Ossos de uma família de 13 pessoas encontrados em Espanha mostra que as suas mortes estiveram longe de ser naturais: crânios fraturados e cortes precisos revelam que morreram de forma violenta às mãos de outro grupo de neandertais. E depois, as coisas pioraram ainda mais.
Há trinta mil anos, os humanos tornaram-se a última espécie humana sobrevivente. A nossa espécie-irmã, Homo neanderthalensis, resistira mais tempo do que todas as outras, mas, por fim, também desapareceu.
Restou apenas o Homo sapiens. O destino dos neandertais é a aproximação mais real que teremos de saber como é ver uma espécie humana ser levada à extinção — sem que sejamos nós a desaparecer, claro.
Então, o que aconteceu?
É uma história macabra, talvez melhor ilustrada por um episódio que surge na nova série Human, da BBC, apresentada pela paleoantropóloga Ella Al-Shamahi.
Ao longo da série, Al-Shamahi visita importantes sítios fossilíferos que contam diferentes capítulos da história humana — mas foi um em particular, no norte de Espanha, que prendeu a atenção do produtor executivo Paul Overton.
“O que mais me marcou, provavelmente, foi o mais sombrio: a Gruta de El Sidrón, que conta a história do fim dos neandertais”, disse Overton ao IFLS. “Foram encontrados os restos de 13 membros de uma família assassinados e canibalizados, e há também indícios de consanguinidade.”
“É um lugar bastante lúgubre, e uma história bastante mórbida, mas acho incrível que tenha sido descoberta e documentada. Quando soubemos, pensámos logo: ‘isto é de loucos’, e as pessoas que conheciam o sítio estavam profundamente investidas no que tinham encontrado.”
Conhecida como o “Túnel dos Ossos”, a Gruta de El Sidrón foi, em tempos, um habitat vital para os neandertais que tentavam sobreviver à Idade do Gelo — algo que nós, Homo sapiens, não conseguimos fazer na Europa, onde nos extinguimos enquanto os neandertais resistiam.
Contudo, essa resistência não duraria para sempre.
Foi um espeleólogo que primeiro alertou os arqueólogos para a gruta, depois de encontrar uma mandíbula humana durante uma exploração.
Mais tarde, os cientistas descobriram 2.500 ossos de neandertais no mesmo local — restos de 13 indivíduos de idades e sexos variados, que análises genéticas confirmaram ser de uma família.
As suas mortes estiveram longe de ser naturais. Crânios fraturados e cortes precisos mostram que morreram de forma violenta às mãos de outro grupo de neandertais.
E depois, as coisas pioraram ainda mais: os ossos apresentavam cortes paralelos típicos de quem retira carne do osso, e havia outros sinais claros de canibalismo, como fraturas feitas para aceder ao tutano — e sabe-se que os neandertais valorizavam muito a gordura.
As práticas de canibalismo são muito mais antigas do que se julga. Duas descobertas recentes, também em Espanha, revelaram que há 800 mil anos os humanos comiam as suas crianças, e ossos encontrados no sítio de El Mirador mostraram sinais de canibalismo antigo que dizimou família de 11 pessoas.
A vida já era difícil para esta família antes de terem sido devorados. Sofriam de anomalias congénitas, como retenção de dentes de leite e orifícios nas vértebras — sinais de que a reprodução entre parentes próximos estava a aumentar defeitos que afetavam a saúde.
O professor Marco De La Rasilla Vives, da Universidad de Oviedo, descreve estas anomalias a Al-Shamahi como um “assassino silencioso” que passava de geração em geração, enfraquecendo uma espécie já em declínio.
E, para agravar ainda mais, uma espécie que já tinha desaparecido da região voltou a apresentar-se no local: o regresso do Homo sapiens.
O que se seguiu foi uma intensa competição por recursos e cruzamentos que reduziram os neandertais a um punhado de populações distintas até que, após 400 mil anos na Terra, desapareceram. É uma história dura, mas, convenhamos, também fascinante.
“O facto de ser um grupo familiar que foi morto cria logo uma ligação — atinge-nos de imediato”, afirmou Overton. “Mostra também o estado crítico dos neandertais naquela altura: estavam a comer-se uns aos outros, e a população era tão reduzida que a consanguinidade provocava deformidades genéticas, o que revela que estavam em declínio.”
“Por isso, esta história ficou sempre comigo. E quando a filmámos, o ambiente era tão carregado… O lugar tem uma atmosfera incrível. É um local assombroso, mas que tem muito para contar”, conclui Overton.