Plano apresentado pelo Governo esta quinta-feira diverge do proposto pelos peritos, sobretudo na data prevista para a imunidade de grupo e, consequentemente, para o levantamento de medidas restritivas. Apesar das medidas anunciadas que sugerem um regresso à normalidade, há ainda questões por resolver.
Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião do Conselho de Ministros desta semana, António Costa deu ao país as boas notícias que muitos aguardavam. Portugal vai avançar no desconfinamento com muitas das medidas restritivas em vigor a serem suspensas já no próximo domingo. É o caso da limitação da circulação na via pública, da proibição de público em eventos culturais e desportivos. a lotação máxima de 25% para casamentos ou batizados, do teletrabalho obrigatório e do encerramento de bares.
Para justificar a decisão, o primeiro-ministro evocou um plano de regresso à normalidade composto por três fases, dependendo da evolução do processo de vacinação. No entanto, este plano diverge do apresentado e sugerido pela epidemiologista Raquel Duarte e a sua equipa, o qual se organizava em quatro níveis. O Governo segue um caminho diferente do recomendado pelos peritos, com algumas medidas que eram previstas pelos especialistas apenas para fases posteriores da pandemia a serem antecipadas.
É o caso da lotação dos espetáculos culturais, em que o Executivo vai permitir uma ocupação dos espaços na ordem dos 66% já na fase 1, face aos 50% sugeridos pelos especialistas.
A fase seguinte do plano (fase 2), possível quando 71% da população estiver totalmente inoculada — o que deverá acontecer a 5 de setembro, nos planos do Governo —, trará o fim da obrigatoriedade do uso de máscara na via pública, assim como o aumento da lotação dos recintos de eventos de casamentos e batizados para 75%, à semelhança do que acontecerá nos espetáculos culturais. Os transportes públicos, por sua vez, deixarão de ter ocupação máxima e os serviços públicos deixarão de funcionar sem marcação prévia.
Ainda nesta fase, o Governo é mais restritivo do que os especialistas em saúde pública, uma vez que atira as medidas respeitantes à lotação em grandes eventos interiores e em casamentos e batizados para duas semanas mais tarde do que o previsto — segunda quinzena de agosto.
No que concerne à fase 3 desenhado pelo Governo, este inclui os níveis 3 e 4 apresentados pelos especialistas, nos quais estavam previstas medidas consoante uma taxa de vacinação entre os 70% e os 85% (no final de agosto) e superior a 85% (correspondente à imunidade de grupo, prevista para Setembro). Neste momento da pandemia (que para o Governo corresponde à imunidade de grupo), está marcada a abertura de discotecas, com apresentação de certificado digital ou teste negativo obrigatória, os restaurantes deixarão de ter limite de lotação e de grupos.
Nestas últimas medidas, há, tal como escreve o Expresso, “um encontro de vontades e um ligeiro desencontro de datas” — que se justifica com previsões divergentes para quando será atingida a imunidade de grupo. Segundo o plano dos especialistas, a restauração e similares (bares incluídos) podiam manter-se abertos com medidas restritivas e estava previsto um relaxamento na lotação em espaços anteriores.
Os transportes públicos também são motivo de discórdia entre o Governo e os peritos em saúde pública. Como referido anteriormente, o Executivo aponta para a segunda quinzena de agosto o fim da lotação nestes serviços. No entanto, os especialistas propunham que pelo menos até ao final de agosto, primeiro, se assegura-se os sistemas de ventilação e climatização adequados, assim como a sua manutenção.
Caso estas condições não fossem cumpridas, dever-se-ia apostar na ventilação mecânica através de janelas abertas. O uso de máscara continuaria a ser obrigatório e o distanciamento social deveria ser mantido sempre que possível.
No que respeita ao teletrabalho, esta deixa de ser obrigatório já a partir de domingo, passando a ser recomendado. Contudo, na visão dos especialistas, o desfasamento de horários e o teletrabalho devem permanecer “sempre que possível” até se atingir a imunidade de grupo — uma questão de semântica? Talvez. Mesmo assim, há um mês a separar as duas propostas.
Regresso à normalidade com dúvidas para os especialistas resolverem
A conferência de imprensa de ontem também serviu para o Governo apresentar os serviços e situações em que a apresentação do certificado digital ou teste negativo à Covid-19 devem são obrigatórias, para além do que já era conhecido.
Assim sendo, viagens por via aérea ou marítima, estabelecimentos turísticos e alojamento local, restaurantes no interior (ao fim de semana e feriados), ginásios (para aulas de grupo), termas e spas, casinos e bingos passam a ser contextos em que a entrada ou participação está dependente do cumprimento destes critérios já enunciados.
O mesmo acontece nos eventos culturais, desportivos ou corporativos com mais de 1.000 pessoas (em ambiente aberto) ou 500 pessoas (em ambiente fechado) e em casamentos e batizados com mais de 10 pessoas.
Apesar de Portugal avançar a passos largos para o regresso à normalidade há ainda questões por resolver, sobretudo pelos peritos da Direção geral de Saúde. Nos últimos dias, a polémica instalou-se devido à vacinação dos mais jovens, com os especialistas a dividirem-se sobre a pertinência e necessidade da medida, uma vez que as faixas etárias mais baixas apresentam riscos diminutos de infeção grave.
Mesmo assim, António Costa afirmou que “a task force está preparada para a vacinação integrak das cerca de 500 mil crianças e jovens entre os 12 e os 18 anos”, acrescentando que a medida seria “uma garantia acrescida para se iniciar o ano letivo com tranquilidade”.
Na eventualidade de a vacinação neste grupo não avançar, ou caso os pais escolham não vacinar os seus filhos, coloca-se outra questão: devem os jovens ter que apresentar testes negativos nas situações referidas anteriormente, tal como acontece atualmente? António Costa, confrontado com a pergunta, passou a bola à DGS. “Vamos aguardar a decisão da DGS sobre a vacinação para perceber em que medida é exigível o teste”.
O primeiro-ministro sublinhou, ainda assim, que com o avançar da vacinação menos relevantes se tornarão os testes — com uma ressalva. “Admitemos que a DGS considera que para uma criança de 12 anos não se justifica a vacinação por ter um baixo risco de transmissão. Bom, então também não faz sentido exigir-lhe o teste”, afirmou.
Em cima da mesa face à taxa de vacinação que Portugal apresenta (superior à média da União Europeia), está também a redução do período de isolamento profilático. Também aqui, António Costa chamou a cena a DGS e os seus peitos. “Esses períodos são decididos pelas autoridades de saúde pública e não pelo Governo, por isso o Governo não tem de se pronunciar sobre essa matéria”, atirou.
Finalmente, a hipótese da terceira dose da vacina foi também abordada pelo primeiro-ministro, numa altura em que, por exemplo, a farmacêutica norte-americana Pfizer revelou que um reforço da sua vacina poderia aumentar “fortemente” a proteção dos indivíduos contra a variante Delta.
“Neste momento não há qualquer decisão final sobre isso. Não posso dizer que sim”, afirmou António Costa. A verdade é que o Governo português anunciou recentemente uma encomenda extra de vacinas, as quais podem servir o propósito defendido pela Pfzier ou, segundo o primeiro-ministro, “para proceder anualmente à revalidação da vacina”.
Segundo o primeiro ministro, citado pelo Expresso, “a permanência deste vírus é para nós uma eternidade” e “para a ciência tem ainda um tempo de vida muito curto”.