O ambicioso projeto da China para criar novos alimentos no Espaço

rach2k / Flickr

À primeira vista, são idênticas a qualquer outra planta de trigo balançando ao vento, em qualquer parte do mundo. Mas os vastos campos de produção no nordeste da China não abrigam plantas comuns — elas foram criadas no espaço sideral.

São de uma variedade chamada Luyuan 502 e são o segundo tipo de trigo mais cultivado na China. As plantas cresceram de sementes que orbitaram a Terra a 340 km acima da superfície.

Nesse ambiente único com baixa gravidade e fora do campo magnético protetor da Terra, elas sofreram mudanças subtis no seu ADN que lhes forneceram novas qualidades, aumentando a sua tolerância à seca e a sua resistência a certas doenças.

As plantas são um exemplo de um crescente número de novas variedades de safras alimentícias importantes que estão a ser criadas em naves e estações espaciais na órbita do nosso planeta. São submetidas à microgravidade e bombardeadas por raios cósmicos que causam mutações — um processo conhecido como mutagénese espacial.

Embora algumas das mutações deixem as plantas incapazes de crescer, outras podem ser vantajosas. Algumas tornam-se mais rígidas e capazes de suportar condições extremas de crescimento, enquanto outras produzem mais alimento com uma única planta, crescem mais rápido ou precisam de menos água.

Quando trazidas de volta para a Terra, as sementes dessas plantas cultivadas no espaço são cuidadosamente selecionadas e adicionalmente cultivadas, para criar versões viáveis de alimentos populares.

Num mundo com uma pressão cada vez maior sobre a agricultura devido às mudanças climáticas e a cadeias de fornecimento vulneráveis, que evidenciaram a necessidade de cultivar os alimentos mais perto do seu local de consumo, investigadores agora acreditam que o cultivo no espaço pode ajudar a adaptar a produção agrícola a esses novos desafios.

“A mutagénese espacial gera belas mutações“, segundo Liu Luxiang, o principal especialista em mutagénese espacial da China e diretor do Centro Nacional de Mutagénese Espacial para Aprimoramento da Produção Agrícola do Instituto de Ciências da Produção da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas, na capital da China, Pequim.

A variedade Luyuan 502, por exemplo, tem um rendimento 11% maior do que a variedade de trigo padrão cultivada na China, melhor tolerância à seca e maior resistência às pragas mais comuns do trigo, segundo a Agência Internacional de Energia Atómica, que coordena a cooperação internacional no uso de técnicas de irradiação para criar novos tipos de produtos agrícolas.

“[A Luyuan 502] é uma história real de sucesso“, afirma Liu. “Ela tem um potencial muito grande de produção e adaptabilidade. Pode ser cultivada em muitas áreas diferentes, sob condições distintas.”

Essa adaptabilidade é que torna a Luyuan 502 um sucesso tão grande entre os agricultores no panorama agrícola amplamente diversificado da China, com as suas grandes variações de clima.

Ela é apenas uma dentre mais de 200 variedades agrícolas que sofreram uma mutação no espaço criadas pelos chineses nos últimos 30 anos, segundo Liu. Além de trigo, cientistas chineses produziram arroz, milho, soja, alfafa, gergelim, algodão, melancias, tomates, pimentões e outros vegetais cultivados no espaço.

Dezenas de missões

A China tem feito experiências com a mutagénese espacial desde 1987 e é o único país do mundo que usa essa técnica de forma consistente.

Cientistas chineses anunciaram o primeiro produto agrícola cultivado no espaço – um tipo de pimentão chamado Yujiao 1 – em 1990. Liu afirma que, em comparação com as variedades convencionais de pimentão cultivadas na China, o Yujiao 1 produz frutos muito maiores e é mais resistente a doenças.

O crescimento da China como potência espacial global nas últimas décadas permitiu que o país colocasse milhares de sementes em órbita. Em 2006, teve seu maior lote já lançado ao espaço – mais de 250 kg de sementes e micro-organismos de 152 espécies – a bordo do satélite Shijian 8.

Em maio deste ano, 12 mil sementes – incluindo diversos tipos de gramíneas, aveia e alfafa – retornaram de uma visita de seis meses à estação espacial chinesa Tianhe, como parte da missão tripulada Shenzhou 13.

Os chineses chegaram a mandar um lote de sementes de arroz para uma viagem de ida e volta à Lua com a missão Chang’e-5, que colocou um módulo sobre a superfície lunar em novembro de 2020. Segundo a imprensa chinesa, essas sementes de arroz lunar produziram grãos com sucesso em laboratório, depois do seu retorno à Terra.

