As 60 falácias e as conservas: a “brincadeira” no programa do Governo

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José Sena Goulão / LUSA

O primeiro-ministro, Luis Montenegro, à chegada para a discussão do programa de Governo

AD quis dar a ideia de abertura e diálogo, mas não andou a perguntar “porta a porta” quais eram as medidas que os outros partidos queriam.

O programa de Governo, que a esta hora já começou a ser debatido na Assembleia da República, foi apresentado nesta quarta-feira.

Como era expectável e lógico, o documento inclui basicamente as garantias que a AD já tinha deixado ao longo da campanha eleitoral.

Algumas medidas destacam-se: aumento dos salários, descida de impostos, médico de família para todos, “travão” à imigração e “revolução” no SNS e Mais Habitação.

Mas há diversos pontos vagos.

Indefinições

Na saúde, por exemplo: a ideia é “governação menos verticalizada e mais adequada à complexidade das respostas”, com uma melhor “articulação entre redes de cuidados e modelos de contratualização e financiamento, infraestruturas, recursos humanos e transformação digital na saúde” – e um novo modelo de contratualização do SNS, “sujeito a uma supervisão profissional exigente e transparente”.

Se, em relação à recuperação do tempo de serviço dos professores, há números (20% por ano ao longo dos próximos cinco anos), nas forças de segurança – assunto mais complexo, alega o PSD – o Governo indica que vai iniciar com urgência um processo de negociação para a “dignificação das carreiras” e “valorização profissional e remuneratória”.

É prometido um programa de parcerias público-privadas para construção e reabilitação “em larga escala”. Novamente, sem mais detalhes.

Mesmo em relação às reformas fiscais, há prazos que não ficaram bem definidos. Sobre a redução do IRS, não há qualquer indicação concreta sobre uma alteração legislativa concretizada ainda em 2024 – algo que estava no programa eleitoral da AD.

As conservas

O Governo fez questão de salientar que o seu programa inclui 60 medidas de outros partidos: 32 do PS, 13 do Chega, 6 da IL, 3 de BE e Livre, 2 do PAN e até 1 do PCP.

A única medida comunista incluída no programa é: “Desenvolver a capacidade produtiva, inovação, qualidade e competitividade da indústria conserveira”. É sobre conservas.

A nível de lucros das bancas, da economia, de política externa… dificilmente a AD direita iria incluir propostas do PCP.

Em relação ao resto, há propostas do PS sobre IRC, Porta 65 ou produção literária nacional e Observatório do Desporto. E, esta mais importante, sobretudo para as empresas (IRC): reduzir em 20% as tributações autónomas sobre viaturas das empresas, diminuindo o nível de tributação sobre as empresas.

O Chega propõe rever a carreira dos Vigilantes da Natureza ou promover o turismo sustentável.

A IL quer uma task force de eliminação de burocracias desnecessárias, o BE defende mais meios para as bibliotecas, o Livre um maior combate ao bullying e o PAN pretende mais práticas educativas interdisciplinares realizadas ao ar livre, em espaços verdes e em contacto com a natureza.

“Brincadeira, falácia”

Algumas propostas já estavam entre as ideias da própria AD. A maioria são medidas simbólicas; o Governo está à vontade para incluir estas propostas da oposição. Não vão alterar significativamente, nem o rumo do Governo, nem o rumo do país.

“Luís Montenegro não foi perguntar a cada partido que medida gostariam de incluir no programa do Governo. O PSD pegou em medidas específicas, que poderiam ser interessantes”, analisou o cientista político Jorge Fernandes, na Antena 1.

“A protecção do sector das conservas é um grande desígnio que deveria juntar todos os partidos na Assembleia da República. Acho muito bem que o Governo da AD tenha posto isso no seu programa”, ironizou Ana Sá Lopes, no Público.

Mais a sério: “Isto é tudo uma brincadeira! A táctica é: negoceia mas não negoceia. Se quisessem uma negociação a sério, teriam conversado antes com os grupos parlamentares. Não houve nenhuma conversa. Foram enfiadas algumas medidas às três pancadas. Não há vontade de negociar. Nem no Governo, nem nos outros partidos”, salientou a comentadora política.

Já Helena Pereira destacou a reacção de Inês de Sousa Real, do PAN, que afirmou que a AD não pode apresentar as medidas dos outros partidos, assim num documento, e dizer que isso é sinónimo de negociação.

“A AD supor o que vai agradar aos outros partidos… Isto não é nada sério. Não vale muito. Torna-se até ridículo. Estas 60 medidas… É tudo uma falácia“, concluiu.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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