PS deixa passar, Chega satisfeito e duas rejeições. O “preocupante” programa do Governo

João Relvas / Lusa

O primeiro-ministro Luís Montenegro ladeado pelos restantes membros do governo

Saúde, objetivos salariais e descida do IRC entre os pontos mais criticados pela oposição, que aponta o dedo ao Executivo por falta de diálogo na inclusão de propostas no “insuficiente” e “vago” programa apresentado esta quarta-feira.

Os socialistas vão abster-se, “nesta primeira fase”, nas votações das moções de rejeição do Programa de Governo apresentadas por PCP e BE, anunciou Alexandra Leitão na declaração após a sua eleição como líder parlamentar do PS.

Mas “viabilizar a entrada em funções do Governo não significa que depois se tenha que viabilizar tudo como a certa altura tem tido a ser dito”, avisou, em reação ao programa entregue esta quarta-feira.

A líder parlamentar socialista considerou que o documento estratégico, que será debatido quinta e sexta-feira no parlamento, “é essencialmente semelhante ao programa eleitoral da AD“, o que disse ser compreensível. Metade das 60 propostas da oposição incluídas no documento são do PS.

“E, na verdade, o que resulta na inclusão de medidas de outros partidos foi algo que foi feito unilateralmente e muito longe de qualquer tipo de diálogo. Foram escolhidas pelo próprio Governo as medidas que quiseram incluir, sem grande critério, sem atender à priorização que os próprios partidos tinham feito no seu programa eleitoral”, apontou.

Para a deputada socialista, o Governo tem “o direito de o fazer assim”, mas não pode chamar diálogo “porque diálogo implica falar, conversar e nada disso foi feito”.

E “há matérias muito preocupantes“, avisa Leitão.

Em termos do programa concreto há “algumas matérias que são muito preocupantes da perspetiva do PS”, dando como exemplo “a referência a revisitar a agenda do trabalho digno”, o “desvio de meios do SNS para privados” ou aspetos que eram consensuais na recuperação de rendimentos da administração pública e que agora “passaram a ser cautelosos, complexos”.

Chega saúda “aproximação” fiscal e anticorrupção

O Chega vai votar contra a moção de rejeição ao Programa do Governo apresentada pelo PCP e saudou uma “aproximação” em algumas matérias, como combate à corrupção ou fiscalidade, apesar de considerar também que é “muito vago e pouco ambicioso”.

André Ventura considerou ser “importante que o Governo consiga cumprir as promessas que fez e tenha tempo para poder fazê-las e trabalhá-las nestes próximos meses, não daqui a um ano ou dois”.

“Em matéria fiscal, o Governo apresenta elementos com os quais nos identificamos, em termos de IRS e IRC, de IMT e na relação com a aquisição de habitação jovem. Há aqui elementos que poderão ser negociados e trabalhados, vemos com boas perspetivas”, afirmou.

André Ventura defendeu igualmente que o documento vai “ao encontro ao que o Chega dizia há muito tempo em termos de corrupção, que é a ideia do confisco alargado, que agora entra diretamente no programa”, bem como o “aumento de penas”.

“Há uma aproximação às ideias do Chega, temos matéria para trabalhar e para continuar”, salientou.

IL: programa é “insuficiente”, mas passa o teste

A líder parlamentar da IL considerou o programa “insuficiente para as transformações urgente de que o país precisa”, criticando a falta de uma “reforma estrutural” na saúde ou as medidas para salários e IRS.

Mariana Leitão afirmou que “não se vê uma reforma estrutural no âmbito da saúde”, considerando que o executivo, “mais uma vez, só recorre aos setores privados e social quando o Serviço Nacional de Saúde (SNS) falha, quando não dá resposta ao que os portugueses precisam”.

Por outro lado, Mariana Leitão considerou que o facto de Governo prever que o salário médio cresça para os 1.750 euros até 2030 é “muito insuficiente para aquilo que seria necessário”.

