O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou Portugal por discriminação sexual, depois de o Supremo Tribunal Administrativo ter decidido diminuir a indemnização de uma mulher vítima de negligência médica numa cirurgia ginecológica que afetou a sua vida sexual.
Em dezembro de 2013, a Maternidade Alfredo da Costa recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão de condenação ao pagamento de 172 mil euros por negligência médica, relativa a uma cirurgia ginecológica realizada em 1995.
A mulher ficou com lesões irreversíveis e uma incapacidade permanente de 73%, na sequência da operação. No recurso, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu reduzir o valor em cerca de 60 mil euros, justificando a decisão com o argumento de que a sexualidade não é tão importante para uma mulher de 50 anos e com dois filhos como para alguém mais novo.
A fundamentação do acórdão do coletivo de juízes do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 2015, demonstra “os preconceitos” que prevalecem no sistema judiciário português, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Por isso, Portugal foi condenado a pagar mais de três mil euros à vítima por danos não patrimoniais, por violar os artigos 8º – direito ao respeito pela vida privada e familiar – e 14º – proibição da discriminação – da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ao pagamento de 2 460 euros devidos a despesas com o processo.
“Como já tinha mais de 50 anos à data em que foi operada, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que a sexualidade a partir dos 50 anos não tinha a mesma relevância que teria se ela fosse mais nova. Foi discriminada pelo facto de ser mulher e por ter a idade que tem”, explicou à agência Lusa o advogado da vítima, Vítor Parente Ribeiro.
O advogado espera que esta decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos permita reanalisar o acórdão dos juízes do Supremo Tribunal Administrativo.
“Com base na decisão podemos, em princípio, pedir uma revisão do acórdão do STA. Vamos ver se é possível ou não. Vou analisar para ver se aquela decisão tomada, seja reapreciada”, acrescentou o advogado.
A sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), proferida em outubro de 2013, sustentava que durante a intervenção cirúrgica do foro ginecológico a equipa médica “lesou parcialmente” o nervo pudendo, que controla a continência urinária e fecal, deixando a paciente “inválida para toda e qualquer profissão”.
Treze anos depois, o tribunal de primeira instância deu razão à paciente, que à data dos factos tinha 50 anos, e condenou a Maternidade Alfredo da Costa ao pagamento de 172 mil euros, acrescidos de juros.
O caso só chegou à Justiça em 2000, depois de a mulher ter realizado exames numa clínica privada, que provaram que o seu estado de saúde era resultado do erro médico cometido no decorrer da cirurgia realizada na MAC, em 1995. Após a operação, a utente continuou a ser seguida pelo serviço de ginecologia da maternidade.
A 12 de outubro de 1999, o presidente de uma junta médica subscreveu o “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, que refere que a paciente “apresenta deficiências” que, de acordo com a tabela nacional de incapacidade, “lhe conferem uma incapacidade permanente global de 73%, desde 1995”. O TACL atribuiu, por sua vez, responsabilidades à equipa médica.
“A atuação é ilícita e culposa, por violar as leis da medicina, que lhe impunha o cuidado de não lesar o nervo pudendo da utente, pelo que o seu comportamento ficou abaixo do standard técnico/científico que era exigível a um ginecologista cirurgião médio”.
A Maternidade Alfredo da Costa e a equipa responsável pela cirurgia – composta por uma cirurgiã, duas ajudantes e um médico anestesista – ainda invocaram a prescrição, o que foi recusado, na ocasião.
O tribunal também não deu provimento à contestação apresentada pela Maternidade e pelos clínicos que refere, entre outros fundamentos, que as queixas da paciente para não trabalhar são do “foro psiquiátrico“, que a mulher, “antes da operação, já sofria de incontinência” e que “tinha tido dois partos vaginais, um deles em casa e com um bebé de 4.000 gramas”.