Os esforços foram consideráveis, mas a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia termina esta quarta-feira sem concretizar um dos seus grandes objetivos: ver arrancar no terreno a recuperação económica pós-pandemia de covid-19.
“Era tempo de agir e agimos”, afirmou na semana passada o primeiro-ministro, António Costa, ao fazer, perante os homólogos, um balanço desta quarta presidência portuguesa da UE.
A meta de ter os planos nacionais aprovados até 30 de junho, abrindo caminho à libertação da primeira tranche do Fundo de Recuperação e Resiliência, foi anunciada logo em dezembro pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e renovada em abril, quando António Costa apontou para a aprovação de um primeiro pacote de Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) na reunião de ministros das Finanças (Ecofin) de 13 de junho.
Portugal foi o primeiro país a apresentar formalmente o seu plano de investimentos à Comissão Europeia, mas outros Estados-membros não foram tão rápidos: a 30 de abril, data limite indicativa para a entrega, apenas oito dos 27 o tinham feito e, atualmente, dois meses passados, ainda há três países que não o entregaram.
A Comissão aprovou, entretanto, 12 planos, os mesmos que deverão ser submetidos ao Ecofin marcado para 13 de julho, quase um ano depois da histórica cimeira em que os líderes europeus aceitaram criar um fundo de 750 mil milhões a financiar, pela primeira vez na história da UE, com dívida emitida em nome dos 27.
Foi neste outro aspeto que Portugal fez a diferença, nunca abrandando a pressão sobre os restantes Estados-membros para a ratificação da decisão dos chamados recursos próprios.
Esse processo ficou concluído a 28 de maio, permitindo que, a 15 de junho, a Comissão lançasse a primeira e maior emissão de obrigações institucionais de sempre na UE, angariando 20 mil milhões de euros.
Ainda na vertente económica, e tendo estipulado também como objetivo aprovar todos os regulamentos para a entrada em vigor do quadro financeiro plurianual, o orçamento da UE para 2021-2027, a presidência negociou e conseguiu que fosse aprovada praticamente toda a legislação, incluindo a reforma da Política Agrícola Comum (PAC), acordada nos últimos dias.
Portugal definiu como terceiro grande objetivo chegar ao final de junho com o processo de vacinação contra a covid-19 “bem avançado” em todos os Estados-membros, um “elemento essencial para a recuperação económica e social”.
Depois de significativos atrasos no primeiro trimestre, durante o qual apenas 4,1% da população adulta da UE foi imunizada, o reforço da entrega de vacinas permitiu avanços, mas as desigualdades entre Estados são importantes e o surgimento da variante Delta complicou e fez retroceder o desconfinamento em várias regiões e países.
Uma vitória, neste domínio, foi o certificado digital covid-19, adotado “em tempo recorde” para facilitar a circulação na UE.
A presidência portuguesa definiu como quarto grande objetivo “um impulso definitivo” à realização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, promovendo, no Porto, uma Cimeira Social, que reuniu decisores, parceiros sociais e sociedade civil.
Com 24 dos 27 líderes europeus presentes, um recorde em tempos de pandemia, a Cimeira terminou com uma declaração, o “Compromisso do Porto”, que estabelece um modelo de governação com objetivos quantificados em matéria de emprego, formação e combate à pobreza.
A Cimeira ficou, contudo, marcada pela questão do levantamento das patentes das vacinas, proposta dois dias antes pelo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
Se as primeiras reações europeias pareciam favoráveis, o debate dos 27 ao jantar, que se prolongou por quatro horas, terminou com uma maioria a pronunciar-se contra.
No plano global, a presidência portuguesa deu prioridade à Cimeira UE-Índia, que acabou por se realizar com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, à distância, dada a grave situação pandémica no seu país, e terminar com o relançamento das negociações comerciais, suspensas desde 2013.
“Não há dúvida nenhuma de que a cimeira do Porto marca a agenda europeia, pois recoloca no centro das várias políticas o Pilar europeu dos Direitos Sociais e o plano de ação para a sua implementação”, afirmou o Representante Permanente Adjunto de Portugal na UE, Pedro Lourtie, citado pelo Público.
“Reconciliação” transatlântica
No entanto, a vertente global do semestre fica sobretudo marcada pelo reencontro da Europa com os Estados Unidos, que teve como momento alto a Cimeira de 14 de junho, em Bruxelas, uma “reconciliação” transatlântica propiciada pela eleição de Joe Biden.
Além de grandes objetivos, uma presidência tem vários dossiers que transitam da anterior, assuntos que se arrastam e desenvolvimentos inesperados.
