M. Hopkins/equipa Ōtautahi-Oxford; Via Láctea - ESA/Gaia/DPAC, Stefan Payne-Wardenaar

Vista superior da Via Láctea mostrando as órbitas estimadas do nosso Sol, a amarelo, e do cometa 3I/ATLAS, a vermelho.
Um misterioso objeto interestelar, descoberto no início deste mês de julho, é provavelmente o cometa mais antigo alguma vez visto. De acordo com os investigadores, possivelmente antecede o nosso Sistema Solar em mais de três mil milhões de anos.
O visitante “rico em água sob a forma de gelo”, denominado 3I/ATLAS, é apenas o terceiro objeto interestelar conhecido alguma vez detetado a passar pela nossa vizinhança do Sistema Solar e o primeiro a chegar até nós vindo de uma região completamente diferente da nossa Galáxia, a Via Láctea.
Poderá ter mais de sete mil milhões de anos, segundo o astrónomo da Universidade de Oxford, Matthew Hopkins – que discutiu as suas descobertas no National Astronomy Meeting da Real Sociedade Astronómica, em Durham, Inglaterra — e poderá ser o visitante interestelar mais notável até à data.
Ao contrário do que acontece com os dois objetos anteriores que entraram no nosso Sistema Solar vindos de outras partes do cosmos, o 3I/ATLAS parece estar a viajar num percurso íngreme através da Galáxia, com uma trajetória que sugere que teve origem no “disco espesso” da Via Láctea – uma população de estrelas antigas que orbitam acima e abaixo do disco fino onde o Sol e a maioria das estrelas residem.
“Todos os cometas não-interestelares, como o cometa Halley, formaram-se com o nosso Sistema Solar, por isso têm até 4,5 mil milhões de anos“, disse Hopkins.
“Mas os visitantes interestelares têm o potencial de ser muito mais antigos e, dos que são conhecidos até agora, o nosso método estatístico sugere que 3I/ATLAS é muito provavelmente o cometa mais antigo que alguma vez vimos“.
O objeto foi detetado pela primeira vez no dia 1 de julho de 2025 pelo telescópio ATLAS (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System) no Chile, quando se encontrava a cerca de 670 milhões de quilómetros do Sol.
A investigação de Hopkins prevê que, devido ao facto de 3I/ATLAS se ter provavelmente formado em torno de uma estrela antiga no disco espesso da Via Láctea, deverá ser rico em água sob a forma de gelo.
“Este é um objeto de uma parte da Galáxia que nunca vimos de perto“, disse o professor Chris Lintott, coautor do estudo e apresentador do programa “The Sky at Night” da BBC.
“Pensamos mesmo que há 2/3 de probabilidade de que este cometa seja na verdade mais velho que o Sistema Solar e que tenha andado à deriva no espaço interestelar desde então”.
M. Hopkins/equipa Ōtautahi-Oxford; Via Láctea - ESA/Gaia/DPAC, Stefan Payne-Wardenaar

Vista lateral da Via Láctea, mostrando as órbitas estimadas do nosso Sol, a amarelo, e do cometa 3I/ATLAS, a vermelho. É clara a maior declinação da órbita de 3I na direção do disco espesso exterior, enquanto o Sol permanece no disco fino da nossa Galáxia.
À medida que se aproxima do Sol, a luz solar vai aquecer a superfície de 3I/ATLAS e desencadear atividade cometária, ou seja, a libertação de vapor e poeira que cria uma cabeleira e uma cauda brilhantes.
As primeiras observações já sugerem que o cometa está ativo e que é possivelmente maior do que qualquer um dos seus antecessores interestelares, 1I/’Oumuamua (detetado em 2017) e 2I/Borisov (2019).
Se confirmado, isto poderá ter implicações para o número de objetos semelhantes que os futuros telescópios, como o novo Observatório Vera C. Rubin, poderão detetar. Poderá também fornecer pistas sobre o papel que os antigos cometas interestelares desempenham na formação de estrelas e planetas em toda a Galáxia.
“Estamos numa altura excitante: 3I já está a mostrar sinais de atividade. Os gases que poderão ser vistos no futuro, à medida que é aquecido pelo Sol, vão testar o nosso modelo”, diz Michele Bannister, astrónoma da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, e co-autora do estudo que descreve o cometa.
A descoberta de 3I apanhou a equipa de surpresa. Aconteceu quando se preparavam para o início das operações de observação com o Observatório Vera C. Rubin, cujo modelo prevê a descoberta de 5 a 50 objetos interestelares.
“A comunidade científica já estava entusiasmada com as potenciais descobertas que o Rubin fará nos próximos 10 anos, incluindo um número sem precedentes de objetos interestelares”, diz Rosemary Dorsey, investigadora da Universidade de Helsínquia.
“A descoberta de 3I sugere que as perspetivas para o Rubin podem agora ser mais otimistas; poderemos encontrar cerca de 50 objetos, alguns dos quais de tamanho semelhante ao de 3I. As notícias mais recentes, especialmente logo após as primeiras imagens do Rubin, tornam o início das observações ainda mais excitante”.
As descobertas da equipa resultam da aplicação de um modelo desenvolvido durante a investigação de doutoramento de Hopkins, que simula as propriedades dos objetos interestelares com base nas suas órbitas e prováveis origens estelares.
Apenas uma semana antes da descoberta do cometa, Hopkins tinha defendido a sua tese e, quando 3I/ATLAS foi anunciado, estava pronto para ir de férias. Em vez disso, deu por si a comparar dados em tempo real com as suas previsões.
“Em vez da quarta-feira tranquila que tinha planeado, acordei com mensagens como ‘3I !!!!!!!!!!‘”, disse Hopkins. “É uma oportunidade fantástica para testar o nosso modelo em algo completamente novo e possivelmente muito antigo”.
Hopkins e os seus coautores pré-publicaram a sua análise no arXiv. O seu modelo, apelidado de Modelo Ōtautahi-Oxford, marca a primeira aplicação em tempo real de modelação preditiva a um cometa interestelar.
Para os interessados em vislumbrar 3I/ATLAS, deverá ser visível através de um telescópio amador de tamanho razoável, sob condições excelentes, até perto do final de setembro de 2025, depois do pôr-do-Sol, passando pelas constelações de Ofiúco, Escorpião, Balança.
No mês de outubro estará demasiado perto do Sol, atingindo o periélio no dia 29 desse mês. Em novembro será novamente visível, passando agora para o céu antes do amanhecer. Em dezembro continuará a afastar-se do Sol e da Terra até deixar de ser observável no início de 2026.
// CCVAlg