O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, pediu esta sexta-feira desculpa aos opositores que o acusam de negar a história de escravidão no país, depois de declarações polémicas sobre injustiça racial.
Scott Morrison defendeu o legado do explorador britânico James Cook, que, em 1770, chegou ao local da primeira colónia penal britânica na Austrália, que se tornou na cidade de Sydney.
Na quinta-feira, Morrison, que representa o distrito eleitoral de Cook, em Sydney, no Parlamento, descreveu o herói naval britânico como “muito à frente no seu tempo”, e pediu às pessoas que exigiam que a zona fosse renomeada, alegando as origens de colonialista do navegador, para pensarem bem no assunto.
“Enquanto os navios negreiros continuavam a viajar à volta do mundo, quando a Austrália foi estabelecida… era um lugar duro, mas não havia escravidão na Austrália”, disse Morrison, nesse dia, numa entrevista a uma estação radiofónica.
Mas esta sexta-feira, o primeiro-ministro australiano pediu desculpa depois de os seus opositores terem apontado o facto de dezenas de milhares de habitantes das ilhas do Pacífico Sul terem sido forçados a trabalhar em plantações de cana de açúcar australianas, no século XIX, e os indígenas australianos terem sido forçados a trabalhar por salários que nunca foram pagos.
O portal da Internet satírico Betoota Advocate divulgou um texto em que chamava a atenção para a matéria: “Austrália nunca teve escravidão, diz o primeiro-ministro. Quem acredita que a cana-de-açúcar se cortou a si própria ao longo de 100 anos?”.
“Os meus comentários não pretendiam ofender e, se o fiz, lamento profundamente”, disse hoje Morrison, acrescentando que a escravidão não estava legalizada na colónia original de Sydney, para justificar o seu comentário.
Enquanto Morrison pedia moderação pública na reavaliação de figuras históricas em resposta à morte de George Floyd, o afro-americano que morreu asfixiado às mãos de polícias de Minneapolis, nos EUA, o governo do Estado da Austrália Ocidental anunciou que renomeará as cordilheiras King Leopold — um antigo rei belga — no noroeste da Austrália.
O ministro do Território desse Estado, Ben Wyatt, um australiano indígena, descreveu o rei Leopoldo II da Bélgica como um “tirano maligno”, que não deve ser honrado.
O anúncio ocorreu depois que uma estátua do monarca Leopoldo, que forçou muitas pessoas à escravidão no Congo, ter sido desfigurada e removida da cidade belga de Antuérpia.
A negação da escravidão australiana por parte de Morrison foi um segundo golpe para muitos australianos indígenas, depois de o primeiro-ministro ter expressado gratidão por a Austrália não compartilhar o problema norte-americano de violência policial contra a população negra.
Os aborígenes representam 2% da população adulta da Austrália e 27% da população de reclusos no país, com mais de 340 australianos indígenas morrendo sob custódia policial ou prisional, nas últimas três décadas.
No seguimento da morte do norte-americano George Floyd e das manifestações que se lhe seguiram, vários monumentos têm sido vandalizados e derrubados em cidades dos Estados Unidos, mas também na Europa, por serem associados ao racismo e a períodos da escravatura por alguns movimentos.
A união dos municípios de Bournemouth, Christchurch and Poole decidiu na quarta-feira à noite remover temporariamente a estátua do fundador do escutismo, Robert Baden-Powell, após ter sido identificada numa lista de potenciais alvos de manifestantes anti-racismo.
No domingo passado, uma multidão derrubou e atirou para as águas do porto de Bristol a estátua do comerciante de escravos do século XVII Edward Colston, mas o monumento foi já recuperado pela autarquia para que possa ser colocada num museu.
Na segunda-feira, a estátua de outro esclavagista do século XVIII, Robert Milligan, foi removida de Londres na sequência de uma petição popular.
Outros monumentos, como uma estátua do imperialista Cecil Rhodes, na universidade de Oxford, e a estátua do fundador da polícia britânica Robert Peel na praça central de Manchester, são alvo de controvérsia.
Em Lisboa, foi vandalizada, na quinta-feira, a estátua do Padre António Vieira no Largo Trindade Coelho. O conjunto de esculturas, que inclui uma do padre António Vieira e outras de três crianças, foi pintado com tinta vermelha, tendo sido igualmente escrita a palavra “Descoloniza” na base do monumento.
Os danos em monumentos configuram crime público e o processo foi enviado ao Ministério Público.
ZAP // Lusa