“Nós beneficiamos do forte programa espacial da China”, afirma Liu. “Podemos usar satélites recuperáveis, plataformas em grande altitude e também naves espaciais tripuladas para mandar nossas sementes para o espaço até duas vezes por ano e usar essas instalações espaciais para a melhoria da produção.”

Características úteis

As sementes são enviadas em viagens que duram desde apenas quatro dias até vários meses. Nesse ambiente incomum, diversas mudanças podem acontecer nas sementes e nas plantas.

Em primeiro lugar, a radiação cósmica e solar de alta energia pode prejudicar o material genético das sementes, gerando mutações ou aberrações cromossómicas que são transmitidas para as gerações futuras.

O ambiente de baixa gravidade também pode gerar outras mudanças. Plantas que germinam e são cultivadas em microgravidade exibem mudanças do formato celular e da organização de estruturas no interior das próprias células.

Na maioria dos casos, os cientistas chineses enviam as sementes para o espaço e germinam-nas quando elas voltam para a Terra. As mudanças são então selecionadas de acordo com características úteis que forneçam vantagens sobre variedades de safras mais tradicionais.

Os cientistas estão em busca de mudanças que gerem frutos maiores, reduzam a necessidade de irrigação, melhorem os perfis de nutrientes, aumentem a resistência a alta ou baixa temperatura ou aumentem a resiliência contra doenças.

A mutagénese acelera os processos de mutação natural do ADN dos organismos vivos, expondo-os à radiação. Mas, enquanto que a mutagénese nuclear usa raios gama, raios X e feixes de íons de fontes terrestres, a mutagénese espacial baseia-se no bombardeio de raios cósmicos espalhados pelo Espaço em volta do nosso planeta.

Na Terra, somos protegidos desses raios de alta energia pelo campo magnético do planeta e pela sua espessa atmosfera. Mas, em órbita, os satélites e aeronaves são expostos constantemente a essa radiação, vinda principalmente do Sol.

A mutagénese nuclear e espacial podem ajudar a reduzir até pela metade o tempo de desenvolvimento de novas variedades agrícolas, segundo Shoba Sivasankar, chefe do grupo conjunto de Genética e Cultivo Vegetal da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Nos anos 1950, a maioria dos países desenvolvidos tinha os seus programas de cultivo nuclear, fazendo experiências não apenas com raios X, mas também com raios UV e raios gama.

“Naquela época, havia muitos esforços na Europa e na América do Norte”, segundo Sivasankar. “Muitas variedades novas criadas com a ajuda da mutagénese nuclear foram anunciadas. Mas, nas últimas duas a três décadas, muitos desses países abandonaram a técnica. Os Estados Unidos, especialmente, voltaram-se para as tecnologias transgénicas que permitem a inserção de pedaços de ADN externo no genoma das plantas em laboratório.”

Mas a mutagénese nuclear não desapareceu. Países da Ásia e da Oceânia mantiveram o seu entusiasmo, chefiados pela China, cada vez mais confiante. Continuam a enriquecer o banco de dados de variedades agrícolas mutantes da AIEA, que atualmente engloba 3.300 variedades recém-desenvolvidas.

A China considera que o esforço de melhorar o conjunto genético das suas safras agrícolas é uma necessidade. Segundo Liu e sua equipe, o mundo precisa de aumentar sua produção de cereais vitais em 70%, se quiser alimentar mais dois mil milhões de pessoas que, segundo as estimativas, devem estar a viver no planeta em 2050. Segundo eles, a população crescente na região da Ásia e da Oceânia é a que enfrenta o maior risco de sofrer com a falta de alimentos.

Com a mutagénese espacial e nuclear, a China sozinha desenvolveu e introduziu mais de 800 novas variedades, melhorando todas as características principais em comparação com os produtos originais, segundo a AIEA.

Mas uma questão permanece: qual a vantagem de enviar sementes para o Espaço quando o mesmo pode ser feito em laboratórios na Terra?

Liu admite que o envio de sementes para o espaço custa mais do que colocá-las em irradiadores em terra. Ainda assim, as viagens espaciais parecem fornecer claros benefícios e frequentemente produzem resultados mais interessantes.

“No Espaço, a intensidade da radiação é consideravelmente menor, mas as sementes são expostas a esta por um período de tempo muito mais longo. Aquilo que chamamos de transmissão de energia linear das partículas e seu efeito biológico geral é maior no Espaço e existe uma taxa muito menor de danos às sementes, em comparação com as sementes irradiadas em laboratório”, explica ele.

“Todas essas técnicas são muito úteis e ajudam-nos a resolver alguns problemas muito reais”, afirma Liu. “Existem muito poucas oportunidades de enviar sementes ao espaço. Não podemos depender apenas disso.”

ZAP // BBC

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