“Se olharmos para o cenário macroeconómico do PSD, vemos uma previsão de crescimento da inflação de 2%, de crescimento económico de 3,5%. Isto significa que, do ponto de vista concreto, o salário médio cresce de forma muito insuficiente”, disse.

Já relativamente ao IRS, a líder parlamentar da IL frisou que “não há nem uma redução dos escalões, nem uma simplificação” e acrescentou que, para quem aufere salários entre os 1.000 e 1.500 euros por mês, “a grande maioria das pessoas”, só se prevê uma redução “na ordem dos cinco, seis euros por mês”.

Questionada qual vai ser a posição da IL quanto à moção de rejeição ao programa de Governo apresentada pelo PCP, Mariana Leitão considerou que essa iniciativa é “um pouco extemporânea”, mas apesar de alguma divergência, “não me parece que seja o suficiente para votarmos favoravelmente uma moção de rejeição”, afirmou.

BE e PCP avançam com moção de rejeição

A coordenadora do BE anunciou que o seu partido vai apresentar uma moção de rejeição do Programa do Governo, sustentando que as medidas transferem a riqueza de quem trabalha para grandes interesses económicos.

Mariana Mortágua sustentou que este é “um programa de direita que quer governar para alguns e quer concentrar os recursos do país nas mãos de alguns”.

Na opinião da dirigente bloquista, o Programa do Governo “contrasta uma enorme imprecisão e indefinição em matérias tão importantes como salários e carreiras, e uma enorme precisão nas medidas que são o programa dos grandes patrões, das grandes empresas, dos fundos de investimento, das elites financeiras”.

Mariana Mortágua deu como exemplo o Salário Mínimo Nacional, referindo que o programa aponta para o objetivo de atingir os mil euros em 2028.

“Logo a seguir, [o documento] diz que o salário mínimo vai evoluir de acordo com a produtividade e a inflação e, portanto, os mil euros não passam de um objetivo e não são qualquer compromisso deste governo”, criticou.

Sobre a redução de IRC para 15%, preconizada pelo executivo minoritário, Mortágua salientou que “não há qualquer condicionante” e que são as grandes empresas que vão deixar de pagar este imposto.

A coordenadora bloquista deu ainda como exemplo o setor da saúde, afirmando que os centros de saúde “vão passar a incluir serviços de privados” e que os lares que “até agora estavam no setor social vão ser entregues ao setor privado”.

No setor do trabalho, a deputada lamentou que “o período experimental deixe de estar na lei geral e passe a ser matéria sujeita à contratação coletiva”.

No passado dia 13 de março o PCP anunciou que também iria apresentar uma moção de rejeição ao documento, mas que tem chumbo assegurado, sem os votos do PS. O BE não especificou como votará a moção do PCP.

PCP não está surpreendido

A líder parlamentar do PCP considerou que o programa “corresponde a um retrocesso que levará ao agravamento das condições de vida” em Portugal, considerando que justifica a moção de rejeição apresentada pelo partido: “não constitui qualquer surpresa” no que diz respeito aos seus conteúdos e opção política.

“Insiste também no favorecimento dos grupos económicos, bem visível no objetivo da redução do IRC, que beneficia sobretudo as grandes empresas”, sublinhou, e “é um programa negativo por aquilo que contém e aquilo que omite”.

“Neste programa não há medidas efetivas, por exemplo, para combater a precariedade, para reduzir o horário de trabalho dos trabalhadores, não há medidas para remover as normas gravosas da legislação laboral, e poderíamos referir aqui muitas delas”, criticou.

A líder parlamentar comunista salientou que “é um programa que não dá resposta, que não contém as soluções para os problemas dos trabalhadores e do povo” e que, por isso, “conta com a oposição do PCP”.

Paula Santos defendeu que, além de favorecer as grandes empresas com a redução do IRC, o Governo também optou por só aumentar o salário mínimo nacional para os 1.000 euros em 2028, quando “há condições para aumentar significativamente” salários e pensões agora, e quer eliminar a limitação de preços na habitação, implementada pelo anterior Governo e que o PCP já considerava insuficiente.