Neste semestre foi também aprovada a Lei do Clima, – que transpõe para lei a neutralidade carbónica até 2050 -, a diretiva sobre transparência das multinacionais – doravante obrigadas a divulgar em que países obtêm lucros e pagam impostos – e a Garantia para a Infância – que vai assegurar a 18 milhões de crianças em risco ou em situação de pobreza o acesso a serviços essenciais.
Alguns impasses importantes foram desbloqueados, como o que atrasava há um ano o arranque da Conferência sobre o Futuro da Europa, mas outros, como o novo Pacto das Migrações, conheceram apenas desenvolvimentos técnicos, insuficientes para perspetivar um acordo em breve, como já admitiu a Eslovénia, que assume a presidência na quinta-feira.
Outros simplesmente não conheceram desenvolvimentos visíveis, como a entrada em vigor do acordo comercial UE-Mercosul ou o lançamento de negociações de adesão com a Albânia e a Macedónia do Norte.
A polémica
Por outro lado, e apesar da insistência de Portugal ao longo dos seis meses na importância da defesa do Estado de direito na UE, que passou pelo relançamento dos procedimentos contra Hungria e Polónia, a presidência termina com uma polémica envolvendo direitos fundamentais.
O “dever de neutralidade” afirmado pela secretária de Estado dos Assuntos Europeus em relação a uma carta de 13 líderes da UE defendendo os valores fundamentais europeus, publicada depois da aprovação na Hungria de uma lei proibindo “a promoção” da homossexualidade junto de menores de 18 anos, valeu fortes críticas internas ao governo.
Inicialmente planeada para diferentes cenários de evolução da pandemia, as sucessivas vagas determinaram que a regra fosse muitas vezes a reunião por videoconferência ou híbrida, o que afetou a dinâmica de algumas negociações, mas também, e sobretudo, a visibilidade da presidência, com uma cobertura mediática forçosamente dificultada.
O que falhou
Na lista dos objetivos iniciais da PPUE relacionados com a crise pandémica, só um item ficou por cumprir: a aprovação do primeiro pacote de Planos Nacionais de Recuperação e Resiliência, que o Governo queria agendar para o Conselho de Economia e Finanças de 18 de junho, e acabou por derrapar para a reunião de 13 de julho, já depois de Portugal entregar a presidência do Conselho da UE à Eslovénia.
A responsabilidade pelo “atraso” na aprovação final não está no lado do Conselho da UE mas antes da Comissão: a PPUE cumpriu os procedimentos que lhe competiam nas datas previstas, fazendo aprovar o regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, exercendo a sua influência para a adoção da decisão de novos recursos próprios por todos os Estados-membros e submetendo o plano nacional antes do prazo final. Se algo falhou, foi na pressão política sobre a Comissão para adiantar o calendário.
Ainda assim, várias fontes diplomáticas de Bruxelas ouvidas pelo Público indicam que a presidência portuguesa arriscou bastante ao investir em alguns dos dossiers presos há anos no Conselho da UE, considerando que alguns dos resultados foram “excecionais” e mesmo “históricos”.
“Com os olhos postos no futuro”
O primeiro-ministro considera que a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia vai terminar “com os olhos postos no futuro”, com a realização de uma cimeira da recuperação sobre o futuro da governação económica.
Esta posição foi transmitida por António Costa na sua conta oficial na rede social Twitter, no último dia do semestre em que Portugal presidiu ao Conselho da União Europeia.
“Portugal encerra a presidência do Conselho da União Europeia com olhos postos no futuro”, escreveu o primeiro-ministro.
O líder do executivo destacou três momentos da presidência portuguesa nos planos económico e financeiro: “Depois de termos posto em marcha o Next Generation EU e o próximo quadro financeiro plurianual, a cimeira da recuperação lança o debate que marcará os próximos meses sobre o futuro da governação económica da Europa”, sustentou.
A Cimeira da Recuperação, o último evento político da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, decorre hoje à tarde no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, sob a organização do Ministério das Finanças.
A abertura do evento caberá ao ministro de Estado e das Finanças, João Leão, pelas 14h00, já depois da chegada dos vários convidados para dois painéis, que abordarão como “Reformar a economia europeia pós-covid” e como “Repensar o modelo de governação económica da UE [União Europeia]”.
ZAP // Lusa
Representante Permanente ADJUNTO de Portugal na UE?! Adjunto?!!!
Somos sempre bons, gaba-te cesto que não vedas abóboras!