autocráticos” da história “não era militar, nem ex-militar”, e que quando os militares ingressam nas Forças Armadas são treinados e “massacrados cerebralmente” para respeitarem a Constituição.
“A defesa da Constituição é a coisa mais importante que nós temos, porque a Constituição é o regime. E a nossa Constituição não está mal feita”, defendeu, criticando quem pretende alterar o texto da lei fundamental.
O almirante, que classificou o livro escrito por Gustavo Sampaio como um “aviso à navegação”, confessou que consultou um dos capítulos para verificar se cumpria ou não os “itens da ‘checklist’” de um populista, “para não ficar preocupado”.
À entrada da apresentação, interrogado pelos jornalistas, Gouveia e Melo recusou-se a responder a perguntas sobre presidenciais, colocando o foco nas eleições legislativas de 18 de maio: “Agora o mais importante é focarmo-nos nas legislativas, que é o que é importante para o país neste momento”.
// Lusa