O vírus Ebola (EBOV) causa uma das doenças infeciosas mais mortíferas conhecidas pela humanidade, e ainda não tem cura.
Os recentes surtos em África foram ligados à recorrência de infeção persistente (recrudescência) em doentes que já tinham sobrevivido à infeção anterior.
De acordo com recentes pesquisas inovadoras, a vírus pode persistir em certas áreas do cérebro, que é um órgão imuno-privilegiado, relata a Cosmos.
Até agora, o exato “esconderijo” do Ébola que permanece no corpo, bem como a patologia subjacente da doença recorrente, era desconhecido.
Publicado na Science Translational Medicine, o novo estudo descobriu que mesmo após tratamento com anticorpos monoclonais (mAbs), o EBOV pode permanecer latente no sistema ventricular — espaços preenchidos com fluido do cérebro — e reaparecer para causar doença fatal em rhesus macaques (primata).
“O nosso é o primeiro estudo a revelar o esconderijo da persistência do vírus Ébola no cérebro e a patologia que causa a subsequente doença fatal relacionada com o vírus no modelo do primata não humano”, realça o autor sénior Xiankun Zeng, do Instituto de Investigação Médica de Doenças Infeciosas do Exército dos Estados Unidos (USAMRIID).
Jun Liu, investigador da USAMRIID e co-autor do estudo, acrescenta que “o vírus Ébola que persiste no cérebro pode reativar e causar recaída da doença nos sobreviventes, causando potencialmente um novo surto”.
Segundo os autores do estudo, uma enfermeira britânica teve uma recaída e sofreu de meningoencefalite, nove meses depois de recuperar do vírus Ébola, enquanto que o surto EBOV de 2021 na Guiné ressurgiu de um sobrevivente persistentemente infetado do surto principal anterior, pelo menos cinco anos antes.
“Verificámos que cerca de 20% dos macacos que sobreviveram à exposição letal ao vírus Ébola depois do tratamento com anticorpos monoclonais ainda tinham infeção — especificamente no sistema ventricular cerebral, no qual o líquido céfalo-raquidiano é produzido, circulado e contido — mesmo quando o vírus Ébola foi removido de todos os outros órgãos”, diz Zeng.
Em particular, dois macacos que inicialmente recuperaram depois do tratamento com mAbs morreram com inflamação grave e infeção pelo vírus, no sistema ventricular.
Os investigadores já tinham demonstrado que o vírus se podia esconder e persistir em regiões específicas de órgãos imunitários — como a câmara vítrea dos olhos e os túbulos seminíferos dos testículos — apesar de ter sido removido de todos os outros órgãos.
Esforços globais de investigação levaram à aprovação regulamentar de duas vacinas para proteção contra infeções, e dois mAbs — Inmazeb e Ebanga — aprovados para tratamento em adultos e crianças pela US Food and Drug Administration, em 2020.
Estas vacinas fazem agora parte do padrão de cuidados para doentes infetados com EBOV, embora a nova investigação realce a necessidade de verificar regularmente os sobreviventes, para evitar a recorrência de infeções mortais.
“Felizmente, com estas vacinas aprovadas e anticorpos monoclonais, estamos numa posição muito melhor para conter os surtos“, sublinha Zeng.
“Contudo, o nosso estudo reforça a necessidade de acompanhamento a longo prazo dos sobreviventes da doença do vírus Ébola — incluindo mesmo os sobreviventes tratados por anticorpos — para prevenir o recrudescimento“, nota ainda.
“Isto servirá para reduzir o risco de reincidência da doença, ao mesmo tempo que ajudará a prevenir uma maior estigmatização dos doentes“, conclui.