“Não é justo culpar os soviéticos pelo que se está a passar em Portugal”

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Numa reunião no Departamento de Estado, Henry Kissinger, antigo secretário de Estado dos EUA, desresponsabilizou a URSS pela radicalização política durante o PREC, e explicou porque subiu o tom num discurso no dia anterior: para evitar que os soviéticos pusessem “a mão em Portugal”.

Portugal esteve no centro das preocupações da diplomacia dos Estados Unidos nesses meses que se seguiram ao 25 de abril de 1974.

A 15 de agosto, Henry Kissinger, o então todo-poderoso chefe da diplomacia norte-americana, traçou o quadro da situação política em Portugal numa reunião de um grupo informal sobre o controlo de armamento, cuja ata foi desclassificada e está hoje sob consulta nos arquivos da Ford Library,

Não é justo culpar os soviéticos pelo que se está a passar em Portugal”, comentou Kissinger no encontro, numa altura em que Portugal vivia o que se chamou Verão Quente, período de viragem à esquerda do poder saído do 25 de Abril.

A reunião, que juntava especialistas de universidades, no Departamento de Estado, em Washington, ocorria um dia depois de Kissinger ter feito um discurso duro, no Alabama, a avisar a União Soviética quanto à situação em Portugal.

Os EUA não aceitavam, afirmou no Alabama, que a URSS usasse a política de desanuviamento entre as duas superpotências de forma seletiva ou como um expediente para obter vantagens unilaterais e avisou que o envolvimento soviético em Portugal não era consistente com os princípios de segurança europeia.

Kissinger, que defendia de que Portugal deveria ser uma “vacina”, com comunistas no poder, para evitar que Itália ou França virassem à esquerda, justificou na reunião a “forma veemente” como falou sobre Portugal” — em parte devido à pressão de Moscovo, e em parte para evitar que os soviéticos ponham a mão em Portugal”.

Kissinger avançou também com cálculos de quanto a URSS daria em apoios ao PCP. “Penso que se pode dizer que os soviéticos têm gasto três a cinco milhões de dólares por mês com o Partido Comunista. Os europeus têm gasto uma quantia igual com as forças democráticas”.

“Penso que a diferença em Portugal é que o PCP esteve na resistência à ditadura até ao ano passado, enquanto as fações democráticas estavam no exílio“, descreveu.

Numa referência à guerra colonial em África, que Portugal enfrentou desde 1961, o secretário de Estado norte-americano afirmou que as Forças Armadas “tinham sido africanizadas, como os argelinos”, eram “suscetíveis aos comunistas” e os EUA tiveram um “período de paralisia” política e diplomática com o caso Watergate que levou à queda de Nixon e à sua substituição por Gerald Ford na Casa Branca.

Daí, chegar à conclusão: “Portanto, não é justo culpar os soviéticos pelo que se está a passar em Portugal.”

Kissinger já tinha avançado com esta tese, numa reunião do conselho consultivo de informações externas  do Presidente Gerald Ford, a 7 de agosto de 1975, dias depois de se encontrar com o Presidente português, Costa Gomes, em Helsínquia, Finlândia, numa cimeira da NATO. O diplomata recordou ter falado com Costa Gomes, mas disse que “é uma perda de tempo”.

É um sinal de fraqueza nossa irmos falar aos soviéticos. A sua contribuição para Portugal é relativamente menor e se não conseguirmos contrapor o dinheiro que eles estão a investir, estamos numa má situação. Se tivéssemos feito em Portugal o que fizemos no Chile, o resultado seria o mesmo”, afirmou.

Ao “falar aos soviéticos”, Kissinger refere-se às tentativas de vários líderes europeus, mas também da diplomacia norte-americana, avisarem o líder soviético, Leonid Brejnev, para travar uma tentativa de tomada do poder pelos comunistas portugueses.

Quanto ao Chile, é uma referência ao golpe de Estado de Pinochet, em 1973, para derrubar o Governo de Salvador Allende, de esquerda, com o apoio mais ou menos explícito de Washington.

Dois meses depois, em outubro, é enviado de Moscovo um relatório de Jack Matlock, número dois da embaixada dos EUA em Moscovo e especialista em assuntos soviéticos. Começa por dizer que, na “perspetiva tradicional dos soviéticos”, é Portugal “pouco mais do que um apêndice” da Espanha na Península Ibérica.

Matlock acreditava, isso sim, que Leonid Brejnev olharia uma vitória dos comunistas em Lisboa como uma fonte de problemas da União Soviética com o Ocidente em tempo de Guerra Fria e duraria pouco.

Portugal não é “uma ilha”, como Cuba, e está rodeado “por três lados” pela Espanha, governada então pelo ditador Francisco Franco. Além do mais, segundo o diplomata, os soviéticos duvidavam da capacidade do PCP de Álvaro Cunhal conquistar o poder em Lisboa.

O Kremlin também não acreditava que o Ocidente, e em especial os EUA, deixasse que Portugal se juntasse ao campo soviético. “É inconcebível para a liderança soviética”, escreveu Matlock num telegrama, confidencial, de 25 de outubro de 1975, para o Departamento de Estado.

// Lusa

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8 Comments

  1. É esta esquerda que contribuiu para que o 25 Abril tivesse acontecido e que possa estar aqui a expandir livremente as suas opiniões, ou já se esqueceu?

  2. Pois não, tendo em conta que o golpe de Estado ocorrido em Portugal a 25 de Abril de 1974 foi realizado pela OTAN, a União Soviética – nome oficial pelo qual a Rússia era conhecida na época – não teve nada a ver com a situação despoletada pelo mesmo.

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