A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos reconheceu formalmente, esta terça-feira, o “genocídio arménio”, com um voto simbólico e inédito, que suscitou a cólera da Turquia.
Esta é a primeira vez que esta resolução é aprovada em sessão plenária de uma das câmaras do Congresso dos Estados Unidos.
Apelando para “assinalar o genocídio arménio“, para “rejeitar as tentativas (…) de associar o governo norte-americano à negação do genocídio arménio” e para ensinar estes factos, o texto foi aprovado por uma maioria esmagadora de 405 votos em 435, com uma rara união entre democratas e republicanos, e apenas 11 votos contra.
O genocídio arménio é reconhecido por uma trintena de países e a comunidade dos historiadores. As estimativas apontam para entre 1,2 milhões e 1,5 milhões de arménios mortos durante a I Guerra Mundial pelas tropas do Império Otomano, então aliado à Alemanha e à Áustria-Hungria.
Mas a Turquia tem recusado a utilização do termo “genocídio”, evocando massacres recíprocos, em contexto de guerra civil e fomes que teriam feito centenas de milhares de mortos nos dois campos.
“Muito frequentemente, de maneira trágica, a realidade deste crime abominável tem sido negada. Hoje, dizemos claramente, neste hemiciclo, para que fique gravado no mármore dos anais do Congresso: os atos bárbaros cometidos contra o povo arménio constituem num genocídio”, afirmou a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi.
Estima-se que nos Estados Unidos vivam entre 500 mil e 1,5 milhões de pessoas com origens arménias, como a figura pública Kim Kardashian.
A votação foi feita no dia em que a Turquia celebra a sua festa nacional. Ancara já reagiu, durante a noite de terça-feira, qualificando este reconhecimento pelos EUA como um ato “desprovido de sentido”, em contexto de política interna e que arrisca prejudicar as relações entre os dois países.
Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco afirmou que “este ato político, desprovido de sentido, tem por únicos destinatários o lobby arménio e os grupos anti-turcos”.
O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, também já reagiu, afirmando que o reconhecimento do “genocídio arménio” pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos “não tem qualquer valor” para Ancara.
“Eu dirijo-me ao público norte-americano e ao resto do mundo: essa medida não tem valor, nós não a reconhecemos”, disse Erdogan num discurso a membros do seu partido em Ancara. “Na nossa fé (muçulmana), o genocídio é proibido (…). Vemos essa acusação como o maior insulto feito à nossa nação“, acrescentou.
A Turquia já convocou o embaixador dos EUA em Ancara, David Satterfield, para protestar contra este reconhecimento. A convocatória está igualmente ligada à adoção, no mesmo dia, pela Câmara dos Representantes de um texto que prevê sanções contra as autoridades turcas ligadas com a ofensiva no noroeste da Síria.
A medida foi aprovada por uma expressiva maioria de 403 votos a favor, incluindo 176 republicanos, e 16 contra, mas ainda terá de passar no Senado.
A operação lançada pela Turquia, a 9 de outubro, contra uma milícia curda apoiada pelos Estados Unidos provocou a ira de responsáveis e eleitos norte-americanos.
Donald Trump, que inicialmente pareceu dar o aval ao anunciar a retirada das tropas norte-americanas posicionadas nessa área da Síria, endureceu o tom e autorizou sanções contra a Turquia.
Entretanto, estas foram levantadas na sequência de um acordo entre Ancara e Washington, que prevê a cessação da ofensiva turca em troca da retirada de combatentes curdos da área de fronteira da Turquia.
ZAP // Lusa