Gustavo Moreno / STF

Jair Bolsonaro durante interrogatório dos réus no Supremo Tribunal Federal do Brasil
O Supremo Tribunal Federal do Brasil declarou o ex-presidente brasileiro culpado dos crimes de “abolição violenta do Estado de Direito Democrático, golpe de Estado e participação em organização criminosa armada” com intuito de “fazer regressar a ditadura ao país”.
A Primeira Vara do Supremo Tribunal Federal do Brasil formou hoje maioria para condenar Jair Bolsonaro por tentativa de abolição violenta do Estado de Direito Democrático, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de património.
O relator juiz Alexandre de Moraes propôs uma pena de 27 anos e três meses de prisão em regime fechado ao antigo presidente brasileiro, depois de o tribunal ter declarado o ex-presidente brasileiro culpado por tentativa de golpe de Estado.
“As consequências do crime são amplamente desfavoráveis, porque estavam direcionadas a aniquilar os pilares essenciais do Estado democrático de Direito, mediante violência, grave ameaça, ataques sistemáticos ao Poder Judiciário. A consequência maior do crime seria o retorno a uma ditadura no Brasil“, justificou o juiz.
Embora tivesse previsto proferir as sentenças numa sessão reservada para sexta-feira, o tribunal decidiu passar imediatamente à fase de sentença, uma vez concluída a audiência em que, por quatro votos a um, declarou a culpa de Bolsonaro e de outros sete réus, entre eles ex-ministros e antigos chefes militares.
Os juízes Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que tinham votado pela condenação de Bolsonaro, acompanharam a proposta de Alexandre de Moraes.
Por outro lado, o juiz Luiz Fux, o único dos cinco juízes a votar pela absolvição do ex-presidente, entendeu que não devia participar da dosimetria das penas.
Além de Jair Bolsonaro, foram também condenados o deputado federal Alexandre Ramagem, o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o general na reserva e ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da Augusto Heleno, o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, o general e ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o general na reserva e ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Neto.
Os quatro juízes apoiaram a posição do Ministério Público, que considerou que a “organização criminosa” dividiu as tarefas e operou de forma hierárquica sob as ordens de Bolsonaro, que só fracassou devido à recusa dos comandantes do Exército e da Força Aérea, quando os acusados já tinham tudo pronto para decretar um estado de exceção, intervir na Justiça Eleitoral e manter-se no poder.
De acordo com a acusação, os réus lançaram uma campanha contra a legitimidade das instituições através de ameaças e da disseminação de notícias falsas para criar um ambiente social favorável.
Após a derrota nas urnas em outubro de 2022, os réus “redigiram decretos com medidas excecionais, editados pelo próprio Bolsonaro”, e iniciaram um plano, corroborado por documentos e áudios, para assassinar Lula da Silva, o seu vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio juiz Alexandre de Moraes, relator do processo.
O único voto divergente foi de Luiz Fux, que absolveu Bolsonaro de todas as acusações porque, na sua opinião, não existem provas suficientes para determinar a condenação.
A entrada na prisão não será automática, pois ainda há possibilidade de recurso da decisão do Supremo. Após a publicação do acórdão, a defesa e a acusação podem interpor embargos de declaração, no prazo de cinco dias, para corrigir eventuais contradições ou omissões.
Esses recursos podem prolongar o processo por semanas ou meses, e, mesmo após eventual rejeição, podem surgir novos incidentes, como agravos.
“Uma farsa”
O senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, afirmou que o julgamento do pai “foi uma farsa” e prometeu que vão “lutar até ao fim”.
“A mensagem que eu quero deixar aqui agora, depois de passar por esses momentos, agora, com o presidente Bolsonaro, é uma mensagem dele a toda população”, disse o senador à imprensa, à porta do condomínio em Brasília, onde o pai se encontra em prisão domiciliária por ter incumprido medidas cautelares que lhe tinham sido impostas.
“O mínimo que exigimos é que Alexandre de Moraes devolva tudo o que ele tomou de Bolsonaro e da direita. A pacificação só virá com a amnistia total, criminal, administrativa e eleitoral”, declarou, referindo-se tanto ao juiz relator do processo como à amnistia que os parlamentares afetos a Bolsonaro procurar fazer passar no Congresso brasileiro.
Flávio Bolsonaro, citado na imprensa local, disse ainda que o pai “está indignado”. É “a reação de um inocente injustamente condenado”, considerou, frisando que não vão aceitar a decisão e que vão “lutar até o fim”.
Já o deputado Eduardo Bolsonaro, que se encontra nos Estados Unidos a fazer ‘lobby’ junto da Administração norte-americana para que a Casa Branca exerça pressão junto do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, recorreu às redes sociais apenas para partilhar uma mensagem do membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos Carlos A. Giménez que considerou que “Bolsonaro é um prisioneiro político e deve ser libertado imediatamente“.
Invasão do Planalto
Jair Messias Bolsonaro foi o 38º presidente do Brasil, cargo que exerceu entre 1 de janeiro de 2019 e 1 de janeiro de 2023. Candidatou-se a um segundo mandato presidencial, tendo sido derrotado nas urnas por Lula da Silva a 30 de outubro de 2022.
No dia 8 de janeiro de 2023, poucos dias após a tomada de posse de Lula da Silva, centenas de apoiantes do já ex-presidente Bolsonaro invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal do Brasil.
O movimento teve semelhanças claras com a invasão do Capitólio nos EUA por apoiantes de Donald Trump, no dia 6 de janeiro de 2021, em protesto contra os resultados das eleições que deram a vitória a Joe Biden.
Em maio de 2020, meses antes das eleições, mais de 80 personalidades, entre as quais o constitucionalista Diego Werneck Arguelhes, enviaram uma carta à ONU na qual denunciavam uma “campanha sem precedentes” contra os tribunais brasileiros e acusavam o então presidente Bolsonaro de estar a criar as condições para “uma invasão do Capitólio”, como tinha acontecido nos EUA.
Em setembro de 2021, num discurso em Brasílio perante milhares de apoiantes, Bolsonaro afirmou que só deixaria o poder preso, morto ou com a vitória, e declarou que nunca seria preso.
“Nesse momento, eu quero mais uma vez agradecer a todos vocês. Agradecer a Deus, pela minha vida e pela missão, e dizer aqueles que querem me tornar inelegível em Brasília que só Deus me tira de lá. Só saio preso, morto ou com a vitoria, mas quero dizer aos canalhas que nunca serei preso”, frisou.
ZAP // Lusa