A propósito do Dia Europeu das Vítimas de Crimes, que se assinala esta segunda-feira, a ministra da Justiça garantiu que a presidência portuguesa da União Europeia quer concretizar um plano comum na proteção às vitimas.
Em declarações à TSF, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, explicou que é necessário “dar prioridade às vítimas particularmente vulneráveis: às crianças, às pessoas mais idosas, àquelas vítimas que, de facto, podem ter limitações no acesso, quer a informação antecipadamente, quer à queixa”.
Ainda de acordo com Van Dunem, o principal objetivo passa por “ter o mesmo nível de proteção, independentemente do país em que as pessoas residam“.
“Temos, obviamente, regras específicas de proteção de algumas categorias de vítimas, mas era importante que essas regras fossem regras comuns e partilhadas, para que vítimas da mesma natureza possam ter a mesma proteção, independentemente do sítio em que se encontram”, disse à TSF.
A presidência portuguesa da União Europeia garante que a estratégia europeia de proteção de vítimas é uma das prioridades na área da justiça.
Aumento de casos de crimes devido à pandemia
Francisca Van Dunem destacou também o aumento de casos de violência e crime na sequência da pandemia de covid-19, salientando várias medidas de proteção das vítimas tanto no plano penal como no civil.
A ministra da Justiça salienta num artigo de opinião publicado esta segunda-feira, Dia Europeu da Vítima de Crime, no Diário de Notícias, que a pandemia de covid-19 criou condições para o aumento dos casos de violência doméstica, de abusos sexuais, de exploração de pornografia infantil.
“Numa outra dimensão, potenciou também um aumento das vítimas de racismo e de xenofobia e dos discursos de ódio, em formulações mais ou menos elaboradas”, realçou, destacando que anualmente, na União Europeia, uma em cada sete pessoas é vítima de crime, dados que incluem crianças, mulheres e vítimas de terrorismo.
“No âmbito do Conselho da Europa estima-se que 120 milhões de pessoas – o que representa cerca de 15% dos cidadãos dos seus 47 Estados membros – sejam vítimas de crimes graves”, sublinha.
A ministra da Justiça lembra que “no plano interno, o estatuto da vítima de 2015, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva Europeia 2012/29/UE, criou um quadro transversal de apoio e proteção às vítimas no processo penal, complementando os regimes já vigentes em matéria de proteção de testemunhas, de concessão de indemnização a vítimas de crimes violentos e de proteção das vítimas de violência doméstica”.
De acordo com Francisca Van Dunem, as sucessivas leis de política criminal enfatizam, nos seus objetivos específicos, a proteção das vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, as pessoas com deficiência e os imigrantes.
A ministra recorda que recentemente foram tomadas medidas como a criação de Gabinetes de Apoio à Vítima em Departamentos de Investigação e Ação Penal que “refletem uma opção de reforço da centralidade do papel da vítima e de maior articulação entre as instituições responsáveis pela sua capacitação, apoio e proteção”.
Lembra igualmente que no quadro da União Europeia, desde 2001, foram aprovados vários instrumentos jurídicos de garantia dos direitos das vítimas, sendo os mais recentes orientados para específicas categorias de vítimas, como as vítimas de terrorismo.
Segundo a ministra, a Comissão Europeia apresentou, em junho de 2020, a primeira Estratégia da União Europeia para os Direitos das Vítimas 2020-2025, que identifica um amplo conjunto de ações e medidas a levar a efeito ao nível da União e dos Estados membros.
Francisca Van Dunem destaca que no segundo semestre de 2020, sob a presidência da Alemanha, o Conselho de Ministros da União Europeia dedicou particular atenção às vítimas dos crimes de ódio e sublinhou que a presidência portuguesa mantém a proteção das vítimas entre as suas prioridades e dará um enfoque especial às mais vulneráveis, tanto no plano penal como no civil.
