O Banco de Portugal não será o único culpado pela queda do BES. O Relatório Costa Pinto aponta o dedo à CMVM, à KPMG e PwC, e ao Banco Nacional de Angola.
O Relatório Costa Pinto — que argumenta que o Banco de Portugal tinha conhecimento dos problemas do BES e tinha poderes para fazer mais, melhor e mais cedo — também aponta culpas à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), às empresas de auditoria e, ainda, ao congénere do Banco de Portugal em Angola, o BNA.
Essas são outras entidades que tinham responsabilidades no controlo e fiscalização do Banco e do Grupo Espírito Santo e cujas falhas são apontadas no relatório, escreve o Observador.
O relatório conclui que houve uma “supervisão ineficaz” da CMVM na comercialização pelo banco de produtos financeiros que serviram para financiar as empresas não financeiras do GES, e que numa fase final foram concebidos e vendidos de forma a contornar as ordens de travão dadas a estas práticas de financiamento do grupo.
O aumento de capital realizado em maio de 2014 — considerado pelo Financial Times como “um dos piores negócios da história” — também é um ponto visado.
“A informação ao dispor dos reguladores, nomeadamente do Banco de Portugal e da CMVM, no momento da emissão do prospeto do aumento de capital, perspetivava que o incumprimento da ESI [Espírito Santo International] não era um mero risco potencial, como indicado no prospeto. Nesta questão específica, não está em causa a atuação do Banco de Portugal, que cumpriu os deveres de cooperação com a CMVM”, lê-se no relatório Costa Pinto.
“Não obstante as conclusões do relatório, a CMVM decidiu aprovar, ainda no dia 20 de maio, o prospeto da emissão acionista do BES no montante de 1.045 milhões, embora com uma referência explícita aos riscos incorridos pelos investidores devido à situação da ESI”, lê-se ainda.
Para os autores do documento, havia sinais claros desde 2012 “de que a CMVM não estava a disciplinar adequadamente a comercialização de produtos financeiros aos balcões do BES, com destaque a para a venda de obrigações próprias do banco, de unidades de participação de fundos de investimento e de papel comercial de entidades não financeiras do GES”.
No relatório há ainda 518 referências à auditora KPMG, que acompanhou o BES entre 2002 e 2014, ano do colapso.
O Banco de Portugal viria mesmo a condenar a auditora a pagar uma coima de 3 milhões de euros por causa do BES Angola, considerando terem havido “infrações especialmente graves”. No final de 2020, o Tribunal da Concorrência absolveu a auditora KPMG e cinco dos seus sócios. O Banco de Portugal recorreu dessa decisão.
A apreciação de Costa Pinto é que a auditora foi “claramente negligente” no dever de informação ao supervisor, escreve o Observador.
A comissão de inquérito ao BES diz ter “uma opinião muito crítica sobre a atuação do auditor externo KPMG em várias fases do processo que levou ao colapso do BES, a qual se reporta a aspetos de falta de qualidade técnica do trabalho desenvolvido, a problemas no cumprimento de deveres de informação face à materialidade das situações em causa a cada momento e ainda a questões graves do ponto de vista ético”.
Em 2002, a PwC decidiu deixar de auditar as contas do grupo financeiro do BES, ao fim de dez anos. Questionada pelo Banco de Portugal, a auditora disse que a cessação de funções não tinha por base factos relevantes que fossem do interesse do supervisor.
Treze anos depois, a audição do sócio responsável pela PwC em Portugal na comissão de inquérito ao BES revelou que uma das razões para interromper o contrato com o grupo tinha sido, afinal, o incumprimento básico de regras básicas de governação na holding ESGF e no BES e com o facto de Ricardo Salgado acumular a presidência de vários órgãos sociais do grupo.
O documenta lança crítica à PwC por omitir os problemas de governance que justificaram a sua saída, revelando “um comportamento de desrespeito por padrões éticos que deveriam pautar a atuação das empresas de consultoria e auditoria”.
O relatório considera ainda “que o comportamento do BNA (Banco Nacional de Angola), conjuntamente com o dos auditores externos, contribuiu de modo essencial para explicar a atuação do Banco de Portugal, na medida em que este não tinha condições para aferir tempestivamente que as diversas comunicações prestadas pelo BNA não refletiam a situação efetiva do BESA”.