Peritos propõem telebrabalho sempre que possível e máscara em espaços fechados

José Coelho / Lusa

Do teletrabalho sempre que possível ao uso obrigatório de máscara em espaços fechados, os especialistas fizeram várias recomendações na reunião no Infarmed.

Decorreu esta sexta-feira a reunião sobre a evolução da situação epidemiológica da covid-19 em Portugal, juntando especialistas e políticos no Infarmed, em Lisboa.

Os especialistas fizeram várias recomendações:

  • Desfasamento de horários e teletrabalho “sempre que possível”;
  • Não devem realizar-se eventos de grandes dimensões que não seja possível “controlar”, ou seja, garantir a aplicação das medidas;
  • Cumprimento das medidas gerais em centros comerciais, escolas, restauração, alojamento, hotelaria, comércio e atividades desportivas;
  • Manter o distanciamento social e usar máscara em espaços públicos perante eventual “perceção de que existe risco”;
  • Ventilação e climatização dos espaços interiores;
  • Identificação do risco e testagem regular para funcionários e visitas em lares;
  • Uso obrigatório de máscara em transportes públicos (e ter cuidado com a ventilação ou manter janelas abertas);
  • Usar máscara em veículos com vários passageiros;
  • Realizar autotestes em convívios familiares;

A reunião contou com os contributos de Pedro Pinto Leite, da DGS; Henrique de Barros, da Universidade do Porto; Baltazar Nunes e Ausenda Machado, do INSA; coronel Carlos Penha Gonçalves; Margarida Gaspar de Matos, da “task force” de Ciências Comportamentais aplicada à pandemia; e Raquel Duarte, da ARS Norte.

Pedro Pinto Leite começou por dizer que Portugal se encontra agora numa “quinta fase pandémica”, que está a ter um menor impacto na mortalidade e nas hospitalizações que as anteriores. “Encontramo-nos com 203 casos por 100 mil habitantes, com uma tendência crescente e com uma variação de mais de 47% relativamente ao período homólogo”, salientou.

O responsável da DGS informou ainda que os casos estão a afetar as faixas etárias mais jovens, sendo que o grupo etário com maior incidência é até aos nove anos, seguido do grupo etário dos 20 aos 30 anos. Não existe grande diferença de novos casos entre o sexo masculino e feminino, com exceção de uma ligeira discrepância em algumas faixas etárias, como a dos 20 aos 29 anos.

A região do Algarve é a que regista a incidência mais elevada, seguida da região Centro e da Madeira. Todas estas zonas têm uma taxa de incidência acima dos 240 casos por 100 mil habitantes. Portugal acompanha a evolução da incidência no resto da Europa, mas numa magnitude inferior.

Pedro Pinto Leite realça também que a estabilização dos casos é reflexo da administração das doses de reforço da vacina.

A taxa de mortalidade — 11,1 óbitos por milhão de habitantes — está numa “tendência crescente”, assim como a incidência da infeção e os internamentos totais e em unidades de cuidados intensivos.

A maioria dos internados são pessoas dos grupos etários entre os 60 e os 79 anos, seguidos do grupo acima dos 80 anos. “Temos observado uma ligeira subida do grupo etário entre os 40 e os 60 anos”, realça o especialista.

“Pouparam-se 2.300 vidas”

Henrique de Barros, da Universidade do Porto, foi o seguinte a falar, realçando a “transformação endémica” do coronavírus e rejeitando uma “apresentação sazonal”. Ainda assim, o perito diz que Portugal está hoje “muito melhor” do que no passado, graças ao impacto da vacinação.

O epidemiologista confirma “a força de crescimento no grupo abaixo dos 10 anos” e diz que o número de casos na população mais velha tem descido “em coincidência com o processo da terceira dose”.

“Desde maio, a adesão dos portugueses à vacina terá poupado mais de 200 mil infeções, mais de 135 mil dias de internamento e 55 mil dias em unidades de cuidados intensivos. Pouparam-se 2.300 vidas”, atirou Henrique de Barros.

