Rui Miguel Pedrosa / Lusa

O presidente da Câmara Municipal de Pedrogão Grande, Valdemar Alves
Valdemar Alves, que não constava na acusação do Ministério Público, foi acusado de sete crimes de homicídio por negligência e quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência, dois dos quais graves.
Incêndio em Pedrógão Grande
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Os dez arguidos pronunciados para julgamento no processo que investiga as responsabilidades no incêndio de Pedrógão Grande estão acusados entre dois e 63 crimes de homicídio por negligência, refere o despacho do Tribunal de Leiria. A estas somam-se ainda várias acusações por ofensa à integridade física por negligência.
De entre as acusações de homicídio por negligência, os presidentes dos municípios de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, e Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, estão acusados de sete e dois crimes, respetivamente, enquanto sobre o presidente do município de Castanheira de Pera, Fernando Lopes, recai a acusação de dez crimes.
Segundo o despacho do juiz de instrução, os arguidos José Geria e Casimiro Pedro, da EDP, e o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, estão acusados, cada um, de 63 crimes de homicídio por negligência e 44 crimes de ofensa à integridade física por negligência, 12 dos quais graves.
Enquanto responsáveis pela gestão e manutenção da linha de média tensão, refere o despacho da pronúncia, os dois arguidos não procederam “por si ou por intermédio de outrem ao corte/decote das árvores e vegetação existente nos terrenos por baixo” da linha “ou sua remoção, em conformidade com o legalmente estipulado”.
Embora “conhecendo a obrigatoriedade de o fazer”, cada um destes arguidos “agiu sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela linha, que era capaz de adotar e que deveria ter adotado para evitar os resultados que podia e devia prever, mas não previu – a morte das pessoas e as lesões, algumas das quais graves e com perigo para a vida, no corpo das restantes”.
Segundo o juiz, Augusto Arnaut, enquanto comandante operacional do incêndio, atrasou a montagem do posto de comando operacional, “não autonomizou o incêndio de Regadas” nem pediu “reforço de meios, setorizando tardiamente o teatro de operações, implementando deficientemente a fase III do Sistema de Gestão de Operações”.
“Não definindo cabalmente as células do teatro de operações […], relocalizando o posto de comando operacional e o veículo de comando e comunicações de Peniche na fase crítica do incêndio, não solicitando atempadamente o instrumento AROME, não atualizando o plano de estratégia e ação, não pedindo reforço de meios de combate específicos e adequados a debelar o incêndio e não informando cabalmente o Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria sobre a evolução do incêndio, agiu sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, sem a devida e exigível diligência e cautela que se impunham, omitindo procedimentos e deveres obrigatórios e elementares em razão das funções que exercia e cuja obrigatoriedade conhecia”, aponta o texto.
Os arguidos trabalhadores na concessionária Ascendi, José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota, vão responder, cada um, por 34 crimes de homicídio por negligência e sete de ofensa à integridade física por negligência.
Estes arguidos, enquanto responsáveis pela gestão e manutenção da Estrada Nacional 236-1, também não procederam, “por si ou por intermédio de outrem”, ao “corte/decote das árvores e vegetação existente nos terrenos que a ladeavam”, de acordo com o tribunal.
Esta é a mesma justificação apontada em relação a Fernando Lopes (PS), que está acusado de dez crimes de homicídio por negligência e um de ofensa à integridade física por negligência, “enquanto responsável camarário pela gestão e manutenção do Caminho Municipal 1157 e da Estrada Nacional 512”.
Por seu lado, Valdemar Alves (PS) – que não constava na acusação do Ministério Público – e a engenheira florestal da mesma autarquia, Margarida Gonçalves, estão acusados, cada um, de sete crimes de homicídio por negligência e quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência, dois dos quais graves.
Estes arguidos eram os responsáveis pela gestão e manutenção da Estrada Municipal 516, dos Caminhos Municipais 1157, 1169, 1169-1, 1170, da Estrada Nacional 350 e da Rua da Nossa Senhora do Leite.
O despacho de decisão instrutória impute a Jorge Abreu (PS) dois crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física por negligência grave, enquanto responsável pela gestão e manutenção da Estrada Municipal 521.
“Os arguidos, ao não satisfazerem os deveres de cuidado de base legal supraidentificados que sobre si impediam, criaram um risco não permitido e aumentaram um risco já existente de produção de lesões na vida e na integridade física de outrem“, lê-se no documento assinado pelo juiz de instrução Gil Vicente Cardoso e Silva.
O juiz acrescenta que “cada uma das ações que omitiram, embora não constituam por si causa única de produção de lesões na vida e na integridade física, criou e incrementou o risco dessa produção em comparação com o risco permitido”.
O comandante distrital de operações de socorro de Leiria de então, Sérgio Gomes, o segundo comandante distrital, Mário Cerol, e José Graça, então vice-presidente do município de Pedrógão Grande, eram arguidos, mas não vão a julgamento.
O incêndio, que deflagrou a 17 de junho de 2017, em Escalos Fundeiros, Pedrógão Grande, e que alastrou depois a concelhos vizinhos, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.
O incêndio de Pedrógão Grande deu origem a um outro inquérito, que investiga alegadas irregularidades no apoio à reconstrução de casas que arderam no fogo, e que tem 43 arguidos, anunciou a Procuradoria-Geral da República (PGR), no dia 7 de junho.
ZAP // Lusa