“Olhemos para os preços da habitação hoje no nosso país, olhemos para os preços das rendas, que são completamente incomportáveis tendo em conta os salários e as pensões que nós temos. Nem sequer isso este Governo quer pôr fim”, disse.

Livre critica descidas do IRS e IRC

A líder parlamentar do Livre criticou o executivo por ter incluído “medidas avulsas” da oposição no Programa do Governo esta quarta-feira aprovado sem dialogar com estes partidos, e acusou-o de recuar em algumas promessas eleitorais.

“Esta inclusão de medidas avulsas de programas eleitorais de outros partidos parece-nos curiosa, mas foi feita sem diálogo com os partidos”, criticou Isabel Mendes Lopes, que acusou também o governo de recuar em algumas promessas eleitorais feitas na campanha.

No programa, a descida do IRS era “pormenorizada, calendarizada, com a apresentação de contas, e agora no programa de Governo há um conjunto de intenções, não há calendarização ou apresentação de contas”.

“Outra questão é o apoio às pequenas e médias empresas, nomeadamente à tesouraria”, enumerou.

A deputada mostrou-se preocupada com a descida do IRC para 15%, uma das medidas defendida pelo atual executivo, considerando que vai “beneficiar as grandes empresas, diminuído a receita do Estado que permite suportar o estado social e também dar apoio às pequenas e médias empresas”.

Mendes Lopes lamentou que medidas como o alargamento do Passe Ferroviário Nacional, aprovado na anterior legislatura e que tem que ser efetivado até ao final do semestre, o fundo de emergência para a habitação ou ainda a semana de trabalho de quatro dias, tenham sido tópicos que ficaram de fora do programa hoje apresentado.

PAN fala em “retrocessos”, mas ainda não decidiu

A porta-voz do PAN considerou que o programa denota “falta de ambição climática” e retrocessos na igualdade de género, criticando ainda que não tenha havido diálogo com os partidos da oposição.

“Temos aqui uma oportunidade que não deve ser desperdiçada, nomeadamente em matérias fundamentais como a saúde, o acesso à habitação, e que claramente não se traduza numa mão cheia de nada ou em frases muito vagas que, de alguma forma, não traduzem compromissos e bandeiras eleitorais que foram fixadas durante a campanha por parte da AD”, afirmou Inês de Sousa Real.

Sousa Real considerou que há também “uma falta de visão no que diz respeito à própria agricultura”, salientando que se assiste a um retrocesso na área, uma vez que seria necessário garantir a valorização, pagamentos e investimentos necessários no setor, mas coadunados “com preocupações ambientais, o que claramente não se traduz na visão do Governo”.

“Para o PAN, assistirmos à devolução da tutela das florestas, da proteção animal ao Ministério da Agricultura é de facto muito preocupante, na medida em que sabemos que é preciso ir mais longe na proteção das florestas, mas essa proteção deveria ocorrer à mesma no Ministério do Ambiente”, defendeu.

Por outro lado, a deputada única do PAN considerou também que há retrocessos em matéria de igualdade de género, manifestando preocupação com o facto de o programa “referir a importância do papel da mulher e da natalidade associada à mulher e não à família”.

“Nós não podemos esquecer que os problemas da natalidade que são hoje enfrentados são por parte das famílias, dos jovens, não são apenas por parte da mulher e, nesse sentido, retomar um papel e uma visão conservadora neste programa de Governo é de facto muito preocupante”, disse.

Questionada se o PAN está disponível para dialogar com o Governo, Sousa Real disse que o partido já manifestou essa disponibilidade, em particular em torno de matérias como a redução da carga fiscal, o acesso à habitação, a igualdade ou ensino superior.

Já interrogada sobre qual vai ser o sentido de voto do PAN quanto à moção de rejeição do PCP, a deputada respondeu que o partido vai reunir a sua Comissão Política Nacional na quinta-feira para analisar essa matéria e o programa do Governo, assinalando que “neste momento está tudo em aberto”.

ZAP // Lusa

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