Alguns dos youtubers portugueses mais influentes, muitos dos quais com uma audiência que é constituída por crianças, estão a publicitar sites de jogos e apostas online que são ilegais em Portugal. Uma situação que é crime punível com prisão e que constitui um incentivo “perigoso” ao jogo.
Youtubers como Sirkazzio, que tem mais de 5,1 milhões de subscritores no YouTube, Wuant, com 3,6 milhões, e Windoh, com 1,68 milhões, têm promovido sites sites ilegais de apostas, como apurou uma investigação da Rádio Renascença.
A rede social de vídeos já bloqueou alguns desses vídeos, depois de ter sido contactada pela Renascença, e um dos sites promovidos pelos youtubers que tinha uma licença atribuída em Curaçao, nas antigas Antilhas, deixou de funcionar em Portugal.
Mas a situação está a ser encarada com preocupação porque muitos destes youtubers têm uma audiência que é constituída por crianças, menores de idade, o que torna o caso ainda mais grave.
Nos vídeos, os youtubers fazem questão de sublinhar que os jogos não são indicados para menores de 18 anos, o que “torna a sua acção particularmente sancionável“, como repara o advogado João Alfredo Afonso, em declarações à Renascença, salientando que têm consciência de que grande parte da sua audiência é constituída por crianças.
“Só a promoção do jogo ilegal é grave, mas a promoção de jogo ilegal junto a menores é particularmente grave“, constata o advogado, frisando que “a Lei diz que a negligência também é punível”.
“Neste caso, é uma negligência bastante grosseira, porque ele não pode ignorar que um menor que olhe para o vídeo dele, onde faz campanha ou publicidade ou benefícios de jogar em determinado site, vai querer jogar”, vinca ainda.
Há ainda o caso caricato de youtubers menores de idade a promoverem os sites de apostas e a frisarem que não são para menores de 18 anos.
Crime punível com prisão até 5 anos
A promoção deste tipo de sites que são ilegais em Portugal é crime e é punível com uma pena até cinco anos de prisão ou pena de multa até 500 dias, segundo o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online.
A publicitação também pode implicar o pagamento de uma multa de 1750 a 3750 euros, tratando-se de pessoas singulares, e de 3500 a 45 mil euros, no caso de pessoas colectivas.
“Essa contra-ordenação pode ser aplicada à entidade exploradora, neste caso o anunciante, mas também a qualquer outro interveniente na mensagem publicitária, neste caso o próprio youtuber e a rede social em causa”, explica à Renascença o advogado Filipe Mayer, especialista nas áreas do jogo e da publicidade.
A rede social esclarece, numa nota enviada à Rádio, que exige aos youtubers “que garantam que o seu conteúdo cumpra as leis locais” e as “Directrizes da Comunidade do YouTube”. “Se algum vídeo violar estas políticas, agimos rapidamente e em conformidade”, aponta ainda.
Os youtubers visados já foram notificados do bloqueio dos vídeos e alguns deles queixaram-se da situação nas suas redes sociais. Alguns destes jovens terão recebido dinheiro dos sites para fazerem a sua promoção.
“Só falta dizer ‘joguem’”
Para o psicólogo Pedro Hubert, coordenador do Instituto de Apoio ao Jogador, “este tipo de publicidade é claramente um incentivo ao jogo“. “Só falta dizer ‘joguem’, ‘continuem a jogar’”, aponta na Renascença, manifestando-se “indignado” com os vídeos que são claramente feitos “para menores”.
“Do ponto de vista clínico, é muito mau para quem tenha uma predisposição para o jogo. E aqueles avisos que eles fazem são um bocado ridículos”, sustenta Hubert.
O psicólogo refere que nem sequer para um público de 18 anos estes vídeos seriam recomendados. “Há uma função mental superior que é o controlo dos impulsos” que “só está definitivamente formatada no nosso cérebro lá para os 21, 22 anos”, diz. “Um adolescente ou jovem adulto ainda tem muita dificuldade em controlar os impulsos“, constata.
Hubert nota ainda para o facto de, muitas vezes, as crianças verem vídeos sozinhas, o que agrava a situação. “Os pais têm de ser mais interventivos, perceber o que os filhos estão a fazer”, para terem “algum grau controlo, sem ser intrusivo”. É que proibir simplesmente não é solução.