O concurso para a compra de uma plataforma unificada de segurança dos sistemas de vídeo-vigilância, para apetrechar os polícias com bodycams, pode ser impugnado. Isto porque vários concorrentes denunciam que o concurso público foi feito “à medida” de uma empresa.
Em causa estão as especificações técnicas do caderno de encargos que, segundo a empresa Antero Lopes, representante da marca Axon em Portugal, favorecem “explicitamente um dos concorrentes”, como refere numa acção apresentada no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, com a pretensão de anular uma parte das regras do concurso.
O Observador teve acesso aos argumentos da acção e nota que a Antero Lopes argumenta que o Código dos Contratos Públicos foi violado, designadamente quanto ao princípio da concorrência, uma vez que as “especificações técnicas” do concurso “favorecerão explicitamente um dos concorrentes”.
Esta acção surgiu depois de o Ministério da Administração Interna (MAI) ter prolongado o prazo inicial do concurso até ao passado dia 19 de Junho.
Um prolongamento que se deveu ao “pedido de vários interessados em terem mais tempo para apresentar as respectivas candidaturas” e devido à exigência do Governo de “ter sempre procedimentos abertos, concorrenciais, isentos e imparciais“, para garantir transparência da contratação pública, como refere ao Observador uma fonte do MAI.
Este concurso para os sistemas de vídeo-vigilância está orçamentado em cerca de 1,5 milhões de euros. Mas vai condicionar o concurso para a aquisição de bodycams para a PSG e a GNR que está orçado em mais de cinco milhões de euros.
Especificações só permitem “um único concorrente”
A Antero Lopes alega que há outros concorrentes ao concurso para a plataforma de vídeo-vigilância que se queixam, igualmente, do alegado favorecimento a uma empresa em particular.
A Motorola já teria notado ao júri do concurso que “as especificações técnicas apresentadas, apenas permitem um único concorrente, ou apenas concorrentes que apresentem a solução da Genetec [o nome da empresa alegadamente beneficiada]”, argumenta a Antero Lopes na acção, segundo nota o Observador.
Os concorrentes que se sentem lesados pretendem que as “peças [do concurso] sejam revistas de forma a que a arquitectura do software seja compatível com a resposta de mais do que apenas um fabricante, particularmente pelos fabricantes líderes de mercado de software do âmbito do concurso público, contribuindo assim para uma sã concorrência de soluções e empresas e dando mais liberdade aos futuros concursos de aquisição de dispositivos bodycams”, refere-se ainda na acção.
Quem fornecer as bodycams terá que ajustar os seus equipamentos à tecnologia que for escolhida para o sistema de video-vigilância.
Se o concurso se mantiver com as especificações técnicas actuais, a Antero Lopes, a Motorola e a Instaltech deixam de ter interesse no concurso das bodycams. Isso resultará numa “injustificável redução da concorrência”, alega a Antero Lopes.
“As peças do actual procedimento não garantem que a plataforma unificada de segurança assegure a comunicação e integração com as bodycams existentes no mercado, nem sequer com as mais predominantes, ao contrário do que fazem com os CCTV [sistema de videovigilância]”, frisa ainda a empresa.
Deste modo, a GNR e a PSP não vão poder escolher, de forma livre, estes equipamentos, ficando obrigadas a adquirir os que sejam compatíveis com o sistema de vídeo-vigilância escolhido.
MAI nega qualquer favorecimento
O Tribunal já deu como válida a pretensão da Antero Lopes, mas isso ainda não levou à suspensão do concurso.
O MAI tem agora possibilidade de contestar a acção e desmente, desde já, a versão da empresa, garantindo que o concurso teve em conta o facto de o Estado não poder “ficar refém, agora e no futuro, de um único fabricante de bodycams (e da respectiva plataforma)”.
Além disso, fonte do MAI refere ao Observador que o concurso público “visa adquirir uma plataforma compatível com diferentes modelos – actuais e futuros — de bodycams de qualquer fabricante e quaisquer sistemas de vídeo-vigilância, para não ter de se investir na compra de uma plataforma para cada marca de câmaras portáteis”.