75 mil em notas, uma ponte e uma amizade com benefícios. Operação Influencer aperta cerco

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André Kosters / Lusa

O ex-administrador da TAP, Diogo Lacerda Machado

Lacerda Machado tinha contactos regulares com elementos do Governo, Escária dava “andamento célere” aos procedimentos e Matos Fernandes tratava das imposições. Advogado de Lacerda Machado diz que faltam provas.

Os arguidos detidos no âmbito do inquérito que investiga negócios de exploração de lítio e hidrogénio começam esta quinta-feira a ser ouvidos pelo juiz no Campus de Justiça, em Lisboa, depois de apenas terem sido apenas identificados na quarta-feira.

O processo — intitulado “Operação Influencer” — visa as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, ambos em Vila Real; um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e o projeto de construção de um data center na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.

Deste caso, decorre uma investigação autónoma ao primeiro-ministro, no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos negócios investigados, o que levou António Costa a apresentar a sua demissão ao Presidente da República, esta terça-feira.

Uma amizade com benefícios

O advogado e consultor Diogo Lacerda Machado, já identificado como sendo o “melhor amigo” de António Costa, terá usado a sua amizade com o primeiro-ministro para influenciar decisões do Governo e de outras entidades relativamente a projetos da sociedade Start Campus, segundo o Ministério Público (MP).

Além da amizade com o primeiro-ministro, Lacerda Machado tinha ainda uma relação de proximidade com Vítor Escária, através de quem terá alegadamente facilitado o acesso dos administradores da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, a membros do Governo, segundo documentos a que a Lusa teve acesso.

Lacerda Machado — que foi detido na sequência da operação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal — passou a trabalhar desde o final de 2020 como consultor da Pionneer Point Partners e depois da Start Campus, auferindo cerca de 6.500 euros mensais pelo menos desde 2022. Terá sido pela sua conhecida relação de grande proximidade com o primeiro-ministro que o consultor poderia influenciar a imagem dos diferentes intervenientes junto de António Costa.

A partir de 2021, o consultor terá feito contactos regulares com António Costa e Vítor Escária, mas também com outros elementos do Governo, nomeadamente o ministro das Infraestruturas, João Galamba (constituído arguido), o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro (não arguido), e o agora ex-ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, para que fossem tomadas decisões em favor dos interesses daquela sociedade.

Chefe de Gabinete de Costa agilizava procedimentos

De acordo com o MP, Vítor Escária terá aceitado os pedidos de Lacerda Machado para intervir junto do Governo e de outras entidades nas questões que envolviam a sociedade de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, que passaram a ter um acesso direto e regular a João Galamba.

Estes contactos foram materializados em reuniões formais, em almoços e jantares privados — que foram por duas vezes pagos ao ministro, em aparente violação do Código de Conduta do Governo – e ainda em conversas via Whatsapp.

De acordo com os procuradores, citados no jornal Expresso, o objetivo era mesmo “aproveitar a sua relação de amizade próxima com o primeiro-ministro”, bem como da relação de “proximidade” com Vítor Escária.

Esta atuação dos dois administradores da sociedade estendeu-se ainda ao presidente do conselho diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, também constituído arguido.

O chefe de gabinete do primeiro-ministro terá ainda apoiado Lacerda Machado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves na pressão ao presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas (também detido), para “conferir andamento mais célere e favorável” a assuntos de interesse da Start Campus.

Após esses contactos, o autarca do PS ter-se-á comprometido em maio deste ano a agilizar procedimentos relacionados com aquela sociedade em troca da entrega de vantagens indevidas à Câmara de Sines e de apoios financeiros a iniciativas e projetos de outras entidades relacionados com a autarquia, como o Festival Músicas do Mundo ou o Clube de futebol Vasco da Gama de Sines.

75 mil euros escondidos em caixas de vinho

Do escritório do mesmo Vítor Escária, o MP apreendeu esta quarta-feira 75 mil e 800 euros em numerário da residência oficial de António Costa, em São Bento, segundo informação obtida pela SIC e Observador.

O jornal Público acrescenta esta quinta-feira que o dinheiro “estava dividido em diversos envelopes e escondido em livros, em diversas prateleiras, e dentro de caixas de vinho”.

O dinheiro encontrado no gabinete “não tem nada a ver com algo ilegal”, diz o advogado do chefe de gabinete do ainda primeiro-ministro.

“É um facto lateral, que não tem nada a ver com a imputação como ela está desenhada”, garante à chegada ao Campus de Justiça, em Lisboa.

As (várias) imposições do ex-ministro do Ambiente…

O ex-ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes é suspeito de corrupção passiva e prevaricação no caso do lítio e hidrogénio, com o MP a apontar suspeitas à sua atuação relativamente ao consórcio H2 Sines.

Segundo a indiciação do MP, a que a Lusa teve acesso, Matos Fernandes, que não foi constituído arguido, terá no ano 2020 — em conjunto com o então secretário de Estado da Energia, João Galamba — imposto ao Resilient Group a integração das empresas REN, EDP e Galp no seu projeto de hidrogénio verde designado Green Flamingo.

Em julho desse ano, Galamba acaba por afastar o Resilient Group, sob o argumento de que se identificaria com o consórcio H2 Sines, assente na REN, EDP e Galp. A estas empresas juntaram-se depois a empresa portuguesa Martifer e a dinamarquesa Vestas. O MP considera indiciado que Matos Fernandes colaborou após deixar o Governo com a Copenhagen Infrastructures Partner, na qual a Vestas investiu.

Os procuradores indicaram ainda que o ex-governante foi também contratado como consultor pela Abreu Advogados, escritório que presta assessoria jurídica à Copenhagen, e que manteve contactos considerados suspeitos com o chairman da Martifer, Carlos Martins.

De acordo com os procuradores, o ex-ministro — em ação concertada com João Galamba e Rui Oliveira Neves, então diretor da Galp (e um dos cinco detidos no âmbito desta investigação) — terá ainda imposto de forma indevida a entrada da petrolífera na participação da Savannah Lithium.

O MP entende também que o ex-ministro terá prejudicado o combate à seca em favor de um melhor resultado do PS nas legislativas de 2022. Matos Fernandes tinha sido alertado para o agravamento da seca no dia 17 de janeiro e apenas convocou a comissão permanente da seca – com vista a parar a produção de energia em cinco barragens e a cessação da utilização de água para rega na albufeira de Bravura — a 01 de fevereiro, dois dias depois das eleições.

…E uma ponte sobre o Douro

Além destas matérias, a indiciação aponta igualmente que o antigo governante Matos Fernandes impôs nomes para o júri do concurso da construção da nova ponte sobre o Douro, a Ponte Ferreirinha pela qual vai passar o metro, nas cidades do Porto e Gaia.

Os nomes dos arquitetos Inês Lobo e Alexandre Alves Costa surgem como se estes tivessem sido escolhidos pela Ordem dos Arquitetos. Porém, os procuradores assumiram desconhecer ainda a motivação para esta atuação e os seus resultados.

Contactada pelo Público, a arquiteta Inês Lobo mostrou-se surpreendida: “Não conheço sequer o ex-ministro, nunca falei com ele na vida. Foi o então bastonário José Manuel Pedreirinho que me contactou para integrar o júri”. Alexandre Alves Costa, o colega arquiteto, tem reação semelhante.

“Nunca me passou pela cabeça que a minha indicação pudesse ter sido uma imposição do ministro. Se o fez, foi nos bastidores”, observa o arquiteto, ressalvando que a Ordem dos Arquitetos “é autónoma e não recebe ordens de ninguém”.

“Faltam provas”. Advogado questiona se MP se vai “manter de pé”

O advogado de Diogo Lacerda Machado disse que faltam provas que sustentem o processo e que espera que no final se “possa manter o Ministério Público de pé”.

À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça, em Lisboa, Manuel Magalhães e Silva disse que o que encontrou nos autos foi “a criminalização de um processo politico-administrativo”, sem “provas inequívocas de qualquer situação de corrupção”.

“Quando chegarmos ao fim espero que isto possa manter o Ministério Público de pé. Pode não acontecer. Até este momento a falta de provas que não estão reunidas e os factos tais como estão descritos é efetivamente uma situação grave relativamente à criminalização de processos políticos”, disse o advogado aos jornalistas, que, questionado, acrescentou que perseguição “não é a expressão adequada” para descrever a tese do MP, considerando-a “apenas uma errada qualificação por parte do MP daquilo que é um processo político administrativo”.

99% das escutas de Costa “não têm relevância”

Sobre as escutas, que são, segundo disse, o essencial da prova do MP neste processo, disse que através delas se pode “verificar que efetivamente não há nada de irregular” no processo e referiu, em relação às escutas que envolvem o primeiro-ministro, António Costa, que “em 99% dizem respeito às relações privadas entre as pessoas”, pelo que não têm relevância para o processo, e que a única que poderá ter relevância é a que deu origem à investigação autónoma que corre no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e sobre a qual não quis fazer comentários.

Acrescentou também que na consulta do processo essa foi a única escuta relevante que encontrou, pelo que acredita que seja a única, referindo que, se existissem outras, “deixavam rasto”.

Interrogatório dos arguidos arranca esta tarde

 Os cinco detidos no âmbito do inquérito por corrupção em projetos de exploração de lítio e hidrogénio devem ser interrogados na tarde desta quinta-feira, não havendo ainda uma ordem conhecida determinada para as audições, adiantou fonte judicial.

O presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, e Afonso Salema, administrador da sociedade Start Campus, detidos no âmbito da investigação, vão prestar declarações no interrogatório judicial, afirmaram na quarta-feira os seus advogados, à entrada para o tribunal.

A audição do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, foi adiada para sexta-feira.

ZAP // Lusa

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