Na nova era da corrida ao Espaço, a ciência torna-se secundária e a verdadeira “galinha dos ovos de ouro” são os recursos da Lua.
Em 2019, a empresa ArianeGroup assinou um contrato de um ano com a Agência Espacial Europeia para estudar a possibilidade de enviar uma missão à Lua antes de 2025, que terá como objetivo extrair regolito.
Em comunicado, a empresa explicava que o regolito é um material presente na superfície lunar a partir do qual é possível obter água e oxigénio, o que, no futuro, permitiria projetar a presença humana no satélite terrestre e produzir o combustível necessário para lançar missões exploratórias mais distantes.
Este é apenas um entre os vários esforços de diferentes países em acorrer à mineração da Lua. Devido aos seus valiosos recursos, a Lua é o principal foco de uma nova corrida ao Espaço, em que a ciência ganha um papel secundário.
O investimento para chegar à Lua foi astronómico desde o início. O custo total, ajustado à atual inflação, do programa Apollo, que levou o Homem à Lua pela primeira vez, foi de 280 mil milhões de dólares, de acordo com uma recente estimativa da The Planetary Society.
Desde então, muito mudou neste terreno. Empresas privadas como a SpaceX, de Elon Musk, ou a Virgin Galactic, de Richard Branson, começaram a aventurar-se no Espaço.
O turismo espacial está também, aos poucos, a tornar-se a nova sensação. Uma viagem ao Espaço está a deixar de ser algo apenas ao alcance de astronautas e multimilionários, sendo possível, em breve, fazê-lo por algumas dezenas de milhares de dólares.
Paralelamente, missões recentes à Lua confirmaram a existência de recursos importantes que serão fundamentais para a presença humana permanente no nosso satélite natural e iniciar uma nova indústria de mineração espacial, escreve a revista Science Focus.
Que recursos são estes?
Uma região que vai ver muita atividade é o polo sul lunar, uma vez que há água lá, essencial para a existência de uma base lunar. Aliás, esta é a região que a NASA planeia visitar por volta de 2026, com a missão Artemis III. A agência espacial norte-americana planeia ainda construir a estação espacial Gateway, que servirá como ponto de partida para a exploração contínua da Lua.
Trazer material da Lua para análise na Terra é um passo crucial se quisermos tornar a mineração lunar uma realidade. As rochas lunares trazidas para a Terra pelos astronautas da Apollo, por exemplo, mostraram que a Lua contém metais conhecidos como “terras raras”, devido à sua escassez.
Extrair estes metais de terras raras não é fácil e pode ser bastantes dispendioso. Ainda assim, Ian Crawford, especialista em recursos espaciais da Universidade de Londres, considera que fazê-lo “pode ser economicamente pior, mas ambientalmente benéfico”.
A Lua pode ser uma opção mais cara, mas mais amiga do ambiente, para a extração de neodímio – usado em ímanes –, por exemplo. A confirmar-se, seria um abrir de portas a um novo mercado multibilionário.
Face às preocupações climáticas e ao recente boicote ao gás natural russo, o mundo avança para uma transição energética. A energia nuclear tem sido visto como uma das melhores alternativas para os atuais combustíveis fósseis.
A ideia passa por copiar a forma como o Sol cria a sua energia transformando hidrogénio em hélio. Uma das formas de o fazer envolve a combinação de deutério com um tipo raríssimo de hélio — o hélio-3.
Enquanto podemos extrair deutério da água do mar, o hélio-3 é muito mais raro na Terra, sendo até vendido por 1,4 milhões de dólares por quilo. No entanto, algumas partes da Lua têm concentrações de hélio-3 de 20 partes por mil milhão. Feitas as contas, há cerca de 1,5 triliões de dólares de hélio-3 na Lua.
Quem é que detém os recursos?
“Torne-se um proprietário da Terra Lunar comprando acres de terra na Lua”, lê-se no site da Lunar Land, a empresa que diz ser “a maior agência imobiliária para a venda da Lua”. Ser dono de um pequeno bocado da Lua está à distância de 29.95$. Ora, a realidade é algo diferente.
Hoje, a Lua é considerada património comum da Humanidade, não tendo por isso um dono específico, mas sim pertencendo a centenas de países, graças ao Tratado do Espaço Ultraterrestre.
No entanto, nem sempre foi assim. A 25 de setembro de 1954, um advogado chileno chamado Jenaro Gajardo Vera foi a um notário e registou a Lua em seu nome.
A propriedade da Lua é, ainda assim, uma zona cinzenta. Apesar da existência do tratado, este apenas menciona os países. Não há qualquer referência à situação das empresas privadas. Crawford diz que a lei internacional quanto à Lua e os seus recursos está desatualizada.
Em 1979, foi proposto o Tratado da Lua, que procurava estabelecer regras mais claras sobre os recursos da Lua, mas nenhuma grande nação espacial assinou este tratado. Mais recentemente, uma série de países desenhou a Declaração dos Direitos da Lua — mas, mais uma vez, continua por ratificar.
Até lá, à medida que a próxima geração de missões lunares vai sucedendo, teremos que esperar para ver como é que os países vão lidar com questões complexas de propriedade no espaço sideral.