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Um superalimento indestrutível promete salvar o mundo

Quang Nguyen Vinh/Pexels

A árvore-do-pão (Artocarpus altilis)

Antes posta de lado, a prima da jaca é como uma batata que cresce das árvores. Voltou em força nas regiões tropicais e promete substituir o milho ou até o arroz. “As pessoas estão a começar a reconhecer o seu incrível potencial”.

Cresce em condições adversas, sobrevive a furacões, floresce em solos degradados e prospera perto de água salgada. É uma das plantas alimentares com maior rendimento por unidade de área e poderia facilmente sustentar uma família com um esforço mínimo.

Já foi também um mero alimento de pessoas escravizadas, mas a capacidade da árvore da fruta-pão é hoje cada vez mais popular entre os agricultores das zonas tropicais das Caraíbas e ilhas do Pacífico, de acordo com os especialistas que falaram com o Wired.

A planta perene de folhas grandes, da família das jacas, não tem um sabor especialmente atrativo ou doce, mas ganhou um novo propósito especialmente pela segurança que oferece em contextos ameaçados pelas secas e ondas de calor.

“Não existe realmente um clima demasiado quente para a fruta-pão”, acredita o geógrafo Russell Fielding: “As pessoas estão a começar a reconhecer o seu incrível potencial”.

Superalimento rico em nutrientes

A fruta tem uma presença histórica no Taiti, Havai e Jamaica, mas caiu gradualmente em desuso graças ao aumento das dietas processadas tipicamente ocidentais. O seu sabor insípido e consistência viscosa quando madura tornaram-na menos apelativa para muitos em comparação com outros alimentos.

Mas além de resistente, tem um grande potencial como superalimento rico em nutrientes. É cada vez mais vista pelos seus apoiantes como mais versátil e mais nutritiva do que alimentos básicos mais comuns, como o arroz e o milho.

Além disso, o seu traço insípido permite-lhe ser usada numa variedade de pratos: sopas, guisados, saladas e até em produtos comerciais como batatas fritas (na Jamaica) e vodka (vendida nas Ilhas Virgens). A sua durabilidade também é rara no mundo da fruta: dura muito, quando seca ou transformada em farinha.

Visto que já está naturalmente adaptada a temperaturas mais quentes, e dada a sua  resiliência, produtividade e valor nutricional, investigadores acreditam que a fruta-pão pode vir a estar no centro da indústria alimentar no futuro, em vez de milhões serem desperdiçados no desenvolvimento de versões de alimentos tolerantes ao clima de culturas tradicionais.

“A criar rendimentos” e a combater a fome

Na Jamaica e no Haiti, a fruta já cria oportunidades de emprego, além de aliviar a insegurança alimentar.

No Haiti, por exemplo, agrónomos locais criaram moinhos de fruta-pão, destinados a transformar o fruto em farinha para substituir as dispendiosas importações de trigo. A iniciativa tem dado mais poder aos agricultores e comerciantes locais e a farinha tem sido um poderoso aliado do combate à fome infantil, ao ser usada para alimentar crianças em idade escolar.

Há mil milhões de pessoas com fome no planeta e oitenta por cento delas vivem nos trópicos, onde a fruta-pão prospera“, explica Diane Ragone, diretora de um instituto exclusivamente dedicado à fruta. Na sua opinião, a árvore é mesmo de aproveitar.

“Pense que, com plantações agroflorestais como estas, é possível transformar uma encosta nua num jardim que pode alimentar pessoas e durar séculos”, diz, sobre o gravemente desflorestado Haiti: uma transformação das encostas “poderia acontecer facilmente em cinco a dez anos“, acredita.

“O sucesso que estamos a ver no Haiti é espantoso. Está a criar rendimentos para pessoas que não os tinham“, diz Mary McLaughlin, presidente e fundadora da Trees That Feed Foundation, a principal fornecedora de árvores de fruta-pão para o mundo.

Para lá das Caraíbas

O potencial da fruta-pão estende-se além das Caraíbas.

Em Porto Rico, o fruto — mais conhecido pelos locais como “pana” — é há muito um alimento básico. Agora,  empresas como a Amasar estão a transformá-lo em produtos de sucesso comercial, como misturas para panquecas e waffles.

“Os porto-riquenhos são os pioneiros da fruta-pão. Estávamos a comer fruta-pão antes de comermos plátanos cultivados localmente”, diz o CEO da startup Villalobos Rivera.

Depois do furacão Maria ter destruído a maior parte das culturas agrícolas em 2017, os lhéus isolados começaram a colaborar: “Estamos a ensinar à República Dominicana e a outros países como comemos fruta-pão e como a transformamos em diferentes alimentos”.

Os governos e as organizações estão atentos ao potencial da fruta-pão. A República Dominicana já está a doar centenas de milhares de árvores de fruta-pão aos agricultores, enquanto o governo da Jamaica incentiva o seu crescimento em áreas urbanas. Em África, a fruta-pão também já é plantada no Uganda.

No Havai, o cultivo da fruta-pão também aumentou. Até Gordon Ramsay ficou pasmado com a versatilidade da fruta. “Imagine isso numa tarte, com chocolate ou um bocado de mel”, disse o guardião da maior exploração do fruto ao conhecido chef. “Estiveste a fumar?”, respondeu-lhe o britânico, impressionado.

Noa Kekuewa Lincoln, da Universidade do Havai, insiste no potencial da fruta e alerta: “nos Estados Unidos, estamos a gastar centenas de milhões de dólares por ano na investigação do milho para o tornar mais tolerante a temperaturas mais altas, mas a fruta-pão já está adaptada a temperaturas mais altas e muitos dos mesmos produtos poderiam ser feitos a partir dela”.

“O cultivo da fruta-pão pode ajudar a mudar o nosso sistema alimentar de uma monocultura em grande escala para uma produção diversificada e uma produção alimentar mais caseira e comunitária. Embora a maioria das pessoas não tenha tempo para cultivar nos seus quintais, toda a gente pode tirar uma hora e plantar uma árvore de fruta-pão”, incentiva o professor.

Tomás Guimarães, ZAP //

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