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Culta e Adulta (mas pouco)

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RTP

O Lago dos Cisnes, bailado de Tchaikovski com coreografia de Alexander Ekman e música de Mikael Karlsson, RTP (2014)

Retirar a publicidade como fonte de financiamento da RTP, que definitivamente não é sinónimo de Cultura, traduzir-se-á numa descapitalização da empresa ou num aumento dos custos do estado, que poderiam ser canalizados para uma bazuca cultural — por exemplo, ao serviço do Património.

O Orçamento de Estado para 2025 prevê que o valor destinado à Cultura seja 25% superior ao valor do ano corrente. Serão 597,3 milhões de euros, mais 83,3 milhões, em comparação com o orçamento para 2024, e excluindo a RTP.

Parece muito dinheiro, mas não é.

A Cultura continua a ser o parente pobre do Estado, capitalizando apenas 0,44% da despesa total da administração central.

Para termos uma ideia do que isso significa, este valor de 597 milhões de euros que Portugal pretende investir ao longo de um ano inteiro em todo o seu sector cultural, não daria sequer para recuperar a Catedral de Notre-Dame, cujo custo rondará os 700 milhões de euros.

De qualquer forma, o caminho faz-se caminhando e todos os últimos orçamentos têm vindo a superar os anteriores, reforçando, pois, o peso da Cultura, face ao restante OE. Tem sido assim em toda a Europa.

Nós – na cauda dos que menos investem em Cultura – só temos de fazer melhor, para chegarmos, pelo menos, à média europeia. Importa também que o investimento agora anunciado seja, de facto, executado, de preferência na sua totalidade.

Foi em 2016, que o Ministério da Cultura assistiu ao maior aumento de sempre do seu orçamento. Com efeito, com a agregação da tutela da RTP, o Ministério teve um incremento de 63,5% do orçamento global, sendo que dos 418,8 milhões de euros disponibilizados, 244 estavam diretamente relacionados com o financiamento à televisão pública.

Esta inclusão acabou pois, por se traduzir numa diminuição histórica do valor cativo para o setor cultural, tendo passado dos 219 milhões do ano anterior, para 175 milhões de euros, nesse ano.

À data, e para justificar a alteração de tutela, a RTP era caracterizada como tendo uma função única na política da língua” e “uma função única na promoção da criação cultural e (…) na preservação do património histórico”.

De facto, alicerces basilares na definição de uma cultura. A televisão tem a capacidade de moldar e definir a nossa identidade cultural; no entanto, o que estamos a consumir e o que nos definirá é determinado mediante aquilo que nos é oferecido.

E definitivamente, a RTP não é sinónimo de Cultura, segundo o meu entendimento, confirmado por estatísticas publicadas, nos termos das quais nem 5% da quota televisiva pública é dedicada ao sector cultural.

Adulta talvez – do alto dos seus 68 anos – culta, pouco.

Mas vamos ao que importa e ao que está neste momento em discussão: o fim da publicidade na RTP. A publicidade, enquanto fonte de receita da empresa pública, gera 22 milhões de euros anuais, verba essa que é utilizada para melhorar todo o serviço público de televisão.

Retirar esta fonte de financiamento à RTP, traduzir-se-á num aumento dos custos para ao estado – como forma de manutenção da qualidade, mas com direta sobrecarga para os contribuintes – ou numa descapitalização da empresa e, consequente, perda de qualidade dos conteúdos.

Só há estes dois cenários possíveis.

Tentei descortinar aprofundadamente as vantagens desta proposta, mas, de facto, não consigo perceber o seu alcance e benefícios.

Façamos ainda este raciocínio: se, de facto, esta verba não é essencial ao setor da comunicação, muita falta fará, como já referi, ao restante sector cultural. Durante os próximos três anos deixarão de entrar nos cofres da RTP cerca de 66 milhões de euros de receita.

Não seria preferível manter a publicidade, retirando este valor à verba do OE para a RTP e alocando-o a outra valência do Ministério da Cultura? Para a recuperação de património histórico, por exemplo?

Se pensarmos numa esfera muito mais alargada, esta verba de 22 milhões de euros anuais, capitalizada em projetos financiados pela União Europeia, poderiam representar, entre 2025 e 2027, mais de 300 milhões de euros em investimento no Património Cultural.

Isto sim seria uma bazuca ao serviço do Património, considerando que a verba do Plano de Recuperação e Resiliência para a reabilitação e conservação do património cultural nacional totaliza um investimento de apenas 190 milhões de euros.

Sendo a Cultura um dos maiores impulsionadores e beneficiários do Mecenato – tendo sido criados um conjunto de incentivos e benefícios de natureza fiscal para o apoio do sector – não se compreende como uma instituição tutelada pela Cultura, possa dispensar financiamentos relativos a contributos da sociedade e das empresas.

Se esta medida interessa a alguém, não será decerto aos contribuintes. Felizmente a proposta, não passará disso mesmo: uma proposta.

Carlos Costa, ZAP //

Carlos Costa

1 Comment

  1. Sinceramente não vejo onde vão buscar ideias tão cinzentas e apocalípticas.
    No estado espanhol já há uns anos acabaram com a publicidade na televisão publica estatal (TVE) e não aconteceu drama algum é mais ver a TVE agora é muito melhor sem intervalos desencorajadores e publicidades muitas vezes de muito mau gosto pelo menos.
    E diga-se, no estado espanhol nunca se pagou imposto de tv ou rádio

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