Golpe de Estado ou a Terceira República? Referendo na Tunísia ameaça enterrar a Primavera Árabe

A Tunísia vota esta segunda-feira uma nova Constituição, num referendo que o Presidente Kais Saied acredita que ajudará na luta contra a corrupção, mas que a oposição e a sociedade civil encaram como um regresso à era do ditador Zine al-Abidine Ben Ali e o fim da Primavera Árabe.

Há um ano, Saied dissolveu o Governo e suspendeu o Parlamento. Desde então, tem governado por decreto e promovido a elaboração da nova Constituição, se preparando para mudar o sistema político e gerando críticas imediatas da oposição.

Este novo texto fundamental, que substitui o de 2014 – surgido da revolução tunisina -, dará demasiados poderes ao chefe de Estado, tem apontado a oposição.

E, como notou o Expresso, 25 de julho é o Dia da República na Tunísia. Nesse dia, em 1957, os tunisinos aboliram a monarquia e fundaram a Primeira República. Saied escolheu a mesma data para a votação da Terceira República, após as frustrações da Segunda República.

“Ao contrário da Constituição de 2014, que surgiu de um processo negociado, esta nova (…) recebeu poucos contributos de vozes diversas. É um texto que vem diretamente do Presidente ou do seu círculo mais próximo”, indicou recentemente Zaid al-Ali, do Instituto Internacional para a Democracia e Apoio Eleitoral (IDEA),

E as críticas da oposição – que teme um controlo absoluto do poder por parte de Saied – não cessam: a nova Constituição não inclui controlo sobre o chefe de Estado, não havendo forma de o impugnar. Este pode ainda escolher o primeiro-ministro e os ministros, dissolver o Parlamento e nomear juízes – há dois meses, despediu 57.

Além disso, é uma Constituição laica, que não consagra o Islão como religião do Estado, o que pode limitar a atividade política dos partidos islamitas, entre os quais o Ennahda. Este tem apelado ao boicote ao referendo, no qual se espera uma participação reduzida.

“O povo tunisino vai mostrar a Saied que não está interessado neste caminho populista e vai boicotar este referendo ilegal”, afirmou Nejib Chebbi, membro da coligação antirreferendo, que inclui o Ennahda. Centenas de pessoas manifestaram-se contra a consulta popular, sexta e sábado, nas ruas de Tunis.

A nova Constituição foi redigida por académicos selecionados pelo Presidente e uma consulta pública digital reuniu opiniões de apenas 500 mil cidadãos. Só quatro partidos, um deles o nacionalista Echaab, participaram. Os demais, entre os quais o Ennhada, e a maior central sindical, a UGTT, foram excluídos do processo.

O jurista Sadeq Belaid, que chefiou a comissão de redação, avisou que a nova Constituição “poderá levar a um regime ditatorial”. “Declaro, com pena e em plena consciência, que o comité não tem nada que ver com o documento que será referendado”, declarou à agência AFP.

O evento que culminou na Primavera Árabe ocorreu em 2011, quando a imolação vendedor de rua Mohamed Bouazizi desencadeou os primeiros protestos, que alastraram ao Egito, Líbia, Síria e outras nações árabes. Após a queda do regime de Ben Ali, o país mergulhou na instabilidade política e numa crise económica.

ZAP //

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