Gémeas: Zolgensma custou muito menos do que 4 milhões de euros

Filipe Amorim / Lusa

O presidente do Conselho Diretivo do Infarmed, Rui Santos Ivo

Rui Santos Ivo não revelou, no entanto, o valor real. Dirigente admitiu negociar “um preço diferente” e um pagamento “com base nos resultados”.

O presidente do Infarmed disse esta terça-feira que o preço do medicamento administrado às gémeas luso-brasileiras é “substancialmente inferior” aos dois milhões de euros, lembrando que a entidade procurou “um contrato baseado na partilha de riscos”.

“O preço máximo do medicamento não são os dois milhões de euros que se tem vindo a fazer referência. É um valor que eu posso dizer que é substancialmente inferior a esse preço”, indicou Rui Santos Ivo, sem revelar o valor real por motivos de confidencialidade.

De acordo com informações veiculadas desde o fim do ano passado, o tratamento teria custado ao Estado quatro milhões de euros, dois milhões por cada uma das duas gémeas.

Preço “com base nos resultados”

Numa audição de quase três horas na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma no Hospital de Santa Maria em 2020, o responsável da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde recordou que “foram feitas as autorizações de utilização excecional” do Zolgensma para o tratamento da atrofia muscular espinal das crianças.

“O Infarmed desencadeou contactos com a empresa no sentido de encetar esta negociação, que só poderia ser concluída depois, quando o medicamento tivesse a autorização” de comercialização e quando fosse aprovado um programa de acesso precoce, “no sentido de garantir que autorizações anteriores ao contrato de financiamento, que ia ser celebrado, seriam abrangidas por essas mesmas condições”, explicou, depois de ter sido questionado pela deputada da Iniciativa Liberal Joana Cordeiro.

De acordo com Rui Santos Ivo, a negociação decorreu “à semelhança de outros medicamentos”, mas o Zolgensma “era uma circunstância completamente nova”, porque era “um medicamento de administração única, que tinha um custo extremamente elevado”.

Após fazer o enquadramento ao então secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, o dirigente disse que procurou “negociar um preço diferente” e um pagamento “com base nos resultados”.

“Foi realmente o que sucedeu. Nós, neste caso, temos um pagamento que é feito no período de quatro anos, com o pagamento no início e depois em função dos resultados”, anotou, acrescentando que houve 37 autorizações para o Zolgensma.

Ao deputado do PCP Alfredo Maia, o presidente do Infarmed explicou que “qualidade, segurança e eficácia” são os critérios de autorização dos medicamentos.

“Esses fatores foram todos ponderados para a nossa tomada de decisão e, à semelhança do que foi feito noutras escolhas, nós fizemos uma avaliação com rigor, portanto, considero que os nossos peritos são rigorosos e competentes. Fizemos uma avaliação com rigor. A decisão que nós tomámos foi uma decisão acertada”, salientou.

Rui Santos Ivo recordou ainda, em resposta ao centrista João Almeida, que quando a informação foi veiculada por ‘email’, “em nada alterou o procedimento que o Infarmed observa neste e noutras circunstâncias”.

“Este processo seguiu os mesmos trâmites [que os outros]”, sublinhou.

“Não houve interferência externa”

No início da comissão, o presidente do Infarmed reiterou que os pedidos de acesso ao medicamento administrado às gémeas luso-brasileiras “foram avaliados em simultâneo” e não tiveram qualquer interferência externa, após ‘email’ da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.

Não teve qualquer interferência. Os pedidos foram avaliados em simultâneo em moldes totalmente equivalentes face à informação que é subjacente a cada um. Essa questão é alheia à fundamentação da avaliação e da decisão do Infarmed”, esclareceu Rui Santos Ivo aos deputados.

 

Rui Santos Ivo disse que, além do contacto recebido pelo Hospital de Santa Maria, nunca falou “sobre o processo” com o antigo secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, com o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, ou com o Ministério da Saúde. O responsável explicou que “é normal o Infarmed ser questionado através do seu centro de informação do medicamento”.

“Nós temos pedidos que chegam de todas as instituições, chegam da Assembleia da República, chegam de outros órgãos de soberania, chegam de instituições públicas, chegam de cidadãos, chegam de agentes que são regulados pelo Infarmed. Procuramos responder a todos esses pedidos. São em elevado número e muitas vezes a capacidade de resposta pode ser mais limitada”, referiu, em resposta à deputada do Chega Cristina Rodrigues.

Santos Ivo recordou, no entanto, que o Infarmed “acabou por demorar três meses” a responder ao pai das crianças, depois de ter recebido o ‘email’ da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.

“Fê-lo mesmo antes de ter qualquer contacto com o próprio hospital. Julgo que o contacto do hospital ocorre duas semanas depois”, indicou, ressalvando que a responsabilidade do Infarmed é responder a todos “os pedidos que chegam ao centro de informação do medicamento”.

O presidente da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde voltou a referir que os pedidos, feitos entre os dias 2 e 3 de março de 2020, foram sinalizados em 29 de fevereiro do mesmo ano pelo Hospital de Santa Maria, dizendo que a análise é feita por uma equipa de peritos.

“A análise destes pedidos não é feita por mim pessoalmente, é feita por peritos dos Infarmed e por órgãos técnicos da instituição e, portanto, foram tratados, tal qual os demais pedidos desta natureza. Foi assim que se procedeu”, adiantou Rui Santos Ivo.

No parlamento, o dirigente lembrou que a informação que estava exposta no ‘email’ da unidade hospitalar “foi de imediato remetida à perita encarregada pela direção de avaliação de medicamentos”.

“A informação que está no Infarmed é a informação relacionada com os dados relativamente ao caso clínico, que os peritos vão analisar no sentido de poderem dar indicações ao Conselho Diretivo que vai depois tomar a decisão, se aquele medicamento é passível ou não de utilização”, realçou.

Rui Santos Ivo disse ainda que os pedidos são individuais e que é sempre o médico que faz a aferição da imprescindibilidade do medicamento. “Não estamos a falar de uma avaliação em abstrato, mas de uma avaliação em concreto para aquele doente”, precisou.

Em janeiro, Rui Santos Ivo já tinha dito no parlamento que não tinha sofrido qualquer pressão para autorizar o uso do Zolgensma.

Não tive nenhuma pressão sobre essa autorização seja de quem for (…). O Infarmed só tem conhecimento dos processos quando nos são referenciados pelas instituições de saúde. E foi o caso que aconteceu aqui”, disse na altura.

Na semana passada, a ex-secretária do ministério da Saúde acusou o ex-secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, de mentir no Parlamento. “Eu não fiz nada que o secretário de Estado da Saúde não soubesse”, afirmou Carla Silva.

O ex-primeiro-ministro António Costa também ‘apontou o dedo’ ao ex-responsável.

ZAP // Lusa

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