Mesmo sendo um país da NATO, a postura oficial era recusar ajudar a nível militar. Mas o primeiro-ministro da Bulgária ajudou os ucranianos, às escondidas.
A partir do momento em que foi invadida pela Rússia, a Ucrânia, logo desde o dia 24 de Fevereiro, percebeu que iria precisar de armas de outros países.
Ainda hoje, um dos pedidos mais repetidos (alguns em desespero) pelo presidente Volodymyr Zelenskyy é: “Precisamos de armas”.
Cedo apareceu ajuda externa. Em alguns casos muito substancial, como por parte de EUA, Reino Unido e Alemanha.
Os países da NATO cedo concordaram em ajudar um país que não está inserido na aliança atlântica.
Mas dois países desviaram-se dessa quase unanimidade: a Hungria e a Bulgária. Dois países que recusaram enviar armas para ajudar o exército ucraniano.
No entanto, o jornal Die Welt informa que o governo da Bulgária já tinha iniciado um processo para fornecer ajuda militar abrangente à Ucrânia.
O diário alemão escreve mesmo que a Bulgária “salvou secretamente” a Ucrânia, já durante a guerra.
O Governo búlgaro, sempre em segredo, enviou armas, combustível e mantimentos essenciais. Foi uma ajuda essencial nos primeiros meses do conflito.
A guerra começou em Fevereiro. O então primeiro-ministro Kiril Petkov foi a Kiev dois meses depois, em Abril: prometeu ajuda a Zelenskyy – embora não tivesse muito para oferecer, economicamente (Bulgária é um dos países mais pobres da Europa).
Petkov avançou para essa viagem sem a aprovação do seu parceiro principal de coligação no Governo, o Partido Socialista local, que tinha uma postura forte e repetia: a Bulgária não deveria ajudar a Ucrânia, não deveria enviar qualquer arma.
Oficialmente, após esse encontro entre os dois líderes, o anúncio foi: a Bulgária vai consertar equipamentos militares da Ucrânia. Iria ser “mecânico” na guerra.
Mas a realidade foi outra: a Bulgária forneceu 30% da munição de calibre soviético (há muito na Bulgária, ainda) que o exército ucraniano precisou durante a Primavera do ano passado. E, por vezes, forneceu 40% do combustível necessário para os ucranianos.
O auxílio foi confirmado pelo próprio Kiril Petkov e pelo então ministro das finanças Assen Vassilev (ambos na oposição, agora) e por Dmytro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia.
“Kiril Petkov mostrou a sua integridade. Ser-lhe-ei sempre grato por ele ter utilizado toda a sua habilidade política para encontrar uma solução. Ajudou-nos a defender-nos de um inimigo muito mais forte”, descreveu Kuleba.
Tudo em segredo
A Bulgária é um país visto (há anos) como um aliado do Kremlin. Resquícios ainda dos tempos da Guerra Fria, quando a Bulgária era um aliado da Rússia – embora as relações não sejam propriamente as mais amigáveis nos últimos anos, sobretudo desde que a guerra na Ucrânia começou.
E, por isso, e porque há muitos políticos búlgaros pró-Kremlin, o primeiro-ministro agiu de forma secreta, para os parceiros de coligação não saberem.
Petkov não é aliado de Moscovo. E, quando o seu ministro da Defesa recusou chamar “guerra” ao conflito na Ucrânia, foi demitido.
Mesmo a nível social, as sondagens mostravam que mais de 70% dos búlgaros não concordavam que o país enviasse armas para a Ucrânia e temiam ver a Bulgária envolvida na guerra.
Mas o então líder do Executivo decidiu começar a enviar armas a meio de Abril, ainda antes de ter ido a Kiev, mas depois de uma visita de Kuleba a Sofia, capital da Bulgária.
Essa ajuda foi crucial: foi uma fase em que o exército ucraniano, que já tinha impedido o controlo de Kiev por parte dos russos logo nos primeiros dias, estava a precisar urgentemente dessas armas. E a ajuda dos países mais distantes ainda não tinha chegado.
Era uma questão de “vida ou morte”, admitiu Dmytro Kuleba. “A situação interna não era fácil para Petkov mas ele garantiu que faria tudo ao seu alcance para nos ajudar”.
Como é que funcionava?
Em relação às armas, Petkov descreveu: o Governo búlgaro não dava armas directamente à Ucrânia, mas permitia que intermediários búlgaros vendessem armas para membros da NATO (que no fundo eram para a Ucrânia) e mantinha abertas ligações aéreas com a Polónia e rotas terrestres pela Roménia e Hungria, para transporte. Muitas entregas foram pagas por EUA e Reino Unido.
Os combustíveis também seguiram para a Ucrânia via intermediários internacionais – mas em segredo ainda maior: é que o combustível que ajudou a Ucrânia era produzido a partir de petróleo bruto russo, numa refinaria no Mar Negro, operada pela empresa russa Lukoil. Cerca de metade da produção dessa refinaria, a certa altura, ia para a Ucrânia. Tudo num “momento crítico”.
Kiril Petkov deixou de ser primeiro-ministro da Bulgária em Junho; um dos partidos parceiros abandonou a coligação, deixou de haver maioria absoluta e o Governo caiu numa moção de censura. A ajuda secreta terminou aí.
Só meio ano depois, em Dezembro, o Parlamento búlgaro aprovou envio (oficial) de ajuda militar para a Ucrânia.
Por isso, no mês passado, lemos que a Bulgária iria enviar pela primeira vez ajuda militar à Ucrânia. Agora sabemos que não foi bem assim.
Guerra na Ucrânia
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