No entendimento de Francisca Van Dunem, é preciso assegurar a adequada transposição da diretiva de 2012 em todos os Estados membros, apoiar e estimular boas práticas, como a inclusão dos serviços de apoio à vítima nos “serviços essenciais” em contexto de crise, implementar uma plataforma europeia para os direitos das vítimas.
Francisca Van Dunem considera “indispensável garantir que, no espaço da União, todas as vítimas, independentemente da sua nacionalidade ou residência, vejam assegurado idêntico nível de proteção, sejam tratadas com o respeito e a dignidade adequados, tenham condições para denunciar o crime sem receios, para participar ativamente no processo penal e para garantir o seu direito a uma compensação pelos danos sofridos e a apoio na recuperação das consequências do crime”.
Instituído por ação do Victim Support Europe, organização que agrega serviços de apoio às vítimas de 31 países europeus, o Dia Europeu da Vítima de Crime visa assinalar os direitos de todas as vítimas de crime e serve de alerta para a reavaliação das suas necessidades de proteção.
Portugal tem dos níveis mais baixos de violência
Apesar do aumento dos casos de violência e crime durante a pandemia, Portugal está na cauda da Europa no que à violência física diz respeito, com 4% de casos, segundo um relatório da Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia, a que a agência Lusa teve acesso.
Naquela que é descrita como a primeira pesquisa abrangente sobre a experiência de criminalidade entre a população da UE (incluindo Reino Unido e Macedónia do Norte, único país não-comunitário que tem estatuto de observador junto da Agência para os Direitos Fundamentais), concluiu-se que, no ano que precedeu a pesquisa, quase um em cada três europeus foram vítimas de assédio (o que representa 110 milhões de pessoas) e 22 milhões foram fisicamente agredidos.
O estudo – que envolveu 35 mil inquiridos, dos quais cerca de mil portugueses, entre janeiro e outubro de 2019 – revela que 9% das pessoas na UE experimentaram algum tipo de violência nos últimos cinco anos, com percentagens nacionais que variam entre os 3% e os 18 por cento.
Em Portugal, 4% disseram ter sido fisicamente agredidos, percentagem apenas superada por Malta e Itália. No extremo oposto estão Estónia, Finlândia e República Checa.
Em Portugal, um terço da violência física é atribuída a familiares, seguindo-se amigos e vizinhos e outros conhecidos, e 34% dos casos aconteceram em casa, seguindo-se espaços públicos (jardins, parques, rua) e restaurantes, cafés e lojas.
Em 79% dos casos, a violência foi perpetrada por homens.
Porém, apenas 14% das vítimas reportaram a agressão física, com 44% a justificarem ter “tratado do assunto sozinhos”. O medo de represálias (25%) e a incompetência da polícia (21%) são outras das razões apontadas para não apresentar denúncia.
No contexto da desinformação que relaciona o crime com a imigração, a FRA perguntou às vítimas pela descrição dos agressores, nomeadamente sobre as suas origens étnicas e nacionais.
A maioria dos europeus não identificou traços étnicos e migratórios nos agressores, com os portugueses a ocuparem o segundo lugar entre os que excluem essa ligação, apenas atrás da Finlândia.
No que respeita ao assédio, os portugueses também registam uma média abaixo da europeia, com 24% a dizerem ter sido vítimas nos últimos cinco anos (contra 41% dos europeus).
O assédio online reduz a percentagem para 4% (contra 14% na UE). Neste caso, a principal razão (46%) para não terem denunciado as agressões é a desvalorização do que aconteceu – “não era suficientemente grave”.
Ao contrário da violência física, no assédio quase metade dos casos foi perpetrada por desconhecidos.
Em 78% dos casos de violência, os portugueses não recorreram ao apoio de nenhuma organização, seja esta um hospital, proteção legal ou um serviço de apoio à vítima.
O relatório também avaliou os crimes de roubo, com Portugal a registar a taxa mais baixa de casos nos últimos cinco anos (2%, face à média europeia de 8%), e de fraude, com Portugal a registar 9% (face à média de 26%), só à frente de Chipre.
ZAP // Lusa