A rutura da barragem em Brumadinho tornou o Paraopeba um rio tóxico por mais de 300 quilómetros. Nova análise mostra que, em alguns pontos, de tão degradado, nem bactérias sobrevivem.
Um pouco mais de 200 quilómetros depois de brotar das suas nascentes, o Paraopeba transformou-se num rio tóxico. Ferro, cobre, manganês e cromo são encontrados na água numa concentração muito maior do que a lei permite – e do que a saúde humana tolera.
A conclusão vem após uma série de análises de laboratório feitas a pedido da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG que organizou uma expedição com investigadores pela área afetada pela barragem da Vale em Brumadinho, tragédia ocorrida há um mês.
Segundo Malu Ribeiro, especialista em Recursos Hídricos da fundação, os metais foram encontrados ao longo de toda a extensão do Paraopeba impactada pelo Vale – cerca de 305 quilómetros, de Brumadinho a Felixlândia.
Dos 22 pontos de recolha da água, todos apresentaram índice de qualidade má (10) e péssimo (12). A análise, que segue a legislação vigente no pais, investigou 16 parâmetros, que incluem temperatura da água, oxigénio dissolvido e presença de coliformes, peixes e larvas.
“O rio Paraopeba perdeu a condição de ser fonte de abastecimento de água. Os resíduos da mineração tonaram as águas impróprias e indisponíveis para uso numa extensão de 305 quilómetros”, afirma o relatório, divulgado na terça-feira. Segundo as companhias de abastecimento que retiravam água do rio para consumo humano, as captações estão suspensas.
Os metais ferro, cobre, manganês e cromo identificados no Paraopeba têm, sem dúvida, origem na mina. Metais tóxicos foram localizados, como chumbo e mercúrio, mas a sua fonte não foi confirmada.
Estudos científicos comprovam que, para ter uma vida saudável, o ser humano precisa de doses pequenas de alguns metais como cobre, ferro, manganês e zinco – os chamados micronutrientes. Por outro lado, a ingestão direta desses metais dissolvidos na água ou acumulados nos peixes, por exemplo, provoca distúrbios no metabolismo.
Como estão em níveis muito elevados no Paraopeba depois da rutura da barragem, estes elementos causam problemas para os ecossistemas, para os animais e seres humanos.
Em alguns trechos, a concentração de cobre ultrapassa em 400 vezes o nível seguro fixado pela lei. Ingerido em grandes quantidades, o metal pode danificar rins, inibir a produção de urina e causar anemia. O cromo pode causar mutações e até morte.
“A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”, pontua Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.
No laboratório da universidade, Marcondes conduziu diversos testes com o material recolhido de Brumadinho a Felixlândia. “O manganês, por exemplo, é um elemento que está na natureza, precisamos dele no corpo. Mas, se ingerido em grande quantidade, vai alojar-se em tecidos que vão ocasionar algum tipo de lesão“, comenta.
Além dos metais e da qualidade da água, Marcondes investigou a presença de bactérias. A avalanche de resíduos, ao varrer zonas que continham fossas e criações de animais, arrastou para o rio organismos que podem também provocar danos à saúde humana.
“Isto é um efeito preocupante. As pessoas, que já estão debilitadas, podem sofrer um processo infeccioso causado por estas bactérias”, comenta Marcondes. “Segundo as nossas análises, pelos menos oito espécies encontradas são resistentes a antibióticos”, comenta sobre os resultados preliminares.
Malu Ribeiro espera que os dados sejam usados na tomada de decisões sobre a recuperação da bacia hidrográfica do Paraopeba. “Esperamos que a legislação ambiental brasileira não seja fragilizada. A fragilização das leis pode potencializar situações como a que estamos a assistir em Minas Gerais”, afirma.
Para Marta Marcondes, os resultados deveriam funcionar como um alerta. “Não se pode manter a população afetada na ignorância”, alerta.
Com base na experiência em análises de dinâmica de rios ao longo dos últimos 15 anos, faz uma previsão. “Os resíduos que escorrem pelo Paraopeba, mais cedo ou mais tarde, chegarão ao São Francisco“. Com mais de 2800 quilómetros de extensão e 18 milhões de moradores em redor da bacia, o rio é um dos mais importantes do país.
ZAP // Deutsche Welle