“Se não queremos estar a duplicar casos num período curto”, explica o especialista da Universidade do Porto, desaconselham-se as “reuniões com muitas pessoas, com mais de 50 pessoas”. “A vacinação é a nossa medida fundamental de proteção”, concluiu.

980 casos por 100 mil habitantes em dois meses

Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, salientou o aumento de casos e transmissibilidade e traça cenários futuros.

A continuar assim, a linha dos 240 casos por 100 mil habitantes deve ser atingida em menos de duas semanas — e a dos 480 e 960 podem ser atingidas em um ou dois meses.

Ainda assim, Portugal é dos países europeus com menor impacto no nível da mortalidade e “coloca-se como o país claramente com melhor cobertura vacinal”, o que sugere que “a cobertura vacinal tem um impacto populacional a nível de redução da mortalidade”.

“Se não houvesse programa de vacinação, dos 65 aos 79 anos haveria 119 óbitos desde agosto, mas só houve 13”, atirou.

Portugal está agora num cenário em que já há perda de efetividade da vacina, mas ainda numa fase “inicial” do crescimento e com medidas para contrariá-lo.

O pico de ocupação das unidades de cuidados intensivos será no final de janeiro e princípio de fevereiro, especifica Baltazar Nunes. “Precisamos de vacinar praticamente toda a população elegível para a vacinação” antes do fim de dezembro, acrescenta.

O perito frisa ainda que é “claramente vantajoso e muito importante” atingir os objetivos de administração da dose de reforço aos maiores de 65 anos.

Eficácia superior a 80% contra hospitalização

Por sua vez, Ausenda Machado, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, diz que a proteção da vacina na população com 30 ou mais anos está sensivelmente “acima de 50%”, sendo que a eficácia é mais elevada na população mais jovem. No que toca a internamentos, a efetividade da vacina é superior a 80%.

No que toca à efetividade das vacinas em cidadãos de 80 ou mais anos, aos 249 dias depois de completada a vacinação, a efetividade está nos 47%. Aos 41 dias depois de administrada a última dose, a eficácia é elevada, mas depois começa a cair.

“As vacinas são efetivas na redução da doença, em particular quando olhamos para doença grave ou muito grave. Contra infeção é superior a 50% e contra hospitalização é superior a 80%”, atira Ausenda Machado.

Vacinação contra covid-19 e gripe está bem encaminhada

O coronel Carlos Penha-Gonçalves, que lidera o núcleo de coordenação do plano de vacinação contra a covid-19, falou do plano para vacinar contra a gripe e a covid-19, num total de 4,5 milhões de inoculações.

Quanto à campanha de vacinação contra a gripe, estão vacinados cerca de 73% das pessoas com mais de 80 anos, 42% das pessoas dos 70 aos 79 anos e 20% dos 65 aos 79 anos. Ainda há 730 mil pessoas por vacinar, cerca de 25 mil vacinas por dia.

Relativamente à vacina contra o novo coronavírus, há 630 mil pessoas que já receberam a terceira dose, sendo que dois terços delas também tomaram a vacina contra a gripe.

A adesão “está a crescer”, garante Carlos Penha-Gonçalves, estando agora nos 80%. A continuar assim, haverá 600 mil pessoas para vacinar até 19 de dezembro, cerca de 20 mil pessoas por dia.

Portugal está a considerar a terceira dose para recuperados com mais de 65 anos, pessoas de 65 anos com mais de cinco meses de vacinação e pessoas com mais de 18 anos que tenham tomado a vacina da Janssen, algo que duplica o esforço de planeamento.

“A duplicação da capacidade não acontece instantaneamente”, diz o coronel, realçando que a task-force está a readaptar-se.

Margarida Gaspar de Matos, da task-force de Ciências Comportamentais aplicada à pandemia, diz que talvez o uso da expressão “reforço” da vacina não tenha sido a melhor escolha: “Se calhar enganámo-nos em falar de reforço, porque dá ideia que nos enganámos na dose”, explicou, falando em contrapartida do termo “atualização de vacinação”.

A especialista diz ainda que “neste momento, a perceção de risco por parte dos mais novos é praticamente nula”.

