Os sonhos de Maher e de Safa ficaram adiados com a guerra na Síria, mas reencontraram a paz em Portugal, onde residem há dois anos ao abrigo de um programa de acolhimento de refugiados.
É no primeiro andar de um prédio da freguesia de Barcarena, no concelho de Oeiras, que Maher Mubaied, de 25 anos, reside com a esposa Safa, da mesma idade, e Hassan, o filho de ambos, com 4 anos, desde setembro de 2017.
Chegaram ao abrigo de um programa europeu de recolocação de refugiados, depois de terem passado pela Turquia e pela Grécia, e já em Portugal contaram com o apoio do Centro Social e Paroquial de Barcarena.
Num português ainda muito básico, Maher contou à Lusa que o maior entrave na integração foi a língua e a falta de amigos, situação que ficou amenizada a partir do momento em que começou a trabalhar.
“Primeiro eu não gostava de Portugal. Era muito difícil para trabalhar e os salários são baixos, mas depois de falar com outras pessoas, de trabalhar já gosto. Antes não fazia nada, só ficava sentado, no telemóvel ou a ver a ver televisão”, recorda.
Da Síria, assegura, traz um diploma em hotelaria, como chefe de cozinha, e várias épocas como jogador de futebol na primeira divisão nacional. Em Portugal trabalha num restaurante libanês em Lisboa, mas o sonho no futebol profissional desapareceu, como muitos dos edifícios da cidade de Damasco.
“Eu falei com a organização a dizer que precisava de jogar cá num clube, mas… Eu jogo, mas não é profissional e eu preciso disso”, afirma, com olhar cabisbaixo.
Para que a sua vontade de ficar em Portugal seja mais forte, Maher ambiciona, além de uma carreira no futebol profissional, ter o seu próprio negócio, pois não gosta de “trabalhar para outras pessoas”.
“Preciso de ter um negócio próprio, restaurante ou café. Eu sou chefe cozinheiro, tenho diploma, estudei cinco anos, por isso não preciso de continuar a trabalhar para outras pessoas”, argumenta.
Do filho, que ainda nasceu na Síria, diz com orgulho que já aprendeu três línguas e que já brinca com outras crianças. “Fala árabe, inglês e português. Ao início foi complicado, mas duas professoras ajudaram o meu filho e agora já brinca com outras crianças”.
As dificuldades de adaptação inicial foram também sentidas por Safa Mubaied, que na Síria estudava árabe, mas que em Portugal trabalha, atualmente, num hipermercado em Massamá, depois ter trabalhado num restaurante em Odivelas.
“Ao início foi muito difícil porque a língua não é fácil para nós, tem muitos verbos, mas o trabalhar ajudou a falar e a aprender mais rápido”, afirma, com um sorriso.
“Eu gosto de viver em Portugal, é um país muito bonito e as pessoas são muito simpáticas. As pessoas ajudam muito quem é de outro país e gosto da praia. Faz muito sol e não está muito frio”, caracteriza.
Safa refere que é, exatamente, o calor humano dos portugueses que mais os fazem sentir como se ainda estivessem na Síria: “Como no meu país as pessoas são muito simpáticas e gostam muito da família. Os vizinhos são muito simpáticos e falam com pessoas novas. Os colegas também são muito simpáticos e ajudam-nos muito“, conta.
Ainda que acompanhe à distância o que se vai passando na Síria e as saudades apertem, Safa assegura que o futuro próximo não passa pelo seu país. “Agora gostava de ficar em Portugal, porque é o melhor para o meu filho. No futuro não sei, mas na Síria é preciso muito tempo para voltar a ser como antes”, conta, emocionada.
“Ter um futuro depois do nada”
Também em Portugal se encontram Frmessk Rashid e Sham, de 31 e 37 anos. A família curda, que deixou o “nada” do Iraque, encontrou em Braga amigos, sonhos, futebol e esperança.
O cheiro ao outro lado do mundo começa nas escadas. Abertas as portas do pequeno apartamento, num terceiro andar, quase vazio, vê-se uma mesa, cadeiras, dois sofás, televisão e um fogão improvisado.
“Tudo o que a minha mãe faz é bom”, garante Sham Dzaiy, uma menina de 12, quase 13 anos, como fez questão de esclarecer. A Sham juntam-se os irmãos, Muhammad Shyda Ali, de 9 anos, Darya Shtda Ali, de 14 anos e Tablo Dzaiy, de 5 anos.
Vieram à procura da paz e são tidos como uma “família modelo” pela Instituição de Acolhimento – Colégio Luso-Internacional de Braga (CLIP) – que os acolhe durante o programa de acolhimento aos refugiados do Governo português.
“É um exemplo, esta família, porque os dois anos passam rapidamente e esta família decidiu comprar a casa porque não suportavam a renda. Houve a possibilidade de uma ajuda que estão a pagar”, explicou à Lusa Helena Vaz Pinto do CLIP.
Ambos trabalham: “No Iraque ela estava em casa, teve os filhos muito seguidos. O pai já trabalhava na construção civil, é um excelente trabalhador, mas quando chegaram ela foi a primeira a trabalhar connosco, na cozinha e na limpeza”, salientou.
Fugiram de Erbil. Foi o filho mais velho, com voz de adulto como se a explicação lhe tivesse roubado a adolescência, que contou a realidade que deixaram: “Era mau. Lembro-me da minha família, dos problemas em diferentes cidades, da guerra, dos ataques às escolas, aos hospitais e não havia nada lá“, descreveu.
Depois de “uma curta passagem por Lisboa e nove meses na Alemanha”, explicou Luísa Pina Vaz, foi a Braga que os trouxe o destino. “Estão completamente integrados”.
Aceitaram falar à Lusa, mas a timidez impediu-os de falar em Português, “têm vergonha”, mas todos sabem a língua de Camões. “As aulas de português são as minhas preferidas”, disse mesmo Muhammad, o mal são os amigos. “Eles não prestam atenção e não aprendem e em inglês aprendem”, explicou.
Amigos. Foi uma das coisas que encontraram em Braga, todos referem. Sham tem mesmo uma “melhor amiga”, a Júlia, com quem, confessa entre um sorriso tímido, que as conversas passam, como entre quaisquer adolescentes, por rapazes.
Sham gosta de cá estar. Sente falta da comida de lá, aquele país onde nasceu, tão distante quanto a paz, mas não nega querer lá voltar: “O meu sonho é ser médica. Se o país melhorar, deixar de ter problemas, provavelmente voltarei”, disse.
No sonho de voltar à terra acompanha-a o irmão mais velho, Darya. “Se não houver guerra, se melhorar [silencio] é o meu país, e sinto falta da minha casa, da minha linguagem e dos meus amigos lá”, explicou.
Sonho dos rapazes? Além da “paz e segurança” que encontraram em Braga, o futebol. Ambos quem ser futebolistas, ainda que ainda não tenham clube em Portugal. Mas a bola perde para outros golos que querem marcar.
“Quero ser futebolista mas tenho outros objetivos, como ter amigos, uma vida feliz, apenas ser feliz”, salientou Darya. Entre a timidez perante a câmara, saltava à vista algo comum aos irmãos, esperança.
“Têm proteção internacional já garantida, são pessoas que precisavam de ser acolhidas, integraram-se perfeitamente. O principal problema que apontavam era a falta de segurança, aqui encontraram uma casa e a possibilidade de um futuro“, terminou Helena Vaz Pinto.
ZAP // Lusa