“Nuno Rebelo de Sousa queixou-se que eu não fiz nada. Isso é uma medalha”

António Pedro Santos / LUSA

Maria João Ruela ouvida no Parlamento

Em CPI interrompida por obras, Maria João Ruela fala em caso de gémeas tratado como outros, mas admite um lapso.

A consultora do Presidente da República para os Assuntos Sociais, Sociedade e Comunidades afirmou nesta quarta-feira que Nuno Rebelo de Sousa se queixou ao chefe da Casa Civil da sua “percecionada inação” no que toca ao caso das gémeas.

Na sua intervenção inicial na comissão de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, Maria João Ruela referiu o email que o filho do Presidente da República enviou ao chefe da Casa Civil em 29 de outubro de 2019, no qual referia que “nada evoluiu e ninguém falou com os pais das crianças”.

A consultora considerou que Nuno Rebelo de Sousa estava a lamentar-se ao seu chefe da sua “percecionada inação”.

Escreveu um mail ao meu chefe queixando-se de que eu não fiz nada”, afirmou mais em frente, em resposta ao PAN.

Já em resposta ao BE, Maria João Ruela disse que hoje entende esse contacto de Nuno Rebelo de Sousa mais como “uma medalha”.

A assessora de Belém disse também que pediu os contactos dos pais das crianças, mas não os contactou.

Igual aos outros

Maria João Ruela disse que o caso das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma em 2020 foi “tratado de forma idêntica” a outros.

A consultora explicou que no dia 21 de outubro de 2019 recebeu um ‘mail’ do chefe da Casa Civil, reencaminhado também para Marcelo Rebelo de Sousa, a perguntar se Maria João Ruela podia “perceber o que se passa”.

“Abaixo nesse ‘mail’, estava a comunicação de Nuno Rebelo de Sousa”, indicou a antiga jornalista.

Maria João Ruela afirmou que o que lhe foi pedido foi para “promover esforços para tentar enquadrar a situação”, considerando ser “um procedimento habitual para o acompanhamento de correspondência dirigida e enviada ao Presidente da República”, na área dos Assuntos Sociais e Comunidades Portuguesas.

Afirmou ainda que cessou a troca de correspondência com Nuno Rebelo de Sousa em 23 de outubro de 2019.

“Todo o processo foi por mim tratado de forma idêntica a todos os outros que tenho acompanhado ao longo dos últimos oito anos na Presidência da República”, sublinhou.

A assessora do Presidente da República explicou que teve acesso a um texto, elaborado por familiares das crianças, no qual era referido que “já teria sido enviada documentação” – histórico, diagnóstico, exames e relatórios – para o médico José Pedro Vieira, a pedido de Teresa Moreno.

Segundo Maria João Ruela, tinha sido recebida a sugestão para contactar o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, do qual faz parte o Hospital Dona Estefânia.

“Com base nestas informações, tomei duas iniciativas, creio que em 21 de outubro de 2019. A primeira contactar Nuno Rebelo de Sousa para perceber onde se encontravam as crianças, se em Portugal ou no Brasil, e “uma segunda iniciativa visou obter informação genérica sobre o encaminhamento que estava ou poderia ser dado a casos semelhantes”, esclareceu, assinalando que nunca teve o contacto telefónico do filho do Presidente da República.

A assessora de Marcelo Rebelo de Sousa lembrou o caso da bebé Matilde que “tinha ocorrido nesse mesmo ano” e que havia “relato de situações com outros bebés”.

“Dessa iniciativa não guardo qualquer registo, apenas a informação então apurada e relatada ao chefe da Casa Civil, que a incluiu num ‘mail’ enviado ao Presidente da República a 22 de outubro”, precisou.

Recordando que não voltou a falar do caso, até novembro do ano passado, quando surgem as primeiras notícias da TVI/CNN, Maria João Ruela disse que em 23 de outubro de 2019 recebeu um ‘mail’ de Nuno Rebelo de Sousa, “insistindo na obtenção de uma resposta”.

“Perante esse contacto, pedi orientações ao chefe da Casa Civil sobre que resposta lhe poderia dar”, referiu, observando que a partir desse momento cessou as comunicações com Nuno Rebelo de Sousa.

“A partir desse momento acompanhei a troca de correspondência, entre o chefe da Casa Civil e Nuno Rebelo de Sousa até a mesma cessar a 31 de outubro de 2019”, acrescentou.

Maria João Ruela disse ainda que, além da comissão parlamentar de inquérito, nunca foi “ouvida nem demandada para esclarecimentos por qualquer outra entidade”.

A ex-jornalista lembrou que, desde 2016 até ao final do ano passado, “chegaram à assessoria dos assuntos sociais e comunidades portuguesas 32.864 mensagens, entre cartas e ‘mails’”.

“No ano a que reportam os factos, 2019, foram recebidas na assessoria dos Assuntos Sociais e Comunidades um total de 4.947 cartas ou ‘mails’ de cidadãos, e destes 434 foram enviados ao gabinete do primeiro-ministro”, incluindo 64 mensagens de apelo para a bebé Matilde, disse, avançando que “nos primeiros seis meses deste ano, das 1.377 cartas recebidas”, 272 foram enviadas para o gabinete do primeiro-ministro.

A audição de Maria João Ruela esteve interrompida durante cerca de 5 minutos por barulho relacionado com obras, que decorrem na Assembleia da República.

Lapso

Maria João Ruela admitiu que houve “um lapso” na informação transmitida ao Presidente da República antes da comunicação que fez em dezembro, nomeadamente quanto ao hospital contactado.

Na sequência das respostas dadas ao PS sobre o hospital que terá sido contactado, o deputado André Ventura, do Chega, referiu que o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) “fala de contactos feitos” pela assessora “com o Santa Maria” e questionou se “é falso”.

Maria João Ruela, que já tinha dito que não foi ouvida pela IGAS, insistiu que não contactou o Hospital de Santa Maria e disse desconhecer o relatório, questionando qual a fonte.

Depois de lhe ter sido transmitido que a fonte seria uma comunicação do Presidente da República em 4 de dezembro, a consultora do Palácio de Belém indicou que “houve um lapso” na informação que foi passada a Marcelo Rebelo de Sousa nessa altura.

“Não foi um lapso do Presidente da República, foi da comunicação que foi passada ao Presidente da República sobre o hospital que tinha sido contactado. Quando o Presidente da República fez aquela conferência de imprensa um bocadinho de improviso, com base nuns papéis que estavam ali com informação que não estava correta, disse isso”, afirmou.

Maria João Ruela salientou que “é claro para a Presidência da República, para o senhor Presidente da República e para o chefe da Casa Civil que o contacto foi feito com o Dona Estefânia”.

ZAP // Lusa

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