Anúncio à hora dos telejornais costuma ser para algo “muito grave” – desta vez não foi isso que aconteceu. Qual foi a ideia do primeiro-ministro?
Luís Montenegro anunciou que iria falar ao país às 20 horas desta quarta-feira. E cumpriu. Poucos minutos depois da hora certa, apareceu em frente às câmaras.
Quando um primeiro-ministro fala à hora dos telejornais, costuma ser sinal de um anúncio relevante. Alguma demissão no Governo, uma medida económica importante para os portugueses, ou alguma nova restrição nos tempos da COVID-19, por exemplo.
Desta vez não foi nada disso.
O primeiro-ministro apareceu com a companhia das ministras da Justiça e da Administração Interna, além de chefes de Polícia Judiciária (PJ), Polícia de Segurança Pública (PSP) e Guarda Nacional Republicana (GNR),
E para anunciar um investimento de 20 milhões de euros para comprar 600 veículos para PSP e GNR. “Tenho reiteradamente dito que Portugal é um pais seguro, é mesmo um dos países mais seguros do mundo, mas este contexto tem de ser trabalhado e alcançado todos os dias”, justificou.
Obviamente é um assunto relevante. Mas seria preciso um discurso ao país, às 20h, para fazer aquele anúncio?
António Rolo Duarte acha que não: “Claro que houve um excesso por parte de Luís Montenegro. Uma declaração oficial ao país às 8 da noite justifica-se em momentos críticos. Espera-se que seja algo que toda a gente tem de ouvir“.
Mas o investigador e analista político disse na RTP que esta comunicação ao país quis mostrar que “o Governo está a governar. Podemos discutir se foi o momento certo e a forma certa de o fazer, mas o propósito foi simples: Luís Montenegro é o primeiro-ministro e seu Governo é o Governo de Portugal”.
“Não se esconde, chega-se à frente e assume o controlo da narrativa – e faz isso bastante bem. O Governo está aqui, está junto e está a trabalhar”, analisou.
Rui Tavares também achou desnecessário aquele discurso às 20h: “Foi um momento de propaganda. E o primeiro-ministro disse aos portugueses ‘Na próxima vez que eu falar à hora dos telejornais, não é preciso ouvirem'”.
Também na TSF, André Silva disse que ficou “estupefacto”. O antigo líder do PAN acrescentou que este foi um momento “preocupante”; e espera uma intervenção do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia tem uma postura semelhante: “O anúncio do primeiro-ministro soa estranho. Achamos até que foi inusitado”.
“Não conseguimos alcançar ainda qual foi o objectivo de fazer uma comunicação ao país às 8 da noite, em horário nobre, para anunciar 20 milhões de euros para viaturas. Ainda estamos um pouco estupefactos com esta realidade”, disse à Lusa o presidente da ASPP/PSP, Paulo Santos.
Eduardo Cabrita, antigo ministro da Administração Interna, acrescentou na Antena 1 que foi uma comunicação “totalmente desajustado, sem nada significativo” para dizer.
Cabrita também considera que, na noite passada, Montenegro assumiu um papel que “deveria caber aos responsáveis das polícias”.
A RTP recorda entretanto que o Governo anterior, do PS, tinha anunciado praticamente o mesmo. O então ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, anunciou um investimento de 22 milhões de euros para comprar 714 veículos para PSP e GNR. O concurso foi adjudicado em Fevereiro deste ano.