Arqueólogos estão a desvendar a “cidade perdida” escondida na selva do Camboja, que já foi capital do poderoso Império Khmer.
De acordo com a revista Newsweek, os arqueólogos dizem que esta cidade, conhecida como Mahendraparvata, representa um “enorme e extraordinário experimento inicial no chamado planeamento urbano”, sendo a primeira “cidade-grade” em larga escala que o Império Khmer construiu.
O estudo, publicado na revista científica Antiquity, confirma essencialmente a hipótese de a cidade ter estado localizada em Phnom Kulen e de ter sido uma capital deste Império, que governou vastas áreas do Sudeste Asiático entre 800 e 1400 D.C.
Phnom Kulen é uma cordilheira no noroeste do Camboja, que fica a cerca de 40 quilómetros de Angkor Wat — o espetacular complexo de templos que é também uma das atrações turísticas mais famosas deste país asiático.
As evidências disponíveis sugerem que Mahendraparvata foi fundada antes de Angkor, e que a última cidade usou o plano urbano do seu antecessor como inspiração.
“A capital de Phnom Kulen governou no final do século VIII e na primeira metade do século IX. Os resultados da datação por radiocarbono confirmam essa ocupação, correspondendo ao reinado de Jayavarman II”, disse à mesma revista Jean-Baptiste Chevance, arqueólogo da Fundação de Arqueologia e Desenvolvimento — Programa Phnom Kulen.
De acordo com os investigadores, o poder terá passado para Angkor por volta de 900 D.C., depois de Mahendraparvata ter sido abandonada.
Os arqueólogos suspeitavam há muito que uma antiga capital Khmer estava escondida nesta cordilheira cambojana, mas a região é de difícil acesso, o que dificulta a investigação. Além disso, a zona tem ainda bastantes minas terrestres, devido à passagem do sangrento e mortífero Khmer Rouge até à década de 90 — regime que governou o país de 1975 a 1979 e que conduziu um genocídio que matou cerca de um quarto da população.
As primeiras pistas que indicam a presença de uma antiga capital Khmer em Phnom Kulen vieram de várias inscrições associadas ao Rei Jayavarman II, conhecido por ter unificado e governado o Camboja no final do século VIII e no início do século IX.
Posteriormente, as evidências arqueológicas foram limitadas a uma dispersão de santuários pequenos e aparentemente isolados, explica a equipa. Isto deve-se em grande parte ao facto de as cidades Khmer terem sido construídas sobretudo com materiais perecíveis.
Chevance e o resto da equipa começaram a pesquisa arqueológica no início dos anos 2000, concentrando-se nos principais monumentos — como o templo montanhoso em forma de pirâmide (o principal marcador da capital Khmer), outros templos de tijolos e alguns abrigos rochosos.
“Identificámos o palácio real da cidade, um vasto complexo de plataformas e diques de terra localizados numa posição central ligada a outros locais. A nossa pesquisa arqueológica confirmou que esses locais datavam do final do século VIII e início do século IX. Houve uma confirmação mais forte da presença dessa capital na montanha Kulen”.
Mas, devido às limitações das técnicas convencionais de pesquisa e mapeamento na área, uma visão coerente da própria cidade permaneceu ilusória. Contudo, nos últimos anos, surgiu uma revolucionária tecnologia de imagem conhecida como LiDAR (Light Detection and Ranging), que basicamente permite “ver através” da vegetação.
A tecnologia utiliza instrumentos instalados em aeronaves que disparam pulsos de luz laser, em direção ao solo, centenas de milhares de vezes por segundo, permitindo a criação de mapas 3D detalhados que revelam a topografia do terreno e quaisquer recursos antigos criados pelo Homem.
As últimas pesquisas LiDAR, juntamente com a pesquisa terrestre, revelaram milhares de características arqueológicas numa área de aproximadamente 32 quilómetros quadrados. Esses recursos mostram o que parece ser um sistema de grade avançado que conecta os vários recursos da cidade como barragens, paredes de reservatórios, templos, bairros e o palácio real.
A equipa até acredita ter descoberto evidências de alguns quarteirões da cidade, devido à presença de numerosos cercos de terra que se alinham grosseiramente com — e frequentemente — os principais “eixos” lineares, que são essencialmente um sistema de grade.
Este método também indicou um projeto de engenharia ambicioso para construir um sistema de gestão de águas que, no entanto, ficou incompleto. Segundo os arqueólogos, isto sugere que a cidade pode não ter durado tanto quanto o centro de poder Khmer, embora o reservatório construído possa ter inspirado os lagos artificiais que foram cruciais para o projeto de Angkor Wat.