“Vêm ai várias barreiras no sentido de facilitar a propagação do vírus, o Natal, os visitantes que entram no Natal, o frio que impede capacidade de arejamento”, teme Margarida Gaspar de Matos.

Além disso, a psicóloga diz ainda que um em cada dois jovens em idade escolar “apresenta sinais de sofrimento de sofrimento psicológico”.Natal pode duplicar ou triplicar casos

Natal pode duplicar ou triplicar casos

Raquel Duarte, da ARS Norte, concorda que o Natal pode ser palco para uma “duplicação ou triplicação” do número de infeções.

“Porque é que nos focamos tanto no Natal? Temos aumento do risco de crescimento exponencial, duplicar ou triplicar casos, e aumento absoluto de casos graves pode aumentar de forma proporcional”, disse a especialista do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

Apesar de haver menos hospitalizações e mortes devido à vacinação, estamos a assistir a uma tendência de “agravamento”, explica Raquel Duarte.

A responsável da ARS Norte recomenda ainda algumas medidas para controlar a propagação do coronavírus: vacinação, não frequentar espaços públicos com muitas pessoas, estar em espaços abertos, manter um círculo social pequeno, manter o distanciamento social, usar máscara e minimizar contacto de pessoas com sintomas.

Além da vacinação, também a testagem — que deve ser “desmistificada” — é importante para conter a pandemia. A realização de testes à covid-19 deve ser feita em grupos vulneráveis, pessoas que contactam com pessoas que não estão vacinadas e em situações de maior concentração. Deve-se, por isso, aumentar “a cultura de recurso ao autoteste”.

Costa vai ouvir partidos

À saída da reunião no Infarmed, Marcelo Rebelo de Sousa adiantou que António Costa vai ouvir os partidos com lugar na Assembleia da República sobre as propostas para conter a pandemia.

O Presidente da República realça que se trata de “reapresentar” propostas que já tinham sido tornadas públicas em setembro.

“Milhares e milhares de casos não ocorreram, milhares de dias de internamento não foram necessários, mortos não se verificaram. A vacinação provou ter sido essencial como processo para fazer a diferença”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa.

Por sua vez, a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos diz que “a pandemia ainda não acabou” e que “há medidas que temos de acatar”.

“Percebemos que há uma série de medidas que podem ser tomadas à semelhança do que já foi no passado. A situação não é comparável a situações mais severas que já vivemos. Estamos mais protegidos em relação a doença severa, mas há medidas que temos que acatar“, disse em reação à reunião no Infarmed.

Ricardo Baptista Leite, do PSD, começou por pedir um reforço de meios para os centros de vacinação, sob pena de não se atingir a meta de vacinação até dia 19 de dezembro.

O deputado bloquista Moisés Ferreira reiterou a necessidade de reforço do Serviço Nacional de Saúde.

“O SNS não pode continuar a suspender atividade a cada vaga da pandemia. Depois de quase dois anos de pandemia não se justifica a suspensão de atividade com a vacinação que existe”, atirou.

Bernardino Soares, do PCP, concorda: “Se não reforçarmos estes meios não vamos conseguir atingir o objetivo de uma cobertura vacinal reforçada antes do Natal que nos garante que não vamos atingir as linhas vermelhas dos internamentos e, em particular, dos cuidados intensivos”.

Da parte do CDS, Cecília Anacoreta Correia recupera a proposta da “via verde saúde” para que o Governo ative os setores social e privado para apoiar a assistência não-covid.

Além do reforço de capacidade do SNS, Mariana Silva, do PEV, pediu ainda o reforço na fiscalização do cumprimento de recomendações nos locais de trabalho e o reforço dos transportes públicos.

A liberal Carla Castro salientou que é responsabilidade única do Governo “evitar a onda pandémica sem ultrapassar linhas vermelhas”.

“Para evitar a onda pandémica sem ultrapassar as linhas vermelhas depende de vacinar 99% das pessoas com mais de 65 anos sem proteção. Há uma responsabilidade enorme do lado do governo para garantir um processo de vacinação célere e atempado”, atirou.

Daniel Costa, ZAP //

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