Donald Trump ficou conhecido num programa de televisão, “O Aprendiz”, onde despedia pessoas. Agora, está a usar o seu “cão de guarda” Elon Musk para despachar milhares de funcionários públicos norte-americanos, numa verdadeira purga — que alguns dizem estar a desmantelar o Estado.
Musk lançou o caos nos EUA, desde que assumiu o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE na sigla original) na Presidência de Donald Trump. O seu objetivo é “emagrecer” a administração pública norte-americana, para garantir que gasta menos dinheiro aos contribuintes.
E mesmo alguns elementos próximos de Trump estarão chateados com a forma “confusa” como Musk tem atuado, embora Trump em si esteja “muito feliz” com todo o processo, avança a CNN.
O bilionário já foi alvo de duras críticas de figuras importantes da política dos EUA, como o senador independente Bernie Sanders. “O que Musk está a fazer é ilegal e inconstitucional”, diz em declarações à CNN.
“Não pode entrar numa agência como a USAID e despedir toda a gente“, nota o senador referindo-se à Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (US Agency for International Development na denominação em Inglês).
USAID vai passar de 10 mil funcionários a 300
O caso da USAID é especialmente ilustrativo da purga que Musk está a levar a cabo.
A Agência tem à roda de 10.000 funcionários em todo o mundo, mas o objetivo é manter apenas cerca de 300 pessoas em funções. Os demais serão despedidos, ou colocados sob licenças administrativas remuneradas.
Isto vai, praticamente, “destruir” uma agência que foi criada por John F. Kennedy e pelo Congresso para realizar acções humanitárias em todo o mundo, e defender os interesses dos EUA no estrangeiro.
As acções de Musk já levaram ao congelamento de milhões de dólares em ajuda externa, o que estará já a afectar o funcionamento de organizações sem fins lucrativos em vários países.
O bilionário disse que a USAID é “malvada” e Trump acusou-a de ser controlada pela “esquerda radical”.
Entretanto, há quem se espante que “o homem mais rico do mundo” está a acabar com uma agência que ajuda “algumas das pessoas mais pobres” do planeta.
Musk apoia-se numa “armada” de miúdos
Aquilo que se sabe sobre a forma como Musk se está a movimentar no “sistema nervoso central” da Administração Pública dos EUA é bastante preocupante para muitos norte-americanos.
Mas é possível que esteja a acontecer muito mais nos bastidores de que nada se sabe.
E é preciso notar que algumas das empresas de Musk, em especial a Space X, ganharam milhões de dólares, ao longo dos últimos anos, em contratos governamentais. Portanto, tem interesses financeiros directos na forma como as coisas funcionam ao nível de vários organismos.
Nesta altura, o dono da Tesla parece ter “carta branca” para aceder a dados sensíveis da administração federal, incluindo a sistemas de pagamentos do Tesouro, e para despedir mesmo os responsáveis por cargos de topo – sobretudo, os que se recusarem a colaborar com a sua “purga”.
Para esta missão, Musk rodeou-se de uma equipa de jovens génios da tecnologia, alguns acabados de sair do Secundário, outros recém-licenciados que fizeram estágios nas suas empresas.
Estes jovens estão a ter acesso a códigos e a folhas com dados de produtividade dos funcionários, entre outras informações consideradas sensíveis.
Ex-estagiário com acesso ao Departamento que integra Segurança Nuclear
Um ex-estagiário da SpaceX de 23 anos, Luke Farritor, recebeu acesso ao sistema informático do Departamento de Energia, que integra a Administração Nacional de Segurança Nuclear (NNSA), de acordo com a CNN.
Este acesso foi dado ao jovem “apesar das objecções dos membros do Conselho Geral e dos gabinetes de informação do departamento”, que gerem as operações de cibersegurança.
Apesar de tudo, o jovem não terá tido acesso, para já, aos sistemas informáticos dos laboratórios que controlam o stock nuclear do país.
Entretanto, o Departamento de Justiça dos EUA já actuou no sentido de limitar o acesso do DOGE a informações financeiras sensíveis do Tesouro. Assim, impôs restrições para que a informação só possa ser lida, sem ser alterada.
Todos os trabalhadores da CIA receberam ofertas de rescisão
Milhares de funcionários de vários órgãos do Estado já receberam cartas com ofertas de rescisão de contrato, com o aviso de que podem ser despedidos a qualquer momento se não aceitarem.
Nessas cartas, aponta-se que os trabalhadores devem comprometer-se “a completar tarefas e processos razoáveis e habituais para facilitar” a sua saída dos respectivos empregos.
Os funcionários que aceitarem a oferta de rescisão serão colocados em licença administrativa paga, e não deverão continuar a trabalhar durante a maior parte do período em que receberão os seus salários até Setembro.
O caso da CIA, a agência de inteligência dos EUA, é especialmente paradigmático. Todos os trabalhadores da CIA – todos, sublinhe-se – receberam cartas com ofertas de rescisão de contrato.
A CIA também foi impelida a enviar à Casa Branca um e-mail não confidencial onde constam os nomes das contratações realizadas pela agência nos últimos dois anos, o que pode colocar em risco a identidade de agentes que participam em missões secretas.
O FBI entregou igualmente à administração de Trump informações sobre 5 mil funcionários que trabalharam nos casos dos envolvidos no incidente no Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021, e que resultou em cinco mortes e em dezenas de feridos.
Trump já amnistiou as pessoas condenadas no âmbito do caso.
Musk “parece pensar que comprou o Governo federal”
Ex-funcionários do Twitter, agora conhecido como X, comparam a forma de actuação de Musk no DOGE com o que ele fez na rede social quando a adquiriu, despedindo milhares de pessoas.
Na altura, cortou cerca de 80% da força de trabalho do Twitter, e exigiu que todos regressassem ao escritório. Em alguns casos, exigiu a funcionários que trabalhassem muito mais do que 40 horas por semana.
Agora, Musk “parece pensar que comprou o Governo federal e está a reproduzir a mesma série de acontecimentos”, refere à CNN a advogada Shannon Liss-Riordan, que representa milhares de ex-funcionários da rede social que estão a processar a empresa, alegando que receberam indemnizações inferiores às que lhe prometeram.
“Como um touro numa loja de porcelana”
Passado menos de um mês desde que Musk assumiu funções no DOGE, já foram movidos vários processos judiciais, questionando a legalidade das suas acções.
Mas para o magnata da Tesla as leis são “apenas uma treta”, refere à CNN um antigo funcionário sénior do Twitter.
No caso da rede social, alguns funcionários que se demitiram, ou que foram despedidos, acabaram por ser convidados a voltar, relatam ex-funcionários ao canal de informação, notando que a empresa se apercebeu de que precisava deles.
“Musk lidera como um touro numa loja de porcelanas” e “pela mera força dos seus desejos, da sua impulsividade e da sua vontade, tenta fazer algo imediatamente ousado e disruptivo”, considera na estação de televisão um antigo gestor do Twitter.
Por vezes, “o resultado real destas situações dramáticas” só se sente passadas algumas semanas, ou meses, e “a realidade silenciosa” acaba, depois, por ser “bastante diferente do que Musk queria em primeiro lugar”, analisa o ex-gestor.
Na verdade, é algo que se assemelha à actuação de Trump que parece seguir a chamada “estratégia do louco”, acenando com medidas agressivas ou chocantes – como as tarifas de 25% ao Canadá, ou a “Riviera do Médio Oriente” em Gaza – para conseguir pequenas vitórias políticas.