A defesa do primo de José Sócrates criticou, esta quarta-feira, a acusação de branqueamento de capitais, dizendo que “é delirante e inacreditável” e que o Ministério Público tem “zero provas” do que incrimina.
Em cerca de três horas de alegações no debate instrutório da Operação Marquês, o advogado João Costa Andrade, defensor de José Paulo Pinto de Sousa, começou por censurar a atribuição do processo ao juiz Carlos Alexandre na fase de inquérito.
Depois de um curto Requerimento de Abertura de Instrução, Costa Andrade não foi parco em argumentos para contestar a narrativa do Ministério Público, dizendo que esta padece de algumas ilegalidades, que o MP não apresenta provas daquilo que supõe e que “o procurador sabe bem que não é verdade aquilo que traz a acusação”.
“O Ministério Público quis acomodar os factos à história que pretendeu construir e se os factos não confirmam a tese, que se lixem os factos“, afirmou.
O advogado declarou que o primo do ex-primeiro-ministro “não podia saber a origem do dinheiro” que passou pelas suas contas bancárias, nomeadamente que este era, alegadamente, fruto de um esquema de corrupção entre José Sócrates, Ricardo Salgado (BES) e Helder Bataglia, como indica o MP.
Costa Andrade disse ainda que os procuradores do processo acusam o seu cliente de ter entregado ao antigo primeiro-ministro dois milhões de euros, mas que “não há nada que o comprove”.
O advogado afirma que o seu cliente não pode ser acusado de branqueamento de capitais já que “era impossível José Paulo Pinto de Sousa saber a origem do dinheiro e como foi arquitetado um suposto esquema corruptivo”.
Porém, o advogado diz concordar com o Ministério Público quando “não é imputada culpa nas mais de quatro mil páginas da acusação”. “Não é escrita uma linha sobre a culpa do arguido e aqui só posso concordar com o Ministério Público em não ter imputado comportamento doloso e sem culpa e José Paulo Pinto de Sousa não pode ser pronunciado”, ressalva.
José Paulo Pinto de Sousa está acusado de dois crimes de branqueamento de capitais em coautoria com José Sócrates, Ricardo Salgado, Hélder Bataglia e Carlos Santos Silva.
Segundo a acusação, José Paulo Pinto de Sousa, aceitou, a troco de dinheiro e a pedido do seu primo, que várias das suas contas bancárias, algumas sediadas na Suíça, fossem utilizadas para movimentar fundos do ex-governante, com o objetivo de ocultar a origem e o destinatário.
Na versão do MP, o arguido entregou nove milhões de euros a José Sócrates através de várias contas offshore, sendo o seu primeiro “testa de ferro”, antes do amigo de ambos e também arguido Carlos Santos Silva.
Nas suas alegações na fase de instrução, esta segunda-feira, Paula Lourenço, advogada do amigo do ex-governante, considerou também que a acusação da Operação Marquês assenta em prova proibida e ilegal, que o Ministério Público tentou fazer um acordo “manhoso” com o arguido e que utilizou a delação premiada com Helder Bataglia.
Esta quarta-feira, a defesa do ex-administrador do Grupo Lena, Joaquim Barroca, também rebateu, no debate instrutório, toda a acusação, considerando que padece de ilegalidades e lacunas e que não tem prova indiciária que a suporte.
Segundo o advogado Castanheira Neves, a acusação da Operação Marquês elaborada pelo Ministério Público, nomeadamente em relação ao seu cliente, está “eivada de ilegalidades” e “padece de evidentes precipitações, lacunas graves e lapsos jurídicos”.
“Não me recordo de uma acusação tão incompleta, tão eivada de incongruências, de saltos do escuro e tão infundamentada”, criticou o advogado.
Nas longas alegações, o defensor do antigo administrador do Grupo Lena, acusado de mais de 10 crimes económico-financeiros, citou vários professores de direito para justificar aquilo que considera estar juridicamente mal construído pelos procuradores.
Acrescentou que, nos autos, não há prova indiciária que suporte as imputações dos crimes, quer contra Joaquim Barroca quer contra as sociedades do universo do grupo, remetendo para a “vasta documentação” que iliba o seu cliente.
“Tudo está documentalmente suportado e por depoimentos absolutamente inequívocos. Quem sou eu para fazer teses explosivas de indícios e de factualidades, para isso já basta a acusação”, destacou o defensor, acrescentando que “a acusação é falaciosa. O Ministério Público começou pelo fim para tentar justificar o principio”.
Castanheira Neves disse também que Joaquim Barroca “não conhece Armando Vara, Ricardo Salgado, Helder Bataglia e José Paulo pinto de Sousa” com quem é acusado de crimes em coautoria, e disse que “está documentalmente provado” que o dinheiro transferido para o empresário Carlos Santos Silva foi para “pagamentos de serviços prestados ao grupo Lena”, e que os trabalhos pagos à XLM “foram efetivamente realizados”, sendo esta empresa uma importante parceiro para o grupo de construção civil.
Na acusação, “há uma falsidade monstruosa que está documentalmente comprovada”, reiterou o causídico, insistindo que o MP tentou “pregar uma rasteira” às sociedades do Grupo Lena, em especial na imputação de crimes de acusação de corrupção ativa que pende sobre elas em relação ao primeiro-ministro José Sócrates.
Alegou ainda estar provado por documentos que o Grupo não foi beneficiado durante o Governo de José Sócrates (2005-2011), com a adjudicação de diversas obras públicas, como diz o MP, e que, pelo contrário, “o grupo até teve prejuízos nos locais em que o MP diz que o ex-primeiro-ministro ajudou na internacionalização”.
O defensor negou também que Joaquim Barroca tenha disponibilizado contas bancárias na Suíça para movimentar fundos que se destinavam a pagar “favores” a José Sócrates, como sustenta o MP.
Em relação aos sete crimes de branqueamento de capitais, Castanheira Neves alega que “os crimes precedentes já prescreveram e nem sequer estavam juridicamente preenchidos”, afirmando que “a ilicitude só pode afirmar-se quando há preenchimento do tipo legal do crime”, sendo, portanto, “uma questão falaciosa da realidade“.
Em suma, a defesa de Joaquim Barroca baseou-se em depoimentos da fase de instrução e de documentação, que diz serem irrefutadas, junta aos autos do processo, pedindo que o ex-administração não seja julgado por corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada, alguns destes crimes em coautoria.
Durante a fase de instrução, o juiz Ivo Rosa considerou que o ex-administrador do Grupo Lena terá praticado não dois, mas oito crimes de fraude fiscal agravada.
O debate instrutório prossegue, esta sexta-feira, com as alegações da defesa do empresário Hélder Bataglia.
O inquérito Operação Marquês culminou na acusação a 28 arguidos – 19 pessoas e nove empresas – e investigou a alegada prática de quase duas centenas de crimes de natureza económico-financeira. José Sócrates está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.
Entre os 28 arguidos estão Carlos Santos Silva, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Armando Vara, Bárbara Vara, Joaquim Barroca, Helder Bataglia, Rui Mão de Ferro e Gonçalo Ferreira, empresas do Grupo Lena (Lena SGPS, LEC SGPS e LEC SA) e a sociedade Vale do Lobo Resort Turísticos de Luxo.
ZAP // Lusa