Surpresas, sinais de alerta, ameaças e uma guerra que fez Putin “parecer tolo”

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Firdaus Omar / Flickr

Vladimir Putin, presidente da Rússia

Ao final da segunda semana de invasão da Ucrânia pela Rússia, o desenrolar da incursão militar está a causar surpresa e a demonstrar fraquezas no exército russo, disseram à Lusa cientistas políticos nos Estados Unidos. 

“A guerra não está a correr bem a Putin”, afirmou Daniela Melo, politóloga luso-americana especialista em relações internacionais que leciona na Universidade de Boston.

“O que nós presumimos que eram as expectativas iniciais que ele tinha, de que esta seria uma guerra rápida em que o Ocidente não se quereria envolver e em que poderia pôr rapidamente um governo em Kiev, saíram furadas”.

Com notícias de que haverá falta de rações e de gasolina no contingente russo, a imagem do presidente Vladimir Putin e do seu exército está a deteriorar-se, algo que poderá enfurecer ainda mais o chefe do Kremlin.

“O que estamos a ver ao fim de duas semanas é uma série de surpresas”, disse o especialista em relações internacionais Everett Vieira III, professor na Universidade Estadual da Califórnia, Fresno.

“Pensei que Putin atacaria de forma mais rápida e eficiente. O facto de que as forças ucranianas conseguiram resistir está a surpreender muita gente”.

Isto “está a mostrar fraquezas no exército russo”, diz o académico, que ressalva que a expectativa é de que Moscovo endureça os ataques de forma esmagadora. “Putin ainda não mostrou todas as suas cartas e não fez o pior”, sublinhou Vieira.

É por isso que está a aumentar o receio de que a Rússia passe a ataques nucleares ou recorra a armas químicas.

“O exército russo poderá ser significativamente mais fraco que o que qualquer um de nós pensava. Talvez Putin pensasse que, com 200 mil militares, só o número seria suficiente para dominar a Ucrânia, mas tal não aconteceu”, disse Thomas Holyoke, chefe do departamento de ciência política na Fresno State.

“Putin pode ficar tão zangado e tão descontrolado que poderá começar a usar armas nucleares táticas, cujo poder nuclear é potencialmente maior que a bomba que caiu em Hiroshima”, explicou.

Um dos problemas, disse, é que o Kremlin não pode aceitar uma derrota. “Vai escalar e escalar, daí o medo de que use armas nucleares. Ninguém sabe bem qual é o objetivo final aqui”.

Para Jeffrey Cummins, reitor interino da Faculdade de Ciências Sociais em Fresno, alguns sinais apontam mesmo para cenários catastróficos.

“Há sinais de alerta que mostram que Putin tem os olhos postos em mais que a Ucrânia”, disse à Lusa. “Uma delas é o facto de esta ser uma invasão total, que está a tentar tomar o controlo de todo o país”, contrariando as análises preliminares que apontavam apenas para a anexação de território ucraniano com movimentos separatistas.

O ataque a áreas civis, com a destruição de hospitais pediátricos e maternidades, evidencia essa intenção e é algo a que Daniela Melo chama de “estratégia de rendição”: infligir o maior número de mortes e horror para forçar à rendição completa.

“E uma certa certeza de que nunca serão levados ao Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra”, frisou.

Por outro lado, Putin diz ver a ocidentalização da Ucrânia como uma ameaça existencial para a Rússia. “Não sei porque é que não pensará o mesmo de outros países da Europa de Leste que se tornaram mais ocidentais, alguns dos quais entraram na NATO”, afirmou Cummins.

Poderá colocar esses países na mira, porque falou de querer restaurar a antiga União Soviética e o império russo”, continuou. “Se esse é o objetivo último, então a invasão da Ucrânia é apenas um passo numa tentativa muito mais alargada de expandir o território da Rússia”.

O que os analistas consideram, apesar da resistência, é que Moscovo tem capacidade para tomar o controlo da Ucrânia, ainda que demorando mais tempo.

“Em termos de número de armas e de capacidade militar, o mais provável é que Putin consiga na mesma ganhar a guerra convencional e que chegue a um ponto em que consiga mudar o governo em Kiev”, referiu Daniela Melo. “Mas aí também há uma grande probabilidade de uma insurreição e de um conflito muito longo”

Everett Vieira III deu o exemplo do Iraque, onde a insurreição dura há vinte anos, e disse que a Ucrânia pode seguir o mesmo caminho. “Salvo se houver uma completa aniquilação, consigo ver isto a durar anos e anos”.

Esse cenário indica que podemos passar a um jogo de espera. “O que é que aguenta mais tempo – a economia russa ou o interesse do Ocidente sobre o que se está a passar na Ucrânia?”, questionou Daniela Melo.

Sublinhando a complexidade da situação, que pode seguir em direções muito diferentes, a politóloga frisou que os efeitos negativos desta decisão de Vladimir Putin tornam difícil compreendê-la.

Não temos um tiro pela culatra político deste nível deste 1945”, afirmou. “Temos a potencial criação de um estado pária, o isolamento internacional a um nível nunca visto desde o fim da II Guerra Mundial e o enfraquecimento geopolítico da Rússia, porque demonstrou que as suas forças armadas não são tão fortes nem tão organizadas quanto se acreditava”.

A isso junta-se o colapso da economia russa, que pode acontecer já este verão. “Putin precisa de uma porta de saída, mas ainda não deu sinais de estar pronto para o diálogo e para abdicar do que ele julga ser o direito a controlar a política interna e externa da Ucrânia”, frisou Daniela Melo.

No entanto, a especialista diz que ainda não há sinais de fissuras internas que levem a pensar num golpe de estado ou uma revolução dentro da Rússia.

O que há, disse Thomas Holyoke, é embaraço e estranheza. “Putin queria uma vitória esmagadora, porque isso fá-lo-ia parecer muito forte”, afirmou.

“E agora o que parece é um tolo”.

// Lusa

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22 Comments

  1. A crise profunda em que está mergulhada a sociedade ucraniana não pode ser desligada das consequências do golpe de Estado, apoiado e monitorizado pelos USA, que permitiu a ascensão da extrema-direita cujos braços para-militares nazis, como o Batalhão Azov, ganharam honras de Estado e foram incorporados nos ramos especiais das forças armadas daquele País.
    No ocidente da Ucrânia recupera-se orgulhosamente as imagens de Stepan Bandera e seus seguidores, com um rasto de assassinatos de judeus e de colaboração com os nazis durante a II Guerra Mundial.
    Na parte oriental, no Donbass, e na Crimeia, respira-se uma história diferente de sacrifício dos que viveram e morreram a derrotar os nazis. Muitos destes ucranianos são filhos e netos dos que lutaram nas fileiras do Exército Vermelho.
    Pode dar-se muitas voltas a este conflito, moldá-lo ao sabor de interesses, aos directos da frente e das traseiras da batalha de um só lado, mas não se pode esconder a história o tempo todo.
    Não é por acaso que na Ucrânia nunca foi conduzida nenhuma investigação séria aos nazis ucranianos acusados de crimes de guerra e Holocausto. Quem o afirmou, em 2011, foi o Centro Simon Wiesenthal.

    • Tanto paleio. Isso até poderia ser tudo verdade, mas agora já não importa muito, não é?
      Imagine-se um acidente de trânsito. Alguém veio e amolgou a chapa doutro carro. O dono do carro danificado zangou-se e, em resposta, dá um tiro no culpado pelo estrago, matando-o. Chegados a este ponto, o acidente automóvel deixou de ter importância… certo?

      • Certo. Mas são esferas diferentes. O direito, os direitos humanos, graças a Deus que tende a tornar-se universal e talvez, talvez um dia, esperemos, venha a ser o patamar maior que governa a acção de um estado. Mas quando está em causa a estratégia geopolítica de um estado, na lógica da sua existência/sobrevivência, e este sente-se ameaçado, e este é uma potência nuclear/militar/histórica, primeiro está a estratégia política e a sobrevivência, depois o direito. Dito de outra forma, se uma criança carregar uma bomba e tentar aniquilar uma cidade, um estado, os direitos da criança ficam para segundo plano.
        O que temos de nos perguntar é: isolar a Rússia, uma potência nuclear (colocando-a ao lado da China, ainda por cima), incentivando a Ucrânia a juntar-se à NATO ou à UE, interessa a quem? A ninguém, nem aos USA (só no anacronismo conservador de algumas leituras geopolíticas que ainda têm), certamente muito pouco à UE, e muito menos aos Ucranianos.

          • ´
            E mesmo, Eu!, quando alguém não concorda conosco, é mesmo asneira! Só pode! Até mesmo falar em Deus no século XXI é deve ser algo que não tem sentido, um absurdo! Afinal há por aí uns Putins à solta!

          • Dizer que a Ucrânia juntar-se à UE não interessa a ninguém – quando é a vontade da maioria dos ucranianos e, ainda há pouco o seu presidente pediu quase por favor para aderir, realmente é um comentário muito sensato e não é escrever asneiras!…

            O Putin também anda muito religioso e a falar muito com Deus e, o resultado está à vista…

    • Bolsonaro, as tuas teorias são um pouco diferentes da realidade… golpe de estado?!
      Nunca tinha ouvido esta, mas estes terra-plermistas até são divertidos!….

  2. A capacidade para disparatar parece infinita. Mas espero que os responsáveis americanos não acreditem na sua própria propaganda e julguem qua a Rússia é fraca. O que lhes traria uma enorme surpresa. Por outro lado,insistir na capacidade de resistência da Ucrânia, quando 90% do seu equipamento militar está destruído, é simplesmente surrealista. Tudo o que resta à Ucrânia são algumas unidades de infantaria isoladas em cidades, e um corpo de exército no leste que está quase cercado e que vai ter de se render ou ser destruído. Quando isto acabar as pessoas vão ver que sacrificaram a Ucrânia para nada. E que o sangue de boa parte dos mortos estará nas suas mãos.

    • Estimado Nuno Cardoso da Silva:
      O sangue dos mortos nesta guerra está exclusivamente em mãos Russas. Só deixará de ser assim quando for a Ucrânia a invadir a Rússia.
      Cumprimentos.

      • Nisso, não há dúvida.
        Mas fica claro que os USA e a UE podiam ter feito mais, muito mais, para evitar essas mortes (e seria tão fácil – simplesmente abrir as portas da Nato e da UE à Rússia, por exemplo, aceitando que ninguém detém a verdade absoluta quanto a modelos governamentais/sociais, e que com o tempo, a Rússia se aproximaria da Democracia).
        Uma coisa é certa: a consequência estava à vista desde pelo menos 2008. E a lógica de pensamento do Sr. Putin, as razões pelas quais a Rússia estava a sentir-se ameaçada foram expostas vezes sem conta, anos a fio, discutidas, analisadas, e a verdade é que fazem sentido no mundo das relações complexas entre potências mundiais. É motivo para se despedaçar a Ucrânia? Claro que não devia ser. Mas inverta-se a lógica. Que fariam os USA se o Canadá fizesse um acordo com a China para instalar mísseis na fronteira? Respeitaria o direito?
        A guerra não leva a nada, mas levou ao fim do nazismo.
        Esta guerra, no entanto, que podia ter sido evitada pelos USA e UE, reitero, levará sem dúvidas a um mundo muito pior do que aquele que existia (pelo menos por agora, o futuro longínquo ninguém o sabe).

  3. O que me espanta mais é a sorte geopolítica da China. A Rússia arranjou maneira de ficar totalmente dependente da China, e agora, sem mais ninguém, se for preciso até esgravata para se meter debaixo dos pés Chineses. E a China habilmente tratará de calçar pantufas, para que o espezinhar seja doce. Se a política internacional já estava perigosa, imagino como vai ser quando a China andar a por aí passear levando a Rússia pela trela…
    Quem se queixa por os EUA andarem armados em polícias do Mundo, tem que responder a esta pergunta: Em vez dos EUA, quem é que preferiam que fosse?

    • Graças a Deus que é os EUA. Mas neste caso em específico, parece-me que a estratégia adoptada foi a errada. E a consequência é aquilo que lhe causa espanto: um mundo pior e mais perigoso com a Rússia e a China e o Irão e se calhar a Índia e outros num bloco cada vez mais forte.

  4. A atitude do Putin recorda-me um provérbio antigo:
    “Entre marido e mulher, não metas a colher.”
    Só que 1) a Rússia e a Ucrânia não estão casados, e mesmo que estivessem 2) o provérbio é totalmente inaceitável!

  5. Para quem não está a correr bem é para o povo ucraniano. Disto tenho a certeza absoluta.
    Para o Putin, “putianos” e seus seguidores ou amestrados, estou-me borrifando de como corre!

  6. Informação enganadora: Quando há armas com poder centenas de vezes superior à bomba de Hiroshima, escrever “poderá começar a usar armas nucleares táticas, cujo poder nuclear é potencialmente maior que a bomba que caiu em Hiroshima” parece-me enganador. Penso que ficaria melhor “armas nucleares táticas, cujo poder nuclear é GERALMENTE MENOR que a bomba que caiu em Hiroshima”. Estas armas táticas podem ser tão pequenas quanto 0,5 kiloton, a de Hiroshima tinha 15 kiloton.

  7. Não há ninguém que acabe com este psicopata, assassino? Ele só pensa em poder, mas ele e quem o apoiar irão acabar na miséria, pois isolados do resto do mundo não vai a lado nenhum. As pessoas que conseguirem acabar com este psicopa, com este flagelo, serão os heróis do planeta.

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