Wordle? As palavras cruzadas eram “os Beatles de 1924”

Há 100 anos o vício era em papel e dominou os EUA na década 1920. Origem remonta à época de Natal de 1913.

Quem anda minimamente ligado às tendências internet, ou quem anda actualizado em relação a essas notícias, já ouviu falar do Worlde. Ou já experimentou o Wordle.

O fenómeno, que entretanto foi comprado pelo conceituado jornal The New York Times, tornou-se numa moda nos últimos meses. Ou num vício, para muita gente. E até há uma versão portuguesa chamada Quina.

No entanto, lembra o portal Zócalo Public Square, não é a primeira vez na História que um jogo de palavras se torna uma rotina diária para milhões de pessoas.

Há cerca de 100 anos, ao longo da década 1920, os Estados Unidos da América registaram um outro vício, também centrado em palavras.

Sim, as palavras cruzadas. Uma “mania” que se instalou nessa década, mas que até já tinha sido criada em Dezembro de 1913.

Uma “prenda”, quatro dias antes do dia de Natal, incluída no suplemento de diversão do jornal New York World – que entretanto desapareceu – e que foi criada por Arthur Wynne. O editor inglês Arthur inspirou-se em passatempos ingleses.

O jogo original não era bem o jogo de palavras cruzadas que conhecemos agora: tinha a forma de um diamante e era composto por 72 quadrados brancos, à volta de um centro também branco. As instruções, sim, eram semelhantes: “preencha os quadrados com palavras, de acordo com as seguintes definições”.

Leitores mandam (e ajudam)

Há uma curiosidade: as palavras cruzadas não eram propriamente a parte favorita, quer de Arthur, quer dos tipógrafos. O editor achava que preparar as palavras cruzadas era um aborrecimento; os tipógrafos achavam que aquilo era uma complicação, por causa da impressão.

Por isso, quer por vontade de Arthur Wynne, quer por vontade dos tipógrafos, aquele jogo novo nunca seria uma regra, nunca seria incluído todas as semanas no suplemento.

Só que falta aqui um pormenor nestas recordações: os leitores. Os leitores gostaram, ficaram “amarrados” àquela novidade.

Num certo domingo, as palavras cruzadas não apareceram naquela edição e os leitores quiseram logo (ou exigiram mesmo) saber onde estava o jogo.

Aliás, os próprios leitores foram fundamentais para a melhoria do passatempo, porque também enviavam sugestões para o jornal New York World. Eram tantas sugestões que o escritório de Arthur começou a ficar cheio só com sugestões dos leitores. Todos os dias chegavam, em média, 25 cartas dos leitores.

“Este suplemento vai durar até Dezembro de 2100”, escreveu na altura Arthur Wynne, com ironia.

Margaret corrigiu

Quase oito anos depois da criação do jogo, um cansado Arthur passou a pasta para a jovem Margaret Petherbridge, numa fase em que o jogo era enviado com várias falhas nas definições, ou com erros ortográficos. Mas Margaret, com ajuda de F. Gregory Hartswick e Prosper Buranelli, começou a preparar os jogos com antecedência, a fazer revisões, a consultar sempre o dicionário.

As palavras cruzadas transformaram-se num sucesso em larga escala, pouco depois. Jogava-se em todo o lado; passaram a ser utilizadas em convites; havia dicionários em transportes para ajudar os “viciados”; até afastou pessoas da prática de desporto (os atletas vestiam o fato de treino da época mas ficavam no balneário a fazer, com auxílio mútuo, o jogo de palavras cruzadas daquela época).

Até inspirou e uma canção e um musical em Broadway, em 1925, quando Margaret Petherbridge, agora Margaret Farrar (nome de casada), já se tinha tornado a “dona” do jogo, a primeira editora das palavras cruzadas no jornal The New York Times – sim, o mesmo que adquiriu os direitos do Wordle.

“As palavras cruzadas eram os The Beatles de 1924”, lê-se no artigo, tal era a “doença” na altura.

Curiosamente, entre as críticas que surgiram logo no seu início, houve especialistas que alertaram: “Deveria ser lançado um alerta público em relação ao cansaço ocular” – e não havia ecrãs.

Passou praticamente um século e, ainda hoje, estima-se que mais de 50 milhões de pessoas nos EUA completem palavras cruzadas frequentemente.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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