Israel “enterrou” a verdade sobre o 7 de outubro: ignorou Mossad e quis reforçar Hamas, diz oposição

Abir Sultan / EPA

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel

Governo de Netanyahu voltou a recusar formar uma comissão de inquérito para apurar o que aconteceu no dia que desencadeou a guerra no Médio Oriente: “não confia” no Supremo Tribunal de Israel e “não é altura para investigar”.

A oposição israelita acusou esta segunda-feira o Governo de “enterrar” a formação de uma comissão de inquérito sobre os acontecimentos de 7 de outubro de 2023, o dia mais mortífero da história do Estado de Israel, em que o Hamas atacou território israelita, desencadeando a longa guerra que ainda se prolonga.

O executivo liderado por Benjamin Netanyahu voltou este fim de semana a recusar aceder a tal pedido.

“O Governo fez ontem (domingo) tudo para enterrar esta comissão, eles não querem que saibamos que o primeiro-ministro viu as recomendações dos serviços secretos e não lhes deu importância, não querem que nos lembremos de que a sua política era reforçar o Hamas”, declarou o líder da oposição, Yaïr Lapid, numa intervenção no Knesset.

O caso foi apresentado ao Supremo Tribunal por familiares das vítimas e dos reféns, bem como por organizações não-governamentais (ONG), que exigiam a criação de uma comissão nacional de inquérito sobre o 7 de outubro e, a 11 de dezembro de 2024, aquela instância judicial ordenou ao Governo israelita que se reunisse no prazo de 60 dias para debater a conveniência de criação ou não de tal comissão.

“Não é altura para investigar”, diz ministro das Finanças

O Governo reuniu-se no domingo para se debruçar sobre esta questão e não decidiu nada.

Esta segunda-feira, numa conferência de imprensa, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich (extrema-direita), disse ser “a favor da investigação” sobre o 7 de outubro de 2023, mas não querer atribuir qualquer responsabilidade relacionada com essa tarefa ao Supremo Tribunal de Israel, porque “não tem confiança” nele. Acrescentou ainda que “no meio de uma guerra, não é altura para investigar”.

Nos termos da lei israelita, se o Governo decidir criar uma comissão de inquérito do Estado, deve informar o presidente do Supremo Tribunal, a quem caberá então nomear os respetivos membros.

Recorde-se que a criação desta comissão foi uma de três razões que levou à demissão de Yoav Gallant.

O antigo ministro da Defesa apelou à necessidade de implementar uma “investigação profunda”, através de uma comissão nacional, para identificar os responsáveis pela violação de segurança que permitiu o ataque múltiplo e letal do Hamas em solo israelita, um pedido recusado por Netanyahu.

Desde a década de 1960, foram criadas cerca de 15 comissões deste tipo em Israel, nomeadamente após a derrota inicial na guerra israelo-árabe de 1973, a responsabilidade de Israel no massacre de palestinianos por milícias cristãs em Sabra e Shatila, no Líbano, em 1982, e o assassínio em 1995 do então primeiro-ministro israelita, Yitzhak Rabin.

A 22 de janeiro, uma proposta de lei para formar uma comissão nacional de inquérito sobre o 7 de outubro foi rejeitada pelos deputados da coligação governamental de direita e extrema-direita liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Entretanto, quase 50 mil mortos

O ataque de proporções sem precedentes realizado pelo Hamas em território israelita a 07 de outubro de 2023, que causou cerca de 1.200 mortos, na maioria civis, e 251 reféns, fez com que Israel declarasse, horas depois, uma guerra na Faixa de Gaza, onde o movimento islamita palestiniano se encontra desde 2007 no poder, para o “erradicar”.

Desde essa altura, têm-se levantado vozes acusando as autoridades israelitas de terem conhecimento prévio da preparação do ataque e de nada terem feito para o impedir, porque lhes daria o pretexto perfeito para invadir e destruir a Faixa de Gaza e afastar para um lugar ainda mais remoto a hipótese de coexistência pacífica lado a lado de dois Estados, israelita e palestiniano, solução defendida por grande parte da comunidade internacional para o histórico conflito israelo-palestiniano.

A guerra na Faixa de Gaza fez, até 19 de janeiro – data de entrada em vigor de um acordo de cessar-fogo -, pelo menos 48.208 mortos (cerca de 2% da população), entre os quais quase 18.000 crianças, e quase 111.000 feridos, além de cerca de 11.000 desaparecidos, na maioria civis, presumivelmente soterrados nos escombros, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções, de acordo com números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.

Ao longo de mais de um ano de guerra, cerca de 90% dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza viram-se obrigados a deslocar-se, muitos deles várias vezes, encontrando-se em acampamentos apinhados ao longo da costa, praticamente sem acesso a bens de primeira necessidade, como água potável e cuidados de saúde.

A ONU declarou o sobrepovoado e pobre enclave palestiniano mergulhado numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa “situação de fome catastrófica”, a fazer “o mais elevado número de vítimas alguma vez registado” pela organização em estudos sobre segurança alimentar no mundo.

No final de 2024, uma comissão especial da ONU acusou Israel de genocídio na Faixa de Gaza e de estar a utilizar a fome como arma de guerra – acusação logo refutada pelo Governo israelita, mas sem apresentar quaisquer argumentos.

ZAP // Lusa

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