“Vontade tirânica” no prefácio do livro de 681 páginas contra a “reforma Cravinho”

Mário Cruz / Lusa

O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho

O Grupo de Reflexão Estratégico Independente (GREI) lançou um livro, de quase 700 páginas, onde põe em causa a “reforma Cravinho”, que concentra o poder no chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. A reforma foi promulgada há três meses.

Segundo o Diário de Notícias, as 681 páginas foram apresentadas esta quarta-feira, no Centro Cultural de Belém.

O GREI é uma associação que junta cerca de 40 oficiais-generais das Forças Armadas, incluindo o antigo Presidente Ramalho Eanes, e que liderou o processo de contestação à “reforma Cravinho“. Além de classificar o processo de “apressado”, afirma que a reforma que garante mais poder ao Chefe de Estado-Maior das Forças Armas não tem “propósito entendível”.

O prefácio é assinado por António Barreto, colunista e ex-político, que considera que o livro é um trabalho de “serviço público”, uma vez que “os processos legislativos e de decisão política são por vezes opacos, o que não ajuda à formação de uma opinião fundamentada”. As quase 700 páginas têm, assim, o propósito de informar e explicar.

“A aprovação recente da referida legislação não decorreu de maneira límpida que permitisse aos cidadãos avaliar, julgar e formar opinião. Apenas se ficou a saber que tinha havido confrontos entre dirigentes superiores da Defesa Nacional, assim como oposições ácidas entre o poder político e as instâncias militares”, escreveu . O poder político “nunca fez a demonstração dos erros e dos defeitos, das insuficiências e das deficiências da organização atual”, lê-se no prólogo.

Barreto vai ainda mais longe, ao salientar que as alterações à legislação “foram o produto de orientações autoritárias, de pontos de vista unilaterais, de sentimentos menores e de uma vontade tirânica“.

A “governamentalização” das Forças Armadas é outra preocupação apontada, tal como Ramalho Eanes havia já sublinhado. “Sabemos que é uma velha tendência dos regimes autoritários: transformar as Forças Armadas em guardas dos governos.”

O GREI e os ex-chefes militares não foram ouvidos pelo ministro da Defesa ou pela comissão parlamentar de Defesa. Os críticos foram apenas recebidos por grupos parlamentares e partidos. Para o almirante Melo Gomes, ex-CEMA e presidente da Mesa do GREI, o processo “não seguiu o processo democrático das democracias liberais e não serviu as Forças Armadas e o país”.

Além de estudos do GREI, as páginas reúnem textos contra e a favor da reforma, tanto de opinião como jornalísticos, que foram sendo publicados ao longo dos últimos meses.

O objetivo da publicação é, conforme cita o Expresso, “contribuir para que a história da reforma venha a ser feita com maior rigor e verdade, depois de ultrapassadas as fricções e a desinformação provocadas pelas múltiplas narrativas alternativas que têm proliferado no espaço de discussão pública”.

O GREI ressalva, ainda, que “não tinha uma posição contra a reforma em si mesma, mas apenas em relação aos termos em que esta tinha sido concebida e executada”. Aponta também a “desestruturação” de “princípios, conceitos, doutrina” que tinham vindo “a ser aperfeiçoados e consolidados”.

“Parece que o Governo e uma maioria parlamentar decidiram legislar, não para as Forças Armadas, nem com as Forças Armadas, mas sobre as Forças Armadas e sem as Forças Armadas”, termina o prefácio.

A reforma foi aprovada na Assembleia da República e promulgada pelo Presidente da República. O seu propósito é “alargar as competências do CEMGFA para permitir que tenha à sua disposição a qualquer momento as forças de que precisa para executar as suas missões”.

ZAP //

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