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“Soares é fixe!” – o filme não!

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Filme estreou nesta quinta-feira e é provável que ao longo das próximas semanas passe por salas de cinema fixes, mas vazias.

Os leitores do ZAP podem acreditar que, quando comecei a criar este artigo, não tinha lido a avaliação partilhada pelo jornal Público, onde se lê que o filme é “péssimo” e que é uma “desgraça de filme”. Ou então que “dá pena”.

Também não tinha lido a análise publicada no Observador, onde se resume: “Isto não se faz ao ‘Bochechas'”, salientando as zero semelhanças entre o que se vê no ecrã e o que realmente eram as figuras políticas.

Mas concordo.

Soares é fixe! – o filme em causa – estreou nesta quinta-feira.

No ano em que se assinalam 100 anos do nascimento do fundador do PS, do “pai da democracia”, João Lacerda Matos escreveu e Sérgio Graciano realizou esta longa-metragem que pretende assinalar esse centenário.

Tónan Quito era suposto ser Mário Soares, Margarida Cardeal tenta ser Maria de Jesus Barroso e Tiago Fernandes poderia ser Diogo Freitas do Amaral.

A base deste filme é a noite das eleições presidenciais de 1986. Com algumas recordações: do momento da fundação do PS numa reunião de exilados na Alemanha, do debate com Álvaro Cunhal, do 25 de Novembro de 1975. Dois ou três minutos em cada recordação, talvez.

Mas aqui começam as dúvidas/críticas sobre o conteúdo do guião: e depois?

É certo que essas três recordações foram três dos vários momentos marcantes na carreira política de Soares. E compreende-se que sejam incluídos no filme.

Mas para explicar… o quê? Qual é a consequência dessas recordações no filme?

Depois vai aparecendo uma jovem, que nem se sabe o nome, que deixa avisos a Mário Soares e a Freitas do Amaral sobre o perigo que vem aí depois das eleições. Quem é ela? Apareceu ali com que intenção? Consequências? Ninguém sabe.

Também surge, mais perto do fim, uma família lisboeta que vai celebrar a vitória de Soares nas eleições de 1976 – mais uma vez: para quê? Qual o significado daqueles minutos finais?

As pausas prolongadas (não são um exclusivo desta obra) eram desnecessárias. Não precisamos de estar quase meio minuto a olhar para uma pessoa calada, a pensar; nem precisamos de ficar a ver Mário Soares parado, só a fumar – ainda por cima quando o verdadeiro Mário Soares nem fumava (já lá vamos).

Há também erros técnicos, gerais, aos quais este filme não escapa: câmaras a mexer, imagens a tremer, excertos de diálogos imperceptíveis – vi pessoas a olharem umas para as outras, na sala de cinema, a perguntar “o que é que ele disse?”. Ninguém percebeu.

Não está em causa a qualidade dos actores e das (poucas) actrizes. Mas o guião é básico, fraco. O filme é fraco.

Não há muitos momentos de maior acção, de drama, de campanhas de rua, do famoso “animal político” que era o socialista. Uma boa percentagem do filme é baseada – arrastada – na ideia “calma, ainda não ganhamos as eleições”.

E, já que se fala tanto das eleições e da campanha de 1986, nem há uma recriação do que aconteceu na Marinha Grande, onde houve agressão ao candidato do PS.

Além disso, a realidade não era assim. Salgado Zenha não era assim, Freitas do Amaral não era assim.

Mário Soares, definitivamente, não era assim. Até a sua filha concorda: “O meu pai era o contrário. Era a alegria de viver, toda a gente que o conheceu sabe que era uma pessoa sorridente e sempre bem disposta. Não o revejo naquele homem hesitante, triste, a fumar cigarros sobre cigarros… ele nunca fumou”, avisou Isabel Soares, no jornal Expresso.

Claro que é um filme, os seus criadores fazem o que quiserem. Mas…

Resumindo: Soares é fixe! poderia ter saído num formato de documentário (com diversas alterações) de 20 minutos sobre a noite das eleições presidenciais de 1986. Nos créditos finais mostravam excertos do passado de Mário Soares. E o resultado seria quase o mesmo.

Fiquemos à espera da série, que há-de aparecer na RTP. Talvez seja mais esclarecedora e interessante.

Ah: também há quem questione porque um filme a homenagear um grande líder do PS sai para as salas de cinema a 17 dias de eleições legislativas – até porque Mário Soares só faria 100 anos em Dezembro. Bem, aí… a SIC fez 30 anos em Outubro de 2022 e começou a apresentar a festa no dia 1 de Janeiro. As antecipações (com margem larga) são habituais em Portugal.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

4 Comments

  1. Não , não era fixe !! isso nem se lhe “cola” , era ,ou melhor foi um ser humano extraordinário, não vou enumerar as suas qualidades , nem comparar com mais ninguém da politica nacional, apenas sublinhar , quer na direita ou mesmo na esquerda não apareceu melhor …

  2. Soares só foi fixe quando, já velho, permitiu que a língua lhe fugisse para a verdade, aproximando-se de um esquerdista a sério.
    Mas o seu tempo estava esgotado.
    Se tivesse tido a coragem de ter praticado o que então dizia defender, teria mudado para melhor o rumo da sua e da nossa história.

  3. Não vi (nem tenciono ver) o filme, mas qualquer democrata com mais de 60 anos sabe bem que a acção de Mário Soares foi crucial para impedir que o País passasse dum regime totalitário para outro semelhante. Basta lembrar o comício na Fonte Luminosa ou o famoso debate entre Soares e Cunhal.

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