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Quem escreveu a Bíblia? A IA tenta responder

Canterbury Cathedral

Já alguma vez se perguntou quem escreveu a Bíblia? Se é um mistério que gostaria de ver desvendado, agora essa revelação está mais próxima do que nunca, visto que a Inteligência Artificial (IA) pode ajudar.

O Livro Sagrado foi escrito há muitos séculos e foi transcrito e reeditado inúmeras vezes até chegar à versão que conhecemos hoje. Por isso, a Bíblia não tem um único autor, e os crentes aceitam-na tal como está. Afinal, a palavra e a história de Deus foram passadas de geração em geração ao longo de milénios.

No entanto, segundo o BGR, isto não satisfaz os estudiosos, que procuram perceber se um mesmo grupo de autores escreveu as Escrituras, ou se vários autores intervieram na composição dos textos.

Investigadores da Universidade de Haifa, da Universidade de Duke e do Collège de France desenvolveram um algoritmo capaz de distinguir os estilos dos diferentes livros da Bíblia. Esta tecnologia consegue determinar, com grande precisão, se uma secção foi escrita pelo mesmo autor ou por outro.

A investigação é fascinante, uma vez que confirma algumas teorias sobre os autores bíblicos que já existiam antes da IA poder ser utilizada. Além disso, a tecnologia permite identificar capítulos que provavelmente foram adicionados por diferentes escritores ao longo do tempo.

Ainda mais interessante é o facto de esta mesma tecnologia poder ser aplicada a outros textos antigos para verificar se têm um autor comum — conhecido ou não.

O que o estudo com IA, publicado na revista PLOS ONE, não consegue fazer é identificar as pessoas reais que escreveram a Bíblia.

Não há autores da Bíblia no sentido moderno do termo”, explicou Thomas Römer, especialista em estudos bíblicos no Collège de France e um dos coautores do estudo com IA. “As versões originais dos pergaminhos foram constantemente retrabalhadas e reescritas por redatores, que acrescentaram, alteraram e por vezes também eliminaram partes dos textos anteriores”.

O objetivo dos cientistas não era descobrir quem foram os autores originais da Bíblia — uma tarefa impossível —, mas sim testar teorias sobre se determinados capítulos foram escritos por certas escolas ou correntes literárias.

O estudo centrou-se em três escolas de escrita identificadas nos cinco primeiros livros da Bíblia: o Deuteronómio, a História Deuteronomista e os Escritos Sacerdotais.

O Deuteronómio, escrito há cerca de 2.800 anos, relata como Deus escolheu Jerusalém para ser o centro do culto sacrificial.

A História Deuteronomista acompanha a história de Israel, do Livro de Josué até aos livros de Reis I e II, e é inspirada no Deuteronómio.

Os Escritos Sacerdotais incluem passagens do Génesis, do Êxodo e do Levítico. Estes textos foram redigidos há cerca de 2.500 anos e têm um estilo distinto dos outros.

Em vez de analisarem a gramática ou o estilo literário, os investigadores focaram-se na distribuição e combinação de palavras para determinar se determinado capítulo ou livro tinha origem num mesmo autor ou grupo.

“Descobrimos que cada grupo de autores possui um estilo próprio, mesmo ao utilizar palavras simples e comuns como ‘não’, ‘que’ ou ‘rei’. O nosso método consegue identificar com precisão essas diferenças”, afirmou Römer num comunicado.

A equipa criou dicionários com os termos mais característicos de cada uma das três escolas. Com base nesses dicionários, usaram IA para analisar 50 capítulos dos primeiros nove livros da Bíblia Hebraica, cuja autoria já tinha sido atribuída por estudiosos a uma das três escolas.

“Em 84% dos casos, a atribuição automática coincidiu com a avaliação feita pelos estudiosos da Bíblia”, escreveram os cientistas. O método revelou-se mais eficaz em textos mais extensos. Além disso, cinco dos oito erros de classificação ocorreram entre o Deuteronómio e a História Deuteronomista, que têm estilos bastante próximos.

A IA foi ainda capaz de explicar os motivos pelos quais atribuía determinada secção a um grupo específico.

Os investigadores fizeram outro teste para confirmar se o algoritmo funcionava corretamente. Analisaram textos bíblicos cuja origem é debatida. Um exemplo é a Narrativa da Arca, nos livros de I Samuel e II Samuel.

A maioria dos estudiosos considera que ambos os livros foram escritos pelos mesmos autores, mas uma minoria defende que I Samuel conta uma história diferente.

O modelo de IA apoiou esta visão minoritária, indicando que I Samuel e II Samuel têm autores diferentes, com estilos e vocabulários distintos. I Samuel não corresponde a nenhuma das três escolas, enquanto II Samuel está alinhado com a História Deuteronomista.

O estudo também confirmou que outras partes da Bíblia Hebraica possuem identidade própria. Algumas histórias sobre Abraão e o Livro de Ester não se enquadram em nenhuma das três grandes escolas, o que sugere que foram acrescentadas mais tarde.

Esta investigação não consegue identificar autores individuais, mas ajuda a esclarecer dúvidas sobre a autoria tanto de textos bíblicos como de outros documentos antigos de origem incerta.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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