“O maior dos crimes de guerra”. Guterres emociona-se perante a destruição na Ucrânia

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Laurence Figa-Talamanca / EPA

António Guterres na visita a Borodyanka, na Ucrânia

António Guterres vai encontrar-se com Volodymyr Zelenskyy esta tarde, mas a sua postura na mediação da guerra na Ucrânia não tem sido isenta de críticas.

Na chegada à localidade ucraniana de Borodyanka, onde os civis acusam os russos de cometerem crimes de guerra durante a ocupação em Março, António Guterres deixou clara a sua posição sobre o conflito, considerando que é um “absurdo” haver “uma guerra no século XXI”.

“Imagino a minha família numa dessas casas que estão agora destruídas e enegrecidas. Vejo as minhas netas a correr em pânico. Nenhuma guerra é aceitável“, afirmou o antigo primeiro-ministro, emocionado.

Guterres pediu ainda que a Rússia colaborasse na investigação do Tribunal Penal Internacional sobre as suspeitas de crimes de guerra durante uma visita a uma vala comum. “Que a Rússia coopere, são crimes de guerra. A guerra em si já é o maior dos crimes de guerra”, disse Guterres, em Bucha.

O secretário-geral da ONU visitou ainda Irpin, onde realçou que “sempre que há uma guerra o preço mais alto” é pago pela população civil. Guterres está na Ucrânia no âmbito da reunião que vai ter durante a tarde com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, na esperança de avançar nos esforços diplomáticos.

Depois de um encontro pouco produtivo com Vladimir Putin onde os dois tiveram visões diferentes sobre o funcionamento dos corredores humanitários e sobre o massacre que a Ucrânia acusa a Rússia de ter levado a cabo em Bucha.

Mas os esforços de Guterres não têm sido livres de críticas, com alguns nomes que já passaram por altos cargos na ONU a criticar a sua inacção e a sua postura.

Uma carta assinada por mais de 200 antigos funcionários, incluindo o português Victor Ângelo que foi Representante Especial para Operações de Paz, foi divulgada na terça-feira e apela ao líder da da ONU que assuma um papel mais interventivo para que esta não corra risco de se tornar “irrelevante” no plano internacional.

“O que nós e a população em geral quer ver é uma presença política da ONU e uma participação pública para além da resposta humanitária notável à crise na Ucrânia. Queremos uma estratégia clara para o restabelecimento da paz, começando por um cessar-fogo provisório, e o uso da capacidade da ONU para a mediação e a resolução do conflito”, pediram os autores.

A carta sugere ainda como Guterres pode assumir este papel mais activo, apontando como ideias as visitas às áreas afectadas — algo que o secretário da ONU está agora a fazer —, discussões com ambos os lados e até uma mudança temporária do escritório para a Europa, para haver uma maior proximidade do terreno.

Em entrevista ao Público, Victor Ângelo foi mais longe nas críticas a Guterres, condenando o seu “silêncio continuado” após o início da guerra. A escolha de visitar Moscovo antes de Kiev também foi alvo de críticas e apesar de Ângelo não ver nenhum problema nesta questão em particular, acredita que isto pode trazer “dificuldades” a Guterres nas negociações com a Ucrânia já que a opção “chocou profundamente a comunidade ucraniana e as potências ocidentais”.

O diplomata refere ainda que a ONU tem insistido apenas na questão humanitária e que deve ser mais proactiva na resolução política do conflito. “O secretário-geral deve proferir em Kiev aquilo que, depois, espero que continue a sublinhar: que as Nações Unidas estão dispostas a facilitar o processo político de forma a resolver a profunda crise que existe neste momento”, propõe.

O maior obstáculo é o “facto de ambos os lados estarem a apostar mais numa solução militar e operacional”, o que deixa “pouco espaço para se falar de política”. Mesmo assim, os seus esforços não são em vão se Guterres “insistir” que a continuação da escalada militar não vai resolver a guerra e apenas trará “mais sofrimento para ambas as partes” e que pode até levar a que a guerra se alastre para outros países, como a Moldávia.

Já Manuel de Almeida Ribeiro, presidente da Sociedade Portuguesa de Direito Internacional (SPDI), tece críticas semelhantes a Guterres, considerando que a visita a Moscovo teria tido um impacto muito maior se tivesse acontecido “há dois meses”.

“A intervenção que ele teve ontem foi importante, no sentido em que foi a única pessoa que pôde ir a Moscovo a dizer – e isto aparecer nos meios de comunicação social, presumo que nos russos também – que de facto se tratava de uma invasão e de uma agressão”, afirma ao Expresso.

Também não parece “realista” que Guterres se afirme como mediador da guerra, mas pode na mesma “comprometer um pouco a imagem da Rússia no panorama internacional” ao afirmar que o conflito se trata de uma agressão.

Manuel de Almeida Ribeiro critica ainda o facto de o secretário da ONU se ter “remetido ao silêncio” após a condenação inicial do conflito. “Vai-se outra vez remeter ao silêncio ou vai ter uma posição mais afirmativa?”, questiona.

No entanto, ao contrário de Victor Ângelo, o presidente da SPDI ressalva que Guterres tem poucas competências políticas. “A única competência política que o secretário-geral tem na Carta é chamar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam pôr em perigo a paz e segurança internacionais. Isto é o que a Carta diz”, remata.

Adriana Peixoto, ZAP //

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9 Comments

  1. Parte dessa destruição foi feita pelos próprios ucranianos conforme já foi relatado por várias instituições internacionais.
    Estão em guerra mas os líderes europeus passeiam na Ucrânia como se nada se passasse. Grande aldrabice!

    • A que é que está a chamar aldrabice?!
      Não está a querer insinuar que a guerra e destuição da Ucrânia é uma mentira, quer?
      Um horror, o que está a acontecer na Ucrânia!

      Crianças que estão a morrer, outras a sofrer os horrores desenfreados d’uma guerra que não desejavam, não pediram e nada fizeram para que estejam a ser sujeitas às barbariedades desses criminosos russos/siros! quem deveria estar lá eram os responsáveis russos que iniciaram uma guerra hodionda como a que decorre no país que a única coisa que faz é tentar proteger o seu povo. O País ocupado pelos intrusos russos é a Ucrânia que apenas está na defensiva! Abram os olhos para verem. Não se trata de um Sonho; é horrível o que se passa.

  2. É a ONU que vai negociar, esta-se mesmo a ver!
    Porque não negociaram os intervenientes antes de a Ucrânia ser derretida?
    O Senhor Putin e o Senhor Joe Biden que negociem, esses sim é que decidem sobre esta guerra. Acabará a guerra quando eles quiserem.
    Enquanto esses, assim o quiserem, é o povo da Ucrânia que está sofrendo e o resto da Europa paga também a fatura.
    Além do mais a América precisa de vender o gaz de xisto, que nem os americanos querem. O gaz e não só…

  3. Incrivel mesmo é como há quem defenda os assaltantes, os que promovem e iniciam guerras de expansão imperialistas e ditatoriais, infiltrando, explorando fraquezas e debilidades dos países que não querem ser seus subditos e dependentes.
    Essas posições são incompatíveis e intoleráveis num mundo onde se quer viver em paz e harmonia.
    É preciso fazer sentir a essas criaturas que tudo tem limites e que a tolerância para aqueles que massacran populações que viviam pacificamente terá um elevado custo e o direito á retaliação com igual intensidade sob o seu dominio , não será esquecido!

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