É permitido fumar em espaços fechados (com exceções). Portaria da lei do tabaco ainda não foi publicada

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Governo diz que pandemia e eleições antecipadas “condicionaram o processo de aprovação” da portaria que ditará as regras das novas áreas para fumadores.

De acordo com a legislação de prevenção do tabagismo em Portugal, ao mesmo tempo que passou a ser proibido consumir tabaco em locais públicos fechados a partir de janeiro de 2021, a lei continuou a prever a existência de exceções a esta interdição, permitindo novas salas de fumo.

No entanto, estas salas teriam que respeitar uma série de requisitos, ainda a definir por uma portaria que não foi publicada, de acordo com o Público.

Esta falta de legislação cria uma zona cinzenta, que deixa aos próprios fiscalizadores sem saber muito bem como atuar.

O Governo explica que o processo de regulamentação das exceções se atrasou devido à pandemia de covid-19 e às eleições legislativas antecipadas.

A lei do tabaco, publicada em 2007, incluía uma extensa lista de exceções, permitindo a existência de áreas para fumadores em espaços públicos fechados, como restaurantes, discotecas, casinos, recintos de espetáculos, entre outros.

A lei foi revista em 2015, quando o Governo decidiu proibir totalmente o consumo de tabaco em espaços público fechados, tal como fizeram vários países da Europa.

No entanto, o Executivo voltou a abrir a porta a exceções, dando um prazo de cinco anos para os proprietários de restaurantes, bares e outros estabelecimentos que tivessem investido em sistemas de ventilação para salas de fumo conseguissem amortizar o investimento. A moratória prevista na versão da lei de 2015 terminou a 31 de dezembro de 2020.

Em agosto do ano passado — oito meses mais tarde — o Governo colocou um projeto de portaria em consulta pública, para serem estabelecidos os requisitos de lotação, compartimentação e ventilação a que as antigas e as novas salas de fumo deveriam obedecer, justificando o atraso com “a situação atípica” da pandemia.

Segundo essa proposta, os espaços para fumadores passariam a ter que ter pelo menos 100 metros quadrados na área dedicada aos clientes, um pé-direito mínimo de três metros, e teriam que ficar separados por uma antecâmara ventilada com portas automáticas de correr.

As críticas e protestos não tardaram muito. Ricardo Tavares, presidente da Associação Portuguesa de Bares, Discotecas e Animadores, reagiu com avisos.

Defendeu que os novos requisitos eram “impossíveis de cumprir“. “As regras são de tal forma hediondas que só se vai poder fumar em aeroportos e nos shoppings”, argumentou o dirigente.

Questionado sobre esta matéria, o gabinete do ministro da Economia explica que os “contributos de várias entidades” ao projeto de portaria foram “devidamente analisados” pelos ministérios da Economia e da Saúde.

Foi “ponderado o respetivo acolhimento”, para “alcançar o melhor equilíbrio entre preocupações em matéria de salvaguarda da saúde pública e de exequibilidade da implementação dos requisitos pelos operadores económicos”.

Entretanto, a dissolução da Assembleia da República e as eleições legislativas antecipadas “condicionaram o processo de aprovação” da portaria, “que será retomado pelo XXIII Governo”.

Poucas infrações à lei

A interpretação da legislação não é “muito fácil”, admitiu Pedro Portugal, inspetor-geral da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE), entidade com competência para fiscalização do cumprimento da lei do tabaco.

“Há duas teses possíveis: assumindo-se que há uma proibição, fumar [em todos os espaços públicos fechados] seria vedado; a outra tese é a de que há uma proibição mas se permitiu a exceção e a omissão da regulação é da responsabilidade do legislador”, clarificou o especialista.

Pedro Portugal frisa que “é esta a questão que está em discussão”, e “se a entidade fiscalizadora tiver uma posição fechada, a contra-argumentação do lado dos agentes económicos é a de que a lei permitiu exceções e [eles] são alheios à ausência da regulamentação”. “Não vejo grande margem para uma fiscalização eficaz. Não interessa abrir processos que venham [mais tarde] a morrer”, conclui.

Em resposta ao Público, a ASAE explicou que os estabelecimentos “que a 1 de janeiro de 2016 dispusessem de espaços destinados a fumadores ou espaços exclusivamente para fumadores, poderiam continuar a dispor de tais espaços, desde que cumprissem os requisitos do n.º 5 do artigo 5.º da lei 37/2007”.

As infrações à lei do tabaco detetadas pela ASAE têm sido escassas nos últimos anos. Em 2018 registaram 163; em 2019, um total de 181 e, em 2020 e 2021, devido à pandemia, ainda foram menos — 86 e 61, respetivamente.

Desde o início deste ano, foram contabilizadas 12 infrações, adianta a ASAE, sem explicitar que qual o tipo.

Ricardo Tavares sublinha ainda que a a maior parte dos estabelecimentos que conhece “já não têm espaços para fumadores”, e que, com o projeto de portaria, se ficou “numa zona cinzenta”.

“Em teoria, a proibição já está em vigor desde o início de 2021. [No início do ano passado] tivemos as autoridades a dizer que multavam, mas, com o projeto da portaria, penso que se adiou a questão e a polícia deve ter fechado os olhos. Acho que nem eles devem saber o que fazer”, especula o presidente da associação.

O dirigente que aguarda agora uma reunião com o novo responsável pela secretaria de Estado do Comércio, para esclarecer esta e outras questões.

“Todo este processo é muito opaco e esta portaria é uma falácia, ao considerar que se pode fumar em sítios fechados protegendo a saúde. Não há aparelho nenhum que permita eliminar a toxicidade do tabaco”, contesta a coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Sofia Ravara.

“A única medida que protege a saúde dos trabalhadores e facilita a fiscalização é a proibição total” de áreas para fumadores. “Na União Europeia já quase não há países que não tenham uma boa lei”, alerta a médica.

O propósito da legislação, segundo lembra Teresa Leão, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, é o de reduzir ao máximo a exposição ao fumo do tabaco.

A investigadora defende também que “o ideal era que não houvesse exceções“. A permissão de áreas fechadas para fumadores “confunde a mensagem e dificulta a fiscalização e aplicação da lei” e a demora na publicação da portaria cria “ambiguidades desnecessárias”.

“As exceções roem a clareza da legislação. Temos que ser mais incisivos”, argumenta a especialista de saúde pública.

No último Inquérito Nacional de Saúde, de 2019, 7,7 % da população residente com 15 ou mais anos disse estar exposta diariamente ao fumo ambiental, valor ligeiramente inferior ao registado em 2014 — 8,6%.

Nesse ano, estima-se que 13.559 indivíduos tenham morrido de uma doença relacionada com o tabagismo — 11,7% do total de óbitos — e que 15% destas mortes terão sido causadas pela exposição ao fumo passivo.

ZAP //

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