O Canal do Suez foi um dos projetos de engenharia mais importantes do século XIX – uma obra gigantesca que levou quase 20 anos a ser concluída e que empregou cerca de 1,5 milhões de operários, deixando milhares deles mortos durante construção.
Quando foi inaugurado, as embarcações puderam finalmente passar do Mar Vermelho (entre a África e a Ásia) diretamente para o Mediterrâneo, economizando semanas de viagem. Foi uma revolução para o comércio mundial.
Desde então, a passagem pelo canal é considerada praticamente vital para negócios de todo o mundo. As transportadoras pagam milhares de bmlhões de dólares por ano à Autoridade do Canal do Suez, a empresa estatal egípcia que administra o acesso, para navegar por ali.
Por exemplo, o trajeto de um navio moderno de Singapura para Roterdão, na Holanda, pode ser reduzido em quase 3,5 mil milhas náuticas (6,48 mil quilómetros) se passar pelo canal, economizando tempo e dinheiro para os donos da embarcação.
No entanto, cada vez mais transportadoras estão a decidir evitar a rota que passa pelo Suez, optando por contornar o Cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África – descoberto pelo navegador português Bartolomeu Dias em 1488 e usado como caminho preferencial pelos europeus para a Ásia desde o século XV até à inauguração do canal.
Segundo uma análise da SealIntel, de outubro a dezembro de 2015, mais de cem embarcações fizeram o trajeto mais longo.
Custos e “impostos”
“Acompanho a indústria de aluguer de embarcações há oito anos e é muito raro ver esse volume de tráfego no Cabo”, afirma Michelle Wiese Bockmann, da empresa de análise do setor petroleiro OPIS Tanker Tracker. Neste momento, a empresa monitoriza seis navios petroleiros que adotaram essa rota.
Segundo Bockmann, um dos principais fatores para a mudança é o preço baixo do petróleo. Quando o combustível que os próprios navios utilizam está muito barato, isto significa que as viagens marítimas deixam de ser tão caras como nos últimos anos.
Mas será que vale a pena fazer um percurso mais longo?
O conglomerado de transportes Maersk estima que um navio a viajar a 13,5 nós leva 11 dias a mais no seu trajeto pelo Cabo da Boa Esperança do que pelo Canal do Suez. No entanto, isto evita as altas taxas cobradas pelo uso do canal – cerca de 350 mil dólares por embarcação, segundo a empresa dinamarquesa.
Há ainda custos extra. Rose George, autora do livro “Deep Sea and Foreign Going”, sobre a indústria do transporte marítimo atual, conta que as embarcações que cruzam o Suez são obrigadas a transportar funcionários da administradora estatal durante a travessia, acrescentando que os navios também têm que pagar um “imposto” sobre cigarros.
A baixa do petróleo
Além desses pequenos incómodos, há também a complexa economia dos mercados de petróleo e de aluguer de embarcações.
Neste momento, as operadoras jogam com o que chamam de “contango”: cada vez mais o petróleo cru e os produtos refinados são mantidos em alto-mar ou em stock enquanto esperam que os preços voltem a subir.
Atualmente há um excesso de oferta de petróleo em todo o mundo. No entanto, apesar de termos mais do que precisamos, a procura da gasolina – um produto refinado – é bastante alta. “Essa situação provocou a volatilidade do mercado e é aí que as operadoras estão a fazer dinheiro”, afirma Bockmann.
“Uma das estratégias de comércio é não vender a carga e ganhar tempo”, descreve a analista, que conta ainda que alguns navios podem ficar ancorados offshore – uma situação conhecida como “stock flutuante” na qual simplesmente esperam que o mercado se torne mais favorável para desembarcar a mercadoria que carregam. “O stock flutuante atingiu um nível recorde em dezembro e praticamente ainda não caiu desde então”, afirma.
Por enquanto, parece que o jogo está a ser feito entre as transportadoras, que podem decidir permanecer mais tempo em alto mar, em alguns casos, ou adotar rotas mais longas – até mesmo adquirindo carga que não foi vendida em portos na Ásia, na África e na Europa, numa tentativa de encontrar o melhor comprador no melhor momento.
Por enquanto, alguns navios decidiram percorrer os milhares de quilómetros a mais à volta do Cabo da Boa Esperança, com a expectativa de que no fim da viagem eles faturem mais. Pode parecer estranho, mas no mundo do petróleo por vezes é melhor percorrer o caminho mais longo.
ZAP / BBC