Os movimentos anti-vacinação e a hesitação de alguns pais em várias regiões do mundo estão a ameaçar seriamente a manutenção da alta cobertura contra o sarampo se apenas confiarmos nos atuais programas de imunização, podendo o risco de infeção aumentar 50% até 2050.
Segundo avançou o Público, é preciso pensar em novas e eficazes estratégias, adatadas à realidade de cada país e que sejam capazes de evitar o aumento de indivíduos suscetíveis (não vacinados) e, ao mesmo tempo, resolver as lacunas noutros grupos etários que escaparam aos programas e atualmente não estão protegidos.
Para (voltar a) eliminar o sarampo é preciso muito mais do que o que estamos a fazer, concluiu-se num estudo divulgado esta sexta-feira na revista de acesso BMC Medicine.
“Nos últimos anos, assistimos a um ressurgimento do sarampo mesmo em países onde, de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde [OMS], a eliminação já deveria ter sido alcançada”, lê-se na introdução do artigo.
Nos países mais ricos, “o aumento dos movimentos anti-vacinação e a hesitação parental sobre as vacinas estão a colocar grandes desafios para a obtenção e manutenção de alta cobertura com os rotineiros programas de vacinas”, constataram os investigadores do Centro para Tecnologia de Informação, em Trento, e da Universidade de Bocconi, em Milão, ambos em Itália.
Prova disso é o facto de Itália e França terem já aprovado novos regulamentos, respetivamente em 2017 e 2018, com o objetivo de aumentar as taxas de imunização entre as crianças, introduzindo a vacinação obrigatória na entrada na escola.
Neste trabalho, os investigadores estudaram sete países – Reino Unido, Irlanda, Itália, Estados Unidos (EUA), Austrália, Singapura e Coreia do Sul – para simular a evolução dos perfis de imunidade contra esta doença e avaliar o efeito de possíveis ajustes nos programas de vacinação.
No início desta semana, os Centros para Controlo e Prevenção de Doenças anunciaram um novo total de 839 casos individuais de sarampo em 23 estados dos EUA desde o início do ano, representando o maior surto de sarampo naquele país nos últimos 25 anos.
A análise teve em conta as caraterísticas demográficas específicas de cada país, considerando as atuais lacunas de imunidade em indivíduos de determinados grupos etários, bem como os dados registados em 2018.
Os cientistas apresentaram diferentes cenários para a evolução até 2050 que, resumidamente, se baseiam na melhoria ou manutenção das estratégias existentes e que são garantidas por programas nacionais de vacinação e, por outro lado, na possível adoção de outras medidas excecionais, como a introdução de uma vacinação obrigatória na entrada na escola primária em países onde existe ensino obrigatório.
Passar o limiar de segurança
O modelo mostra que, sob as atuais políticas de vacinação, apenas a Singapura e a Coreia do Sul ficariam com uma fração da população suscetível abaixo do limiar que é considerado seguro para garantir a eliminação do sarampo. Esse limiar, disseram os cientistas, não deverá ultrapassar os 7,5% da população.
“No Reino Unido, na Irlanda, nos EUA e na Austrália, o aumento da cobertura de programas de rotina acima de 95% ou a introdução de uma vacinação obrigatória na entrada da escola com cobertura acima de 40% são necessários para manter indivíduos suscetíveis abaixo de 7,5% até 2050″, concluíram no artigo.
Em 2018, a proporção da população suscetível à infeção por sarampo nos países estudados variou de 3,7% no Reino Unido a 9,3% em Itália (o único país em que a proporção foi superior a 7,5%). Na Austrália, na Irlanda, no Reino Unido e nos EUA, os programas de vacinação precisariam de continuar a assegurar a cobertura de mais de 95% da população para manter a proporção de indivíduos susceptíveis abaixo de 7,5% até 2050.
No caso de Itália, mesmo com medidas excecionais para responder a este problema, as projeções dos cientistas para 2050 apontam para um possível cenário dramático com o nível de suscetibilidade a alcançar mais de 14% da população e mais de 50% dos indivíduos suscetíveis com mais de 25 anos.
“Os nossos resultados mostram que, caso os níveis de cobertura dos programas atuais permaneçam inalterados, a percentagem de indivíduos em risco de infeção deve aumentar entre 2018 e 2050 em mais de 50% em todos os países, com exceção da Coreia do Sul”, lê-se no artigo.
Apesar de considerarem que medidas como a vacinação obrigatória na entrada na escola são “certamente benéficas”, os cientistas avisaram igualmente que isso não é suficiente para travar o perigo.
É preciso também responder às lacunas dos programas de vacinação que fizeram com que alguns indivíduos adultos de determinadas faixas etárias possam estar hoje desprotegidos. Uma coisa é certa: “As atuais políticas de vacinação não são suficientes para alcançar e manter a eliminação do sarampo na maioria dos países”.
14% das crianças com 13 meses desprotegidas
Um relatório do Centro Europeu do Controlo de Doenças de 10 de Maio analisou os dados do sarampo em 30 países europeus entre 01 de abril de 2018 e 31 de março de 2019, apontando para um total de 11.383 casos, 22 deles mortais. Só nos primeiros três meses de 2019 houve já quase quatro mil casos.
Itália, França, Roménia, Grécia e Reino Unido surgiram como os cinco países com maior número de casos no último ano analisado. Portugal surgiu como um dos países com o menor número de casos por milhão de habitantes (6,6), bem distante de França, Itália ou Luxemburgo, todos com mais de 30 casos por milhão de habitantes e também longe da média dos 30 países, com uma taxa de 22 casos por milhão de habitantes.
O Público questionou o Ministério da Saúde sobre a atual situação no país e sobre eventuais ajustes na estratégia nacional, nomeadamente a possível obrigatoriedade de vacinação na entrada da escola, para fazer face a este problema de saúde pública. No entanto, até ao final do dia de quinta-feira, não recebeu resposta. Atualmente, as escolas apenas são obrigadas a informar o delegado de saúde em caso de vacinas em falta.
Dados divulgados este mês pela Direcção-geral da Saúde indicam que 14% das crianças portuguesas com 13 meses não estavam em 2018 protegidas contra o sarampo. A vacina do sarampo, principal forma de prevenção da doença, é dada geralmente aos 12 meses. O Programa Nacional da Vacinação em Portugal estabelece que a primeira dose da vacina deve ser dada aos 12 meses e a segunda aos cinco anos.