O reino dos fungos é uma espécie de mina de ouro inexplorada para a tecnologia cibernética. Uma equipa internacional de investigadores colocou agora um par de fungos ao comando de um robô macio de cinco membros — e de um veículo de quatro rodas sem fios.
Ninguém sabe com que sonham os cogumelos adormecidos quando as suas vastas redes miceliais piscam e pulsam com respostas electroquímicas semelhantes às das nossas próprias células cerebrais.
Mas, se lhes fosse dada uma oportunidade, o que é que esta teia de impulsos poderia fazer com um momento de liberdade?
Uma equipa interdisciplinar de investigadores da Universidade de Cornell, nos EUA, e da Universidade de Florença, em Itália, tratou de o descobrir, conta o Science Alert.
No seu estudo, investigadores colocaram uma cultura da uma espécie de cogumelo comestível, o Pleurotus eryngii, também conhecido como cogumelo-rei da ostra, ao comando de um par de veículos robóticos — que podiam contorcer-se e rolar sobre uma superfície plana.
Os resultados do estudo foram apresentados num artigo publicado a semana passada na revista Science Robotics.
Através de uma série de experiências, os investigadores mostraram que era possível usar a atividade electrofisiológica do cogumelo como um meio de traduzir as pistas ambientais em diretivas, que poderiam, por sua vez, ser utilizadas para conduzir os movimentos de um dispositivo mecânico.
“Ao fazer crescer micélio nos componentes eletrónicos de um robô, conseguimos permitir que a máquina bio-híbrida sinta e responda ao ambiente”, explica o investigador principal Rob Shepherd, cientista de materiais em Cornell, num comunicado da universidade.
A fusão da carne com a máquina não é novidade. Ainda recentemente, os cientistas usaram tecido cerebral humano para controlar um robot, e controlaram o cérebro de ratinhos com nanopartículas.
A evolução teve centenas de milhões de anos para afinar as máquinas orgânicas, pelo que é natural que nos voltemos para a biologia para encontrar atalhos na criação de dispositivos robustos que possam sentir, pensar e mover-se como quisermos.
Surpreendentemente, o reino dos fungos é uma espécie de mina de ouro inexplorada para a tecnologia cibernética.
Facilmente cultiváveis, com requisitos relativamente simples e uma propensão para sobreviver onde muitos outros organismos teriam dificuldades, os bolores e os cogumelos fornecem aos engenheiros uma variedade de componentes vivos robustos para satisfazer praticamente todas as necessidades sensoriais ou mesmo computacionais.
Muitas vezes escondidas da vista, as redes de finos fios de fungos respondem às alterações do meio envolvente à medida que se entrelaçam no solo em busca de recursos.
Algumas espécies apresentam mesmo uma atividade transmembranar que se assemelha às nossas próprias respostas neurais, proporcionando aos investigadores um meio potencial de escutar as suas conversas secretas.
Aplicando algoritmos baseados na eletrofisiologia extracelular dos micélios de P. eryngii e alimentando uma unidade de microcontrolador com os resultados obtidos, os investigadores usaram picos de atividade desencadeados por um estímulo — neste caso, luz UV — para ativar respostas mecânicas em dois tipos diferentes de dispositivos móveis.
Em experiências controladas, a equipa usou os sinais de uma cultura fúngica para controlar os movimentos de um robô macio de cinco membros e de um veículo de quatro rodas sem fios.
Os investigadores conseguiram influenciar e anular os impulsos “naturais” produzidos pelos fungos, demonstrando a capacidade de aproveitar as capacidades sensoriais do sistema para atingir um objetivo final.
“Este tipo de projeto não é apenas controlar um robô”, explica Anand Mishra, bioroboticista da U.Cornell e primeiro autor do estudo. “Trata-se também de criar uma verdadeira ligação com o sistema vivo. Porque quando se ouve o sinal, também se compreende o que se está a passar”.
“Talvez esse sinal esteja a vir de algum tipo de stress. Assim, estamos a ver a resposta física, porque esses sinais não podemos visualizar, mas o robô está a fazer uma visualização”, conclui Mishra.
Por mais desajeitado que o “robô-sala” possa parecer, o sistema abre portas a configurações mecânicas mais simples que interpretam mudanças em pistas ambientais — por exemplo, para fornecer quantidades precisas de nutrientes ou pesticidas a um ambiente de solo, adaptar automaticamente respostas a níveis crescentes de poluentes, ou mesmo reagir a alterações no nosso próprio corpo.
Há uma sabedoria mais profunda nos sussurros dos fungos que só agora estamos a começar a compreender. E, como diria Philip K. Dick, talvez os cogumelos androides nos digam se sonham com ovelhas